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Moçambique a saque II

Moçambique a saque II

Longe das inúmeras privações por que passam milhares de moçambicanos, os dirigentes superiores do Estado têm a prerrogativa de usar e abusar do erário para garantirem o seu conforto. A aquisição de uma moradia para o antigo presidente da Assembleia da República, Eduardo Mulémbwè, provocou um rombo fixado em 29 milhões de meticais nos cofres do Estado. Só em despesas de mudança da família Mulémbwè, da residência provisória para a definitiva, gastou-se, aproximadamente, mais de um milhão de meticais. Tudo isso para apetrechar uma residência com cortinas orçadas em 600 mil meticais. Porém, a gastança desenfreada dos bens públicos vai para além do que se pode imaginar.

Dados em posse do @Verdade mostram que, quando o assunto é esbanjamento para garantir o seu conforto, os dirigentes superiores do Estado não se fazem rogados. O ex-presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Joaquim Mulémbwè, é disso um exemplo paradigmático. Com o intuito de assegurar mordomias a este dirigente, o Estado moçambicano não mediu esforços, tendo desembolsado cerca de 29 milhões de meticais para a compra de uma moradia numa das zonas mais nobres da capital do país.

Àquela montante somam-se os dois milhões, quinhentos e sessenta mil, seiscentos e quarenta meticais, e trinta e nove centavos (2.560.640.39MT), referentes à aquisição de cortinas, à ornamentação da casa e às despesas relacionadas com a mudança de residência. Porém, refira-se que essa quantia não inclui despesas relacionadas com o pagamento das rendas correspondentes aos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2010, da moradia na qual Mulémbwè e a sua família viveram enquanto aguardavam pela habitação definitiva.

Se para a maior de moçambicanos “apertar o cinto mais do que já está“ é a palavra de ordem, para os dirigentes do país a situação é exactamente o inverso. A nota n° 271/ GADE/2010, de 26 de Agosto de 2010, do Gabinete de Assistência aos Antigos Presidentes da República e Atendimento dos Dirigentes Superiores do Estado (GADE) revela que não há limite orçamental para acomodar os pedidos de figuras ligadas ao partido no poder.

Para o recheio da casa arrendada pelo Estado em benefício do antigo presidente do Parlamento moçambicano, o GADE solicitou à Direcção Nacional de Contabilidade Pública (DNCP) o montante de um milhão, duzentos e vinte um mil, cento e noventa e cinco meticais e sessenta e nove centavos (1.221.195,69MT) para a compra do mobiliário e cortinados. A DNCP submeteu à “consideração superior para a melhor decisão, propondo a autorização do pagamento do valor” na CED 143402, não obstante a rubrica não estar dotada na tabela do Orçamento.

Em despacho de 08 de Dezembro de 2010, a directora nacional de Contabilidade Pública autorizou o valor, tendo o Departamento de Bens, Serviços e Investimentos (DBSI) comunicado ao GADE o pagamento do montante de 478.596,69MT, a favor da empresa Mobílias Mamad, que forneceu e montou as cortinas na residência arrendada pelo Estado a favor de Eduardo Mulémbwè. Ainda no mesmo mês, o DBSI comunicou ao GADE, de acordo com despacho de 23 de Dezembro, a transferência de fundos na quantia de 424.892,61MT, para a conta da empresa Mobílias Mamad, referente à compra de mobiliário a favor do antigo presidente da Assembleia.

Em nota datada de 17 de Maio de 2011, no qual o GADE, além de sublinhar a aquisição de uma casa pelo Estado que serviria de residência definitiva do antigo presidente da AR, enviou à DNCP uma requisição de fundos no valor de 705.006,90MT. O montante destinava-se ao pagamento do fornecimento e montagem de oito aparelhos de ar condicionado e o transporte dos bens da família Mulémbwè da casa provisória para a nova.

Em Setembro de 2011, o Departamento de Administração e Finanças informou que, “por despacho de 08/09/2011 da Exma Senhora Directora Nacional de Contabilidade Pública, foi autorizada a transferência do montante de 474.610,50MT, referente ao pagamento dos serviços de embalagem, desmontagem, arrumação, carregamento, transporte e descarregamento dos bens pessoais da família Mulémbwè”, da residência provisória para a definitiva.

