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No Dia da Paz foi assassinado um homem que desafiou o seu destino

No Dia da Paz foi assassinado um homem que desafiou o seu destino

Mahamudo Amurane, o presidente do Município de Nampula, foi assassinado no início da noite desta quarta-feira(04), Dia da Paz em Moçambique, diante da sua residência particular no bairro Namutequeliua, na chamada capital Norte de Moçambique por um indivíduo desconhecido que terá disparado três tiros. Oriundo de uma família pobre Amurane desafiou o seu destino por várias ocasiões, podia ter-se acomodado à sombra da irmã, ministra em sucessivos Governos do partido Frelimo, mas preferiu trilhar o seu próprio caminho. Dissidente do Movimento Democrático de Moçambique(MDM), preparava a sua recandidatura para as eleições Autárquicas de 2018 como independente.

O edil, que participou nas cerimónias de celebração dos 25 anos do Acordo de Paz na praça dos heróis na cidade de Nampula, terá dispensado a sua segurança pessoal e dirigido-se à sua residência particular, no bairro de Namutequeliua, na zona conhecida por “quatro caminhos”, onde funciona uma Farmácia de que é proprietário.

Testemunhas ouvidas pela Polícia da República de Moçambique(PRM) relataram que foram feitos três disparos, de uma arma de fogo do tipo pistola, “dois dos disparos atingiram a zona do tórax e uma das munições passou pela lateral e quando chegou ao hospital foi declarado óbito” precisou Inácio Dina, o porta-voz da corporação, à Televisão de Moçambique.

Segundo o vereador de Mercados e Feiras no município de Nampula, Saide Ali, que acompanhava Amurane na altura do atentado o atirador, um indivíduo alto e escuro, chegou numa viatura ligeira, cerca das 18 horas, aproximou-se do edil que estava defronte da sua Farmácia em conversa com ele e alvejou-o.

Há alguns dias Mahamudo Amurane revelou ao @Verdade durante a última Assembleia Municipal, que decorreu na semana passada, recebeu uma denúncia de que um grupo de indivíduos estava organizado para irromper na sessão e fazer uma repudiando o informe que o edil apresentou ao órgão. Entre esse grupo organizado, de acordo com o presidente, estaria alguém para fazer um atentado à sua vida.

A PRM foi accionada e a sessão decorreu sob fortes medidas de segurança, inclusivamente Amurane teve de sair a Assembleia Municipal escoltado por agentes policiais.

Um homem que desafiou o seu destino

Nascido a 2 de Junho de 1973 no distrito de Monapo, Mahamudo Amurane muito cedo perdeu o seu pai, facto que teve implicações não só na vida pessoal, mas também nos estudos. Foi criado pelos irmãos mais velhos, uma vez que a sua progenitora não dispunha de condições financeiras.

Concluiu o seu ensino primário na EPC de Marocane, actual Instituto Agrário de Ribáuè, na província de Nampula. Prosseguiu com os estudos no Centro Internato da Missão Católica de Iapala, onde foi acolhido pelos responsáveis da instituição porque não dispunha de meios, uma vez que os familiares viviam na cidade de Nampula.

Praticamente desamparado lutou pela vida, ganhando algum dinheiro, o que permitiu concluir a 7a classe. Depois mudou-se para a cidade de Nampula, na boleia de um funcionário da Direcção Provincial de Saúde, o qual se simpatizou com o jovem, pois notou que estava sozinho sem condições financeiras para chegar à capital provincial.

Naquele tempo, concluir a 7a classe era uma honra para a família. Mas Amurane não se conformou com isso. Continuou a estudar, desta feita no ensino secundário geral na antiga Escola Secundária 1º de Maio, que funcionava nas actuais instalações da Universidade Católica de Moçambique, em Nampula.

Irmão de importante militante do partido Frelimo

Filho de um responsável de uma mesquita, designado sheik, era natural que ele também fosse da mesma religião. Quase todos os membros da sua família professam o islamismo. Por diversas vezes, Amurane foi abordado por um grupo de homens da religião cristã, os quais o convidaram a converter-se. Na ocasião, recusou e mostrou-se determinado apenas em continuar a estudar. Mais tarde, reflectiu e chegou à conclusão de que se tratava de uma chamada de Deus, razão pela qual se converteu ao cristianismo. A primeira igreja que frequentou foi a Assembleia de Deus. Mais tarde, preferiu a Igreja Católica.

Amurane participou num programa de formação de técnicos de controlo de tráfego aéreo. Tendo sido o melhor aluno do grupo dos formandos, beneficiou de outro curso do mesmo ramo na cidade de Maputo. Entretanto, a sua irmã, Adelaide Amurane, que foi ministra para os Assuntos Parlamentares no Governo de Armando Guebuza e actualmente ocupa o cargo de ministra na Presidência para os Assuntos da Casa Civil, aconselhou-o a interromper a carreira, porque não havia nenhuma perspectiva em termos de progressão, tendo-lhe oferecido uma proposta de formação no Brasil por um período de 60 dias em matérias de capacitação de empresários de microempresas em contabilidade, administração e finanças.

