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“Nunca sonhei com a presidência da República”

Heróis nas ruas de Maputo

Gravada nas vésperas das eleições gerais de 1999, a entrevista que agora publicamos esteve mais de nove anos guardada na gaveta. Inicialmente agendada para ser publicada no semanário português “O Independente”, por falta de espaço, acabou por nunca ver a luz do dia. Resolvemos agora, em jeito de homenagem, publicá-la, postumamente, na íntegra.

Domingos Arouca demitiu-se da presidência da Fumo (Frente Unida de Moçambique). Tudo porque o seu partido aderiu à coligação oposicionista Renamo/União Eleitoral (UE). Quando faltam escassos dias para as segundas eleições gerais da história do país, Arouca, num discurso mordaz e incisivo, não poupou críticas aos seus antigos colegas de partido bem como à Frelimo e à Renamo.

 

Quais as razões que concorrem para a sua demissão da liderança da Fumo?

Domingos Arouca (DA) – A principal razão prende-se com a minha discordância em relação à adesão do partido à coligação Renamo/UE. Apostei numa política de sustentabilidade a médio prazo, não temos necessidade de aderir apressadamente a uma coligação para chegar mais depressa ao Parlamento. Sempre preconizei para a Fumo uma política assente num trabalho sério de dinamização e angariação de militantes. Em suma um trabalho de fundo e não processos de recolha de dividendos políticos rápidos.

 

Os seus colegas de partido que alinharam com a Renamo/UE é isso que pretendem?

(DA) – Evidentemente. Eles, aliás, foram sinceros e disseram-no nas reuniões que tivemos. Tenho testemunhas disso.

 

Acha que vão ser instrumentalizados pela Renamo?

(DA) – Não tenho a menor dúvida. Veja que a Renamo oferece dois lugares no Parlamento a cada partido que faz parte da coligação. O que é que dois deputados podem fazer num total de 250? É óbvio que serão completamente subalternizados.

 

O senhor sempre defendeu uma equidistância da Fumo em relação aos dois maiores partidos. Considera-os ainda pouco democráticos?

(DA) – Não é bem isso. Considero que ambos têm uma perigosa génese militar, e isso não é saudável para o país. São ainda extraordinariamente antagónicos. Por conseguinte, entendi que nos devíamos situar no meio, devíamos ser um partido de cariz civil, que nada tivesse a ver nem com um nem com outro. Penso que é isso, de facto, que o povo quer e espera. É nessa via que devíamos trabalhar sem pressa de chegar ao Parlamento.

 

Então, se é esse o desejo do povo, porque é que esses partidos, em seu entender militarizados, recolheram mais de 90% dos votos?

(DA) – Porque não existia nem existe uma terceira via. Não há alternativa. E nas eleições de 1994 o povo ainda estava sob o trauma da guerra civil. Mas hoje, esta questão já não se coloca. Já ninguém vota em tal partido com receio de uma guerra. Essa terceira via amanhã conseguiria uma vitória eleitoral e o povo ficava tranquilo ao perceber que com esta partido não haveria problemas militares.

Tem também defendido que nas eleições de 1994 houve fraudes graves.

(DA) – Sim, isso é um dado adquirido.

Mas foram ao ponto de alterar profundamente os resultados?

(DA) – Sim, até pela escassa diferença de votos registada entre os dois maiores partidos. Ainda há poucos dias pescadores da Zambézia “pescaram” urnas cheias de votos.

Pensa que estas eleições serão mais transparentes?

(DA) – Acho que sim, porque a oposição adquiriu muito mais experiência.Está mais atenta às irregularidades. Mas continuo a defender que se devia exigir uma contagem manual, porque os computadores podem ser facilmente viciados.

Ainda é militante da Fumo?

(DA) – Sou e continuarei a ser.

Então não pretende fundar um novo partido?

(DA) – Não, este já me deu muito trabalho.

Diz-se que o senhor só não aderiu à Renamo/UE porque Afonso Dlakhama não desistiu da candidatura presidencial em detrimento de si.

(DA) – Não, isso é completamente falso. Nunca falei com o Dlakhama sobre isso. Desde o primeiro dia que disse aos membros do meu partido que não queria ser presidente da República nem ministro ou deputado.

Também o acusam de há muito tempo andar frustrado pelo facto de não ter sido ainda presidente da República…

(DA) – Não estou nem nunca estive interessado no cargo. Também disseram que eu teria gostado de ser presidente de Moçambique em 1975. Ora, nessa altura, nem estava em Moçambique, estava em Portugal. Até lhe digo mais: Joaquim Chissano, na altura   primeiro- ministro, veio dizer-me que o Presidente Samora gostava que eu fizesse parte do Governo de transição. Informei-o de que me sentia muito honrado com o convite mas o que gostava mesmo de exercer era advocacia.

Estava previsto que a Aliança para a Democracia (APD) (coligação integrando a Fumo, Monamo e PCN)concorresse a estas eleições. Acha que poderia obter um bom resultado?

(DA) – Claro que desta vez não iria ganhar. Mas fazia a sua campanha civilizadamente, aproveitando ao máximo o tempo de antena, dava a conhecer o seu programa, transmitia a sua mensagem política, abrindo caminho para uma possível vitória nas próximas eleições.

Sente-se desiludido?

(DA) – Não. Sinto que os interesses pessoais sobrepuseram-se aos interesses políticos que aconselhavam tranquilidade para que fôssemos ao poder daqui a cinco anos.

O líder da Renamo defende que ele é o responsável pelo seu regresso a Moçambique, em 1992.

(DA) – O Presidente Dlakhama está convencido de que trouxe a democracia ao país. Tal como o Presidente Chissano está convencido de que trouxe a Independência.

Talvez por terem andado a lutar no mato…

(DA) – Mas em Cabo-Verde e São Tomé não houve guerra e esses países tornaram-se independentes na mesma altura! A conjuntura internacional é que foi determinante, nomeadamenteas grandes pressões da Assembleia-Geral da ONU, para que o país fosse

independente. Dlakhama também não trouxe a democracia. Foram as pressões do Banco Mundial, do FMI e da Comunidade Internacional que exigiram que os regimes de partido único se democratizassem. Tanto num caso como noutro, foi mais a pressão internacional do que as guerrilhas a imporem uma e outra solução. Se calhar, se não fosse isso, ainda hoje a Frelimo estaria no mato a lutar pela Independência.

Quem pensa que irá vencer estas eleições?

(DA) – Ainda é prematuro efectuar qualquer vaticínio. Ganhará aquele que se apresentar mais bem organizado. É igualmente importante uma boa campanhaeleitoral.

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