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O ‘adeus’ do (sero)ignorante!

O ‘adeus’ do (sero)ignorante!

Em Janeiro a vida da Emília Saveca transformou-se num inferno, visto que ao submeter- se a um teste este acusou HIV positivo. Resultado: perdeu de vista o então namorado. Mais tarde perdeu a mãe – vítima da doença do século – e agora enfrenta a falta de tudo…

A casa de Constâncio Saveca é um edifício à volta do qual se acumulam vestígios do pequeno- almoço ainda por digerir. São 11 horas e estamos em Boane, a 30 quilómetros de Maputo. Cambaleando, Emília Saveca, de 23 anos, faz um esforço hercúleo para vencer os cinco metros que a separam do lugar onde estamos e onde passa a maior do dia. Põe-se de pé, agarra num banquinho e vem sentar-se ao pé da nossa equipa de reportagem.

“Sim, sou eu … sou seropositiva”, responde-nos ao mesmo tempo que questiona o porquê da pergunta. Mostrámos a cópia da denúncia: “(…) sou uma cidadã residente em Boane, rua da PRM. Estou triste porque Constâncio Saveca, presidente da Associação Pfukane, estigmatiza a sua própria filha que está doente de SIDA”. Lê. Volta a ler. Olha para nós. Fita o horizonte e volta o olhar para o chão.

Ganha coragem e responde: “não”. Um “não” seco, mas ela explica: “ o meu pai cuida de mim… isto que as vizinhas dizem não é verdade…” Afinal, a verdadeira história da jovem da foto ao lado é bem diferente da relatada pela vizinha de Saveca, presidente do Pfukane.

Conta Emília que o calvário começou assim que fez o teste. Contudo, para seu infortúnio, os resultados apenas acusaram Tuberculose, TB. “Mas sentiame cada vez pior, pois dos 70 quilos passei, num ápice, a pesar 30 quilos”, refere. Insatisfeita com os resultados locais, ela foi repetir, em Janeiro, o teste no hospital Santa Filomena, na cidade de Maputo. O diagnóstico acusou que é seropositiva. “Fiquei assustada com os resultados do teste”, confessa. Mas Emília teve que vencer o medo e ganhar coragem. Informou o seu namorado Miguel Cumbe sobre o seu estado.

Era o que faltava: não obstante ser namorado oficial (de Emília), ao Miguel Cumbe nada restou senão sumir da vista da doente. “ Nunca mais pôs os pés cá”, lamenta. Acrescenta que diante do triste “adeus” da sua cara-metade, Emília telefonou para a mãe de Miguel, a informar o sucedido. “Mas não tive retorno”. Triste biografia de Emília Já vão para 12 horas e ela diz que desde que tomou os anti-retrovirais ainda não comeu. “Apetece- me refresco…mas sumo seria óptimo…”, revela.

Como não tem como comprá-lo na barraca ao lado, “finta-nos” fixando os olhos esbugalhados no horizonte. Tenta deixar transparecer que, mesmo assim, tudo está bem com ela. Idem com a sua família sobre a qual refere que “nunca me fez mal… ajudam- me sempre que podem…!”

A jovem detalha a sua triste biografia: “ Nasci em 1986”. Mas olhando bem para ela ficamos com a impressão de que esta é mais uma das milhares de Emílias que terão nascido para sofrer. Há muita coisa ruim que aconteceu ao longo dos seus 23 anos, mas é com notável nostalgia que ela se recorda do dia em que a defunta mãe foi deixá-la nas mãos de Saveca, seu pai: “Tinha 9 anos quando a minha falecida mãe veio deixar-me aqui”. Não sabe porquê. Mas pensa que isso se deveu ao facto de, nessa altura, a sua progenitora estar envolvida numa nova relação com outro homem que impôs tal decisão. Mesmo assim, Emília evita conduzir a conversa para esse lado da história. Mas, por vários motivos, “várias vezes fugi da casa”, diz.

