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O aspecto degradante do cinema em Moçambique

O aspecto degradante do cinema em Moçambique

A fraca produção de filmes, no nosso país, e a exiguidade de infra-estruturas cinematográficas para a sua exibição preocupam os realizadores e os amantes da sétima arte. Em quase todo o território nacional, a situação é explicada à luz da alienação dos imóveis. No entanto, porque o fenómeno foi acompanhado de uma má gestão dos edifícios, presentemente, os mesmos (muitos dos quais estão encerrados e em estado de degradação) tornaram-se viveiros de marginais e bordéis.

Se na sétima arte os países africanos como Nigéria e Angola – onde os seus governos apoiam (financiando) a produção e disseminação do cinema – podem servir e servem de exemplos ao Estado moçambicano, no mesmo a realidade é contrária. Depois de uma aborrecida e, invariavelmente, mal sucedida procura pelo patrocínio para a produção, os realizadores enfrentam outro dilema maior ainda – a falta de salas de cinema para a exibição das obras. Em resultado disso, é normal que um filme moçambicano seja exibido, em estreia no estrangeiro, e passem anos sem que os moçambicanos o vejam.

Nas suas reclamações, muitos realizadores moçambicanos repetem – à sua maneira – esta frase de João Ribeiro: “O Estado moçambicano não regula, não financia e não promove a produção artística e intelectual no país. Ora, esses três papéis são fundamentais para que as manifestações culturais nacionais sejam incluídas na nossa actividade – o audiovisual”.

O grande contra-senso é que a analisar pela quantidade de edifícios que o país possui – muitos dos quais, em determinada época, cumpriram a sua função, a de servir para a projecção e disseminação de filmes – os moçambicanos deviam-se orgulhar. No entanto, a disfunção para a qual as referidas infra-estruturas estão relegadas, nada mais nos resta a não ser a vergonha.

Em Moçambique, o que deveria constituir uma mais-valia para o cinema, um ramo de produção que estimula várias actividades económicas, está a alimentar não somente as lamentações de quem trabalha nesse sector, como também das pessoas que – estão a ter ou – sonham em ter uma formação de especialidade.

Na cidade da Matola, no bairro da Machava sede, onde se localiza o cinema com o mesmo nome, a infra-estrutura está paralisada há mais de 20 anos. Os residentes daquela região lamentam o facto de com a corrosão do edifício estar a destruir-se a memória cinematográfica nacional que ali está representada. Enquanto isso, com argumentos irrefutáveis, receiam que o pior aconteça: o edifício, abandonado, irá atrair criminosos.

Patrick Muchanga, residente no mesmo bairro há mais de 70 anos, recordar-se de que quando era adolescente costumava ver filmes no Cine Machava. O espaço possui uma parte essencial da sua biografia: “Foi ali onde encontrei a minha primeira namorada. Posso afirmar, então, que metade da minha história ocorreu dentro daquele edifício que, agora, está arruinado”.

Muchanga é um entre vários idosos que, na cidade da Matola, sentem alguma nostalgia em relação à suposta “idade de ouro do cinema” no país. “Naquele tempo não somente íamos ao cinema para ver filmes, mas também aquele espaço servia de ponto de encontro entre os jovens para discutirem assuntos diversos e socializarem-se”, diz.

Visivelmente emocionado, Patrick Muchanga elabora mais um comentário: “Muitas vezes íamos ao cinema para ver aquela namoradinha cuja relação os pais – por razoes diversas – não apoiavam. Mas a sensação de estar numa sala ampla e escura, com quase metade dos amigos e conhecidos ainda existe em mim. O problema é que não sei como voltar para lá”.

O sofrimento dos criadores Em Moçambique há artistas que se dedicam à produção cinematográfica, pura e simplesmente, por amor. A subsistência da maioria é garantida com base na realização de outras actividades sociais. Esta situação significa, à partida, que a produção de filmes está aquém de satisfazer as suas necessidades materiais.

A razão é simples: fazer cinema, no nosso país, ainda é um acto heróico. Por essa razão, os comentários feitos no ano passado por artistas de diversas áreas têm o seu sentido. Por exemplo, o conceituado actor Gilberto Mendes compreende que os artistas moçambicanos vivem numa situação de “orfandade cultural devido ao secretismo – na divulgação e aplicação da legislação cultural – existente no país, que concorre para a precariedade da sua condição social”.

Em resultado disso, mesmo que os realizadores criem obras exclusivamente para o mercado nacional, em nada adianta porque para pô-las na praça o artista enfrenta muitas dificuldades.

Um outro fenómeno que desencoraja o desenvolvimento do cinema no país é que, nos últimos tempos, com a democratização do acesso à informação, através de diversos artefactos tecnológicos, muitos amantes da sétima arte – para ver filmes – trocam as salas de cinema pelo pequeno ecrã do televisor e telemóveis.

Enquanto isso, para as pessoas menos favorecidas, a alternativa – muito praticada nalguns bairros – é a criação de locais onde se exibem filmes usando um televisor e um leitor de vídeo. Nos referidos lugares não importa o conteúdo, o clima, nem a origem do trabalho cinematográfico exibido, o essencial é que o mesmo seja projectado.

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