Terminado o curso, regressou a Moçambique, onde esteve a trabalhar no Gabinete de Promoção de Emprego no Ministério do Trabalho como técnico de treinamento empresarial. Durante sensivelmente três anos foi amealhando algum dinheiro resultante do salário que ganhava. Não tinha despesas, porque morava na casa da sua irmã. Tempos depois, decidiu voltar ao Brasil para concorrer a uma bolsa de estudo oferecida pelo Governo brasileiro apenas com a isenção das propinas.

Naquele país, não cruzou os braços, tendo continuado a trabalhar num projecto desempenhando as mesmas funções de técnico de treinamento e auferindo um salário mínimo de 300 dólares norte-americanos. O dinheiro era, ainda, insuficiente e arranjou outras alternativas de sobrevivência. Trabalhou em restaurantes e bares. Com muito sacrifício, conquistou a simpatia de alguns brasileiros, tendo obtido emprego em duas instituições, sendo o Banco Brasileiro como estagiário durante a noite e o Instituto de Previdência de Servidores Públicos.

Um profissional (in) grato

Depois dos estudos, teve muitas ofertas de trabalho naquele país latino-americano. Contudo, mostrou-se determinado a regressar a Moçambique, porque a sua formação envolveu muito sacrifício e precisava de voltar à sua terra. “Moçambique precisava mais de mim do que o Brasil”, confessou ao @Verdade pouco depois das eleições de 2013.

Há quem diga que Deus o terá castigado, porque depois de recusar as ofertas no Brasil percorreu toda a cidade de Maputo de lés a lés à procura de emprego. Mais tarde, arranjou um emprego na Medis Famaceutica Limitada como coordenador administrativo e financeiro. Foi aí onde tomou a iniciativa de ter a sua própria farmácia, porque descobriu que o negócio de medicamentos gerava muito dinheiro. Além disso, não estava satisfeito com as suas funções, pois sentia-se pouco valorizado e a rotina do trabalho era estática. O seu trabalho limitava-se a controlar o armazém, incluindo todo o processo de vendas.

Em 2000, abandonou o seu posto de trabalho e foi leccionar no Instituto Médio da Administração Pública em Maputo. No ano seguinte, começou a trabalhar como docente do Instituto Politécnico Universitário, na cidade de Quelimane, onde assinou outro contrato de trabalho como assessor da administração e gestão na Direcção Provincial de Saúde da Zambézia, através do Fundo Europeu para o Desenvolvimento.

Em 2003, conseguiu uma vaga como docente na Universidade Mussa Bin Bique no período pós-laboral. Durante o dia, desempenhava as funções de assessor de administração e gestão na Direcção Provincial de Saúde de Nampula. No ano seguinte, recebe um convite para assessorar a Direcção Provincial de Saúde de Cabo Delgado na área de administração e gestão.

O contrato foi celebrado a curto prazo, tendo regressado a Nampula, onde continuou a dar aulas em gestão de projectos na Universidade Mussa Bin Bique. Já em 2006, recebeu uma proposta para o cargo de oficial de programas de Educação num projecto de uma ONG espanhola que, na altura, desenvolvia as suas actividades na província de Niassa.

Há quem diga que Amurane foi um profissional (in)grato, mas a sua vontade foi sempre a de trabalhar assumindo cargos com funções dinâmicas. Por isso, em 2007 integrou a equipa de trabalho da GIZ Pro Educação como assessor financeiro na província de Sofala. Em 2012, regressa à terra dos macuas para assumir as funções de consultor financeiro da UNICEF.

Antes de ser eleito edil da chamada capital Norte, a 1 de Dezembro de 2013, trabalhava por conta própria num estabelecimento comercial denominado Farmácia Amurane, especializado na venda de produtos farmacêuticos e cosméticos, local onde sofreu o atentado.

Desafiou o MDM e preparava recandidatura

Procurando fazer jus a sua promessa, de ser um edil que ia imprimir uma nova dinâmica na governação da cidade de Nampula, e acreditando que “através do trabalho é possível mostrar que as coisas podem ser feitas de forma diferente e produzir resultados com efeitos de desenvolvimento” revelou em entrevista ao @Verdade em 2013.

Contudo não se sujeitou aos caprichos do partido que o elegeu e em Agosto passado anunciou a sua desfiliação do terceiro maior partido do nosso País. “Fui convencido para vir gerir o município e vou mostrar aos moçambicanos como são geridos os fundos do erário e o exemplo de boas práticas de gestão municipal. Vou continuar até ao fim do meu mandato, não estou aqui para defender interesses partidário ou de singulares, mas de todos moçambicanos”, afirmou na altura.

“A paz que hoje celebramos reveste-nos de esperanças (…), se todos nós nos apropriarmos da cultura da paz no convívio social e privilegiarmos sempre o diálogo na solução dos nossos problemas”, foram as última palavras em público de Mahamudo Amurane que deixa viúva e três filhos.

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