Rui Sitoi*, de 30 anos de idade, residente da Zona Verde, no município da Matola, é mais um compatriota na lista dos desocupados em virtude de ter perdido o emprego por razões que se enquadram naquilo que se pode chamar de arrogância e desrespeito. Depois de ser explorado durante vários meses, trabalhando acima da carga horária prevista na Lei n.º 23/2007 de 1 de Agosto e sem direito a horas extras, o jovem foi coagido a assinar uma carta de demissão.
Rui Sitoi é casado e pai de dois filhos. Inconformado com a sua exoneração, ele procurou o @Verdade para expor o martírio a que foi sujeito e a sua indignação. A sua relação com a Moviflor começou nos finais de Setembro de 2012 quando viu um anúncio de vaga no Grupo Emprego em Moçambique, através do Facebook, para o posto de auxiliar de loja.
Sem nada a perder, e ainda mais desempregado, o nosso interlocutor enviou o seu Currículo. Sorte ou não, três dias depois foi chamado para uma entrevista e passou a fazer parte da nova empresa de móveis no país. O director da firma disse que nos primeiros três meses o jovem ganharia cinco mil meticais e, seguramente, até Março do ano seguinte, estaria a auferir sete mil meticais.
A expectativa era enorme e as promessas também sedutoras. Rui Sitoi dedicou-se ao trabalho, participou na remodelação das infra-estruturas da companhia, incluindo na pintura, na limpeza e durante vários dias passou mal devido ao calor intenso no telhado tentando tapar buracos que permitiam a infiltração de água.
O primeiro indício de que a Moviflor não era séria nem honesta verificou-se quando Rui Sitoi recebeu um contrato que indicava que o mesmo começa a vigorar no dia 01 de Novembro daquele ano, ignorando os trabalhos iniciados em Outubro e todo o esforço empreendido. No documento constava ainda que o mesmo tinha a validade de dois anos e o empregado de loja exerceria as suas funções sete horas por dia, faria turnos e teria uma folga semanal rotativa. Assim aconteceu durante algumas semanas antes de ser transferido para a distribuição e montagem de móveis ao domicílio.
Escravidão
Segundo Rui Sitoi, quando começaram as entregas de mobiliário ao domicílio não houve mais paz, até porque ele era obrigado a assimilar um português de Portugal para efeitos de trabalho, pois o seu mestre – com o qual andava sempre – era originário daquele país. Em média, o jovem tinha sete entregas diárias por efectuar e nunca saía antes das 19h:00. Houve dias em que ele e o seu instrutor trabalhavam até a meia-noite, mas Rui não se queixava disso. Volvido algum tempo, ele ganhou a alcunha de GPS por conhecer toda a cidade de Maputo e arredores.
A dado momento, Rui conta que chegou a ser considerado um dos melhores colaboradores da Moviflor. Por reconhecer o esforço do jovem, o português pediu um empréstimo de seis mil meticais para que o seu colega averbasse a sua carta de condução para a categoria de profissional. O valor seria reembolsado em parcelas de mil meticais mensais e ainda recebeu rasgados elogios pelo seu brio no ofício. Mas ele não imaginava o que o futuro lhe reservava…
Subitamente, as coisas mudaram do dia para a noite. A equipa moçambicana, mesmo sem perícia, na montagem de mobílias devia começar a trabalhar sem mestre. As entregas ao domicílio, que geralmente eram sete por dia, aumentaram e passou a ser normal sair do serviço por volta das 22h:00. Sensibilizados com a situação, sobretudo quando houve rumores de que existia um grupo de malfeitores que torturava, violava sexualmente e passava um ferro de engomar pelo corpo das suas vítimas, alguns clientes já não aceitavam que alguém se dirigisse às suas casas à noite.
Durante o período conturbado em que os citadinos de Maputo e da Matola patrulhavam as suas zonas supostamente para deter os que causavam terror, a camioneta na qual Rui e os colegas se faziam transportar foi interpelada pela população por três vezes. O pior não aconteceu por mera sorte. Já houve tempo em que o jovem chegava ao seu domicílio às 02h:00 de madrugada e às 08h:00 devia estar no seu posto.
