Não saíram à rua contra um dos regimes mais repressivos do mundo, nem sequer para reclamar o direito ao voto. As sauditas que nesta sexta-feira se sentaram atrás de um volante, desafiando os éditos que as proíbem de conduzir, fizeram-no para exigir o fim de uma das muitas barreiras à sua autonomia. “Este não é um dos nossos principais direitos. Mas mesmo que nos reconheçam todos os direitos básicos por que lutamos, não os poderíamos gozar porque não temos mobilidade”, disse uma saudita, sob anonimato, à BBC.
É impossível saber quantas foram as que ousaram guiar o seu próprio carro – o correspondente do “Guardian” Jason Burke apontava para 30 a 40 em várias cidades do país –, mas na Internet foi colocada mais de uma dezena de vídeos mostrando mulheres, umas de rosto descoberto outras de niqab, a conduzir. “Chegámos agora do supermercado. A minha mulher decidiu começar o dia ao volante”, contou no Twitter Tawfiq Alsaif, enquanto o economista e activista Mohammad al-Qahatani disse que a mulher conduziu “45 minutos pelas ruas de Riad” sem ser incomodada pela polícia.
Horas mais tarde, Maha al-Qahatani contou ter sido parada pela polícia numa segunda ronda pela cidade, mas recebeu apenas uma multa. O apelo à desobediência estava a ser preparado há semanas nas redes sociais, mas foi a prisão de Manal al-Sharif que deu visibilidade à iniciativa, que os organizadores garantem não ser um protesto (ilegal no reino). Apanhada a conduzir pela polícia de costumes, passou dez dias na prisão até assinar um documento prometendo não repetir o feito. O seu exemplo motivou dezenas de mulheres e na página do Facebook Women2drive as activistas prometem continuar a desobediência “até que o rei emita um decreto autorizando as mulheres a conduzir”.
A proibição, única no mundo, não consta de nenhuma lei escrita, baseando-se antes em fatwas (éditos) emitidos por líderes religiosos wahhabitas, corrente rigidamente puritana muito influente junto do rei. Sem conduzir, as mulheres, já impedidas de viajar ou de trabalhar sem autorização masculina, dependem de motoristas ou familiares para as deslocações.
Este protesto, o primeiro do género desde 1990, coloca o rei Abdullah perante uma escolha difícil, sublinhou a Al-Jazira: se levantar a proibição, cumpre uma das suas promessas de reforma social, mas irrita os conservadores; se não o fizer, pode ser obrigado a reprimir a desobediência, podendo enfrentar uma contestação idêntica à de países vizinhos. Um membro da casa real, o príncipe Khaled Bin al-Waleed, colocou no Twitter uma mensagem de apoio à “mobilidade e liberdade de escolha das irmãs sauditas”.