Esforça-se para evitar que mais lágrimas molhem o seu rosto ressequido e triste. “As coisas aqui em casa nunca foram das melhores mas, mesmo assim, meu pai sempre ia buscar-me”. Diante da falta de tudo – de carinho de uma mãe, dinheiro para apanhar o ‘chapa’ Emília desistiu da escola. Tinha 17 anos quando conheceu o pai da filha, hoje com 7 anos. O ex-namorado era um homem que ‘desenrascava’ a vida na África do Sul. Talvez por isso diz que muitas pessoas pensam que ela contraiu o SIDA por via sexual.

Emília não confirma a suspeita em virtude de os testes que o pai da filha fez antes de morrer – em 2007 – terem sido negativos. Além disso, apesar das inúmeras carências que tinha “eu nunca fui garota de programa, como os vizinhos pensam. Disseram-me que o pai da minha filha morreu de feitiço”, acrescenta.

 

Miguel, onde andas tu?

Para ouvir o namorado sobre a versão dos factos, o @VERDADE seguiu as pistas dadas fornecidos por Emília. Debalde, pois quando tocámos a campainha da moradia que nos foi indicada da Malhangalene, em Maputo, os interlocutores estranharam tudo: “Não conhecemos esse Miguel, nem a sua história com a Emília”, responderam-nos, fechando a porta de seguida como quem tivesse recebido a visita do diabo. De nada valeu tentarmos contactá-lo via telefone. O número,depois de uma chamada que foi rejeitada, até hoje continua incomunicável.

 

‘Visão’ da ‘Pfukane’

Da casa do Saveca à sede social do Pfukane são cerca de 300 metros. É aqui onde a recepcionista é uma jovem elegante que dá para capa de uma revista de moda. Afável, ligou para Constâncio Saveca – o presidente – que do outro cedo lamentou estar distante. Mas recomendou que falássemos com Pilatos Bernardo Saveca, o coordenador. Pilatos diz viver a história da Emília mas desmente o conteúdo da denúncia feita por uma anónima via SMS. Diz saber da morte da mãe da Emília, da cabana e do orfãozinho José que sobrevive dos 150 meticais, renda da cabana deixada pela mãe. Tal como os vizinhos e outros agentes ligados ao Pfukane, Pilatos reconhece que quer o pai como a madrasta reconhecem que Emília enfrenta extremas carências e tudo têm feito para ajudá-la. Mas como nem sempre ter vontade é ter poder, Emília Saveca vai minguando…

 

A dupla orfandade

Era pequena demais para andar atrás dessa história de feitiços. Urgente era procurar alternativas para cuidar da filhinha na altura com 5 anos. Desde há muito que Emília luta para ser autónoma. Mas ao que parece, tudo tem sido difícil para si. Mas como a vontade é maior que o desânimo “ tive de me virar para sustentar a minha filha”. Foi assim que trabalhou numa empresa de ‘segurança privada’ por pouco tempo devido à sua menoridade – 17 anos. Chorou.

Voltou a empregar-se no Restaurante-bar Carioca. Mas o pior é o que estava por acontecer ainda: em Julho, a sua mãe foi fazer teste que revelou ser seropositiva. Faleceu. “ Era a única que percebia que, na sua condição de doente – e a tomar anti-retrovirais – precisava de matapa. “…ela fazia tudo para mim”, lamenta. Antes de morrer, a mãe deixou-lhe um recado: cuidar da cabana – única herança – e do seu irmãozinho José, de 7 anos, na 2ª classe. Aos 9 anos que Emília diz que ela quer um tecto próprio. Por isso gostaria de ir viver lá.

Mas não sabe como vai restaurá-la. Nem como cuidar de si mesma – pois “ quero voltar à escola. Muito menos da minha filhinha e meu irmãozinho”. São 13 horas. Finta-nos, olhando ora para chão, ora para o horizonte. Quebra o silência: ” Quero uma ajuda! …”

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