Rui lembra igualmente das vezes em que saía tarde do serviço e o seu gerente informava que não haveria transporte e mesmo assim queria que todas as entregas fossem infalivelmente efectuadas a tempo. Devido à desmotivação dos colaboradores, às 19h:00, com ou sem entregas ainda por fazer, os carros recolhiam à empresa. Quase todas as reuniões convocadas pelos trabalhadores com o intuito de conversar com a direcção fracassaram porque o patronato não era aberto ao diálogo.
As queixas dos clientes
Devido a sobrecargas e falta de experiência na montagem do mobiliário, os móveis começaram a ter deficiências de vária ordem. A Moviflor recebia reclamações dos clientes constantemente e a gerência mostrava-se impotente para resolvê-las. As vendas diminuíram drasticamente, a firma acumulou dívidas avultadas com os clientes, os contentores de mercadorias atrasavam e quando chegavam ao porto eram retidos.
Segundo o nosso entrevistado, a primeira medida que a direcção daquela empresa encontrou para tentar conter a crise foi despedir o pessoal com o qual não tinha contrato de trabalho e efectuou descontos nos vencimentos dos colaboradores. A seguir a isso, dois colegas foram acusados de roubos e forçados a assinar uma carta de demissão supostamente para não serem detidos.
A demissão
Com a passagem de Rui para o sector de distribuição cessavam também os turnos, passaria a trabalhar seis dias e descansava aos domingos. Porém, isso foi por poucos dias porque passou a regra não ter repouso. Num desses domingos, apenas uma pessoa foi ao serviço e na segunda-feira seguinte a direcção dos Recursos Humanos disse que ia despedir todos os faltosos. Mas essa ideia não era exequível porque implicava exonerar todo o pessoal.
“Eu, o motorista e o seu ajudante fomos repreendidos e ameaçados”. Um dos colegas do nosso entrevistado foi acusado de ter lesado a empresa no valor de 200 mil meticais por não ter ido trabalhar no referido domingo. A firma só iria repor os danos se o colaborador aceitasse assinar uma carta de demissão.
“A mim acusaram também de várias coisas. Tentaram coagir-me a assinar uma carta de destituição, mas neguei. Eu alertei para que ninguém assinasse nenhum documento. Disseram- me (os gerentes) que devia ficar em casa e mais tarde iam-me telefonar mas eu exigi um documento que me autorizava para o efeito. Emitiram uma suspensão de dois dias, findo os quais aumentaram mais cinco dias”.
No fim desse período, o jovem apresentou-se novamente ao seu posto e foi informado de que estava demitido por faltar ao trabalho deliberadamente. Quando o visado contestou tal decisão, o patronato mudou de ideia e alegou que para Rui voltar a exercer as suas funções devia primeiro assinar o documento. “Neguei porque não sou nenhum distraído. Como é que eu podia assumir as culpas de algo que desconhecia?”.
Perante esse braço-de-ferro, a Moviflor reviu a sua posição e arquivou o processo. Contudo, já não havia confiança entre as partes, para além de que Rui era sujeito a um clima de hostilidade na empresa como forma de desmotivá-lo com o intuito de se demitir. Alegando ausência de condições para continuar a trabalhar, o jovem rescindiu o contrato e submeteu uma queixa no Ministério do Trabalho (MITRAB). Neste momento, aguarda pela decisão da instituição e espera ainda que os seus direitos infringidos sejam repostos.
Enquanto isso, @Verdade contactou um dos responsáveis da Moviflor, identificado pelo nome de Francisco, o qual não quis falar sobre o caso supostamente porque precisava da autorização do director geral. O nosso interlocutor mandou-nos aguardar e prometeu telefonar- nos com vista a explicar o que se passou entre a sua firma e Rui. Entretanto, nenhum pessoa da direcção nos contactou até ao fecho desta edição.
* Nome fictício
