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Moma: Cruel destino

Moma: Cruel destino

Não há água corrente nem estradas asfaltadas num distrito que não se preparou para os desafios do século XXI. A cobertura de rede para telemóveis é fraca, não há bancos e essa coisa que nos grandes centros urbanos é comum chamar ATM. Moma é um mundo à parte, com os seus defeitos e virtudes no litoral da província de Nampula.

Hoje, muitos meses depois da reabilitação de um pequeno sistema de abastecimento de água, os residentes da vila e distrito de Moma ainda percorrem longas distâncias à procura do precioso líquido. Jovens com bidões amarrados às bicicletas e mulheres com baldes na cabeça no centro da vila, local mais próspero do distrito, representam uma espécie de imagem de marca do dia-a-dia daquele espaço do país. Aqui a vida transcorre sem mais pretensões do que cumprir a rotina diária: Procurar água, abastecer-se de lenha, pescar, praticar agricultura e vender produtos de primeira necessidade e fazer filhos. Não fosse Moma o distrito mais populoso da província de Nampula.

É uma estrada de terra batida que leva ao coração do distrito. A sensação que se tem ao percorrermos os 250 quilómetros que separam Moma de capital da província é de que partimos ao encontro do nada. Quando se chega ao destino confirma-se, na verdade, de que se chegou ao nada. Uma vila parada no tempo, sem estradas e com um nível de serviços de baixa qualidade. Não existe nenhum banco em todo o distrito. As bandeiras colocadas na principal estrada da vila revelam que houve festa grande na véspera. Era a celebração do aniversário de elevação à categoria de vila, mas nem isso desmente a precariedade do espaço.

Um hospital fruto do apoio da empresa que explora o projecto de areias pesadas a pouco mais de 80 quilómetros da vila contrasta com as ruínas que insistem em demonstrar que Moma está condenada ao atraso. O edifício do governo local está bem pintado, mas não podemos entrar porque o administrador não quer saber do @Verdade. Foi isso que nos disse numa breve conversa telefónica, mas já estamos aqui e temos de reportar pelo menos o que é possível ver.

“Os jovens vão buscar água nas suas bicicletas e vendem nos bairros um bidão por 10 meticais. Nós compramos pelo menos para beber”, conta uma jovem mãe. Afinal, o pequeno sistema de abastecimento de água beneficia uma minoria. O grosso dos habitantes tem de “bichar” para conseguir pelo menos 20 litros.

A vila conta com sete porcento dos cerca de 300 mil habitantes do distrito e dista 250 quilómetros da cidade de Nampula. A maior parte da população é jovem – 47 porcento com menos de 15 anos – e (sobre)vive do que tira do mar ou da terra. @Verdade chegou no dia seguinte às eleições que deram o poder a um partido da oposição na capital da província pela primeira vez na história do multipartidarismo. Viu, ouviu e indagou.

Uma fonte da saúde confidenciou-nos que Moma é um distrito com características próprias. A taxa de infecção por VIH é altíssima, qualquer coisa na ordem dos 40 porcento. Ou seja, uma em cada oito pessoas é portadora do VIH/SIDA. Um número, refira-se, que pode ser maior ou menor, pois as pessoas que residem no interior do distrito mudam de lugar em função do fertilidade dos solos. Essa mobilidade torna difícil, diz um agente de saúde, aferir com exactidão o número de portadores de VIH/SIDA. “Tudo indica que há mais pessoas com VIH/ SIDA”, acredita um técnico de saúde.

O pior lugar para comer

Moma não precisa de nenhum índice para se revelar ao mundo como o pior lugar para degustar uma refeição, pelo menos na província de Nampula. Um ovo estrelado é designado omeleta e leva uma hora a preparar no melhor restaurante da vila. A razão fundamental para que venha a lume uma reflexão em torno deste velho problema de prestação de serviços reside no facto de a vila não se ter preparado para tirar dividendos do projecto de areias pesadas.

Comerciantes contactados pelo @ Verdade desmentem o discurso oficial que afirma que o nível a vila continua a crescer. Bem pelo contrário, está a decrescer, dizem. “Não posso concordar que o projecto tenha significado uma mais-valia”, disse um comerciante. “Sem bancos e uma rede de transportes eficaz é complicado fazer grandes investimentos”, sublinhou. “O nível de prestação de serviços não passará disto”, sentenciou.

Refira-se que é igualmente penoso vir e sair de vila sem viatura própria. As pessoas viagem em cima de mercadorias e à mercê de todos os perigos. Custa 85 meticais sair, por exemplo, de Chalaua para Moma. Porém, não há hora marcada e nem possibilidade de escolha. “Aproveitamos os camiões que levam mercadoria. Penduramo-nos em cima e partimos ao nosso destino”, conta um jovem que ficou um dia à espera de um carro para poder socorrer uma irmã doente no coração da vila.

Bombas de combustível

Atumane Omar Assane limpa a poeira do rosto, enquanto organiza garrafas de combustível na sua banca improvisada à beira de uma estrada de terra batida que leva ao centro da vila de Moma. Tosse esgotado. Tem asma e o forte odor da gasolina ajudou a piorar o seu estado de saúde. A criança que abraça com ternura é o seu filho mais novo. O terceiro numa lista que só deve parar quando for impossível fazer mais. Vive por e para os filhos que sonha dar uma educação a que não teve acesso.

Aos seus 24 anos, Assane conta com uma larga experiência na luta pela sobrevivência. Com 19 começou a vender combustível. O dinheiro foi-lhe emprestado por uma cooperativa de microcrédito que já não funciona no extenso distrito. Foram 10 mil meticais para adquirir o primeiro tambor de 200 litros. Levou dois anos a ver-se livre da dívida. “Foi difícil, mas consegui”. Além de vencer o seu próprio drama, Assane converteu-se num dos poucos cidadãos de sexo masculino que sobreviveu ao empréstimo com data e hora para saldar.

“Muitos acabaram o dinheiro com mulher e bebidas. Foi necessário um enorme sacrifício para não cair em tentações”, diz na sua língua materna que depois é traduzida pelo nosso guia. Ainda que a tentação de torrar o dinheiro em noites de álcool estivesse sempre ali, a circular com o sorriso rasgado e um corpo de deixar qualquer um de queixo caído, não foi suficiente para que Assane se desse por vencido. Graças à sua coragem e espírito de sacrifício, conseguiu prosperar num negócio onde o lucro, na melhor das expectativas, é de 1000 meticais e não tem hora para chegar.

Ao longo da estrada outros vendedores mais velhos e alguns da geração de Assane organizam-se como uma grande família. Embora não tenham nenhum vínculo sanguíneo, são tão unidos como se partilhassem o apelido. Mostram uma infinita gratidão pela oportunidade que tiveram para adquirir o combustível que lhes garante o sustento nos dias que correm. O combustível colocado em garrafas de um litro é adquirido em Angoche, numa viagem de mais de 100 quilómetros que leva mais de quatro horas pela lentidão dos camiões, a qual é acentuada por uma estrada de terra batida. atado.

Outro destino

A lucidez de Zito, cujo sobrenome não vem ao caso, ocorre quando está embriagado, algures num espaço de venda de cabanga. Já não são necessárias muitas garrafas de cabanga para ele atingir aquele estado de euforia, de homem revoltado e, quantas vezes, nostálgico. Dizia ele, segunda-feira passada, olhando para o copo meio cheio, que a perdição dos jovens de Chalaua é a falta de emprego.

“Assim é fácil acabar assim. Eu recebi o dinheiro para fazer um negócio, mas acabei-o todo na bebedeira”. “Os lucros de venda de combustível não dão para viver. O combustível custa 10 mil meticais. O transporte gasta mais 700 e a receita total pode, com sorte, chegar aos 12 mil meticais. Isso leva mais de um mês. Com um ganho de 1300 não dá para viver em Chalaua”, explica.

Ouvir tal prelecção vale a pena, sobretudo por se tratar de uma pessoa que se exprime com fluência, com o domínio de uma lógica argumentativa que se não pode desprezar. Triste já se torna olhar para o farrapo humano que fala, rosto cozido pelo álcool, toda uma figura que parece fugir da vida e que foi rejeitado pela higiene. Aquilo que se chama não restar, ou, mais concretamente, o elixir da velhice.

Pouco depois dos trinta anos. Não é ele diferente de João, de Alfredo e de Alberto, com quem arrasta a existência bebendo cabanga ou aguardente de cana, de casa em casa. O dinheiro com que alimentam as suas frustrações provém de pequenos trabalhos de levar lixo das vizinhanças para o aterro ou enterrá-lo algures num quintal, e dar melhor rosto a algum passeio que tenha sido maltratado.

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