No mesmo mês, por despacho de 15/09/2011, foram transferidos fundos no valor de 230.396,40MT a favor da empresa Tiger Center, Lda. Curiosamente, embora a referida empresa esteja inscrita no Cadastro Único de Empreiteiros de Obras Públicas, Fornecedores de Bens e Prestadores de Serviços ao Estado, o sector não celebrou nenhum contrato com aquela entidade. Ou seja, o sector anexou à requisição de fundos a cópia da factura do estabelecimento comercial “Tiger Center” e não apresentou nenhuma fundamentação sobre os procedimentos de contratação da empresa para o fornecimento dos aparelhos, em obediência ao Decreto 15/2010, de 24 de Maio.

“Nestes termos, tratando- -se do ex-presidente da Assembleia da República, submete-se à consideração superior para melhor decidir. Em caso de aprovação, a proposta da transferência é de duzentos e trinta mil, trezentos e noventa e seis meticais e quarenta centavos, na condição de o GADE enviar a factura original, com os dados bancários”, lê-se a dada altura na informação n° 589/DNCP/ DGC/RDG/11 do Departamento de Despesas Gerais e Contratos, do Ministério das Finanças.

Outra despesa efectuada sem o cumprimento do Decreto 15/2010, de 24 de Maio, que aprova o Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, é referente à montagem de um sistema de segurança electrónica. Para assegurar este meio na nova residência do ex-presidente do Parlamento, foi autorizada pelo DNCP, por despacho de 16/09/2011, a transferência de 634.437,80MT a favor da empresa Hitron Moçambique, Lda.

Na cotação encontram-se oito câmaras bullet Samsung exteriores com 30 metros de capacidade de visualização. Cada artigo, dos oito citados, custa 13.746 meticais. Também descortina-se um DVR Digital Record Samsung de 16 canais SRD fixado em 188.580 meticais. Há, refira-se, um painel energiser orçado em 35.992.10 meticais. Na factura no 70 referente à montagem do sistema de vedação eléctrica constam alguns dos itens acima referidos. No documento posterior, com o no 71/11, de 01/08/2011, o custo a ser pago pelo Estado é de 54.682.06 meticais para a montagem do vídeo intercomunicador.

As cortinas de Mulémbwè

As cortinas da casa adquirida por 29 milhões de meticais custaram 742.599 meticais. Na sala, com seis janelas, foram gastos 97 metros de tecido orçados em 97 mil meticais. Cento e noventa e quatro metros de forro renderem à Tina Artes Eventos e Decorações mais 22.220 meticais. As argolas para sustentar as cortinas foram adquiridas por 12.600 meticais. O varão metálico decorado custou 17.850.00. A montagem custou ao erário 42.000.00 meticais. Em suma: proteger a intimidade da família de Mulémbwè naquele espaço físico retirou dos cofres do Estado 268.115 mil meticais.

No quarto principal da casa a despesa está orçada em 88.175 meticais. Esse valor, diga- -se, foi despendido em duas janelas. Para além do quarto principal, a cotação da Tina Artes e Eventos dá conta de mais seis cómodos dispendiosamente cortinados. Os quartos da primeira, segunda e terceira menina foram cortinados por 139.095 meticais. Os outros dois quartos, identificados como sendo os do primeiro e segundo menino, consumiram 92.730 meticais. A cozinha, diga-se, foi o cómodo menos dispendioso apesar de ter duas janelas. O trabalho de decoração custou apenas 17.595 meticais.

Empresas privilegiadas

As empresas que, através do GADE, atropelam os procedimentos de contratação de obras públicas e prestação de serviços são a Marabil, Lda. e a E.R.R – Empresa de Reabilitação e Reparação, Lda. Refira-se, no entanto, que a E.R.R tem como ID de registo o número 27035 e conta com um capital social de 500.000,00 meticais (quinhentos mil meticais). Os sócios são Júlia Ernesto Mascarenhas Abrantes com 60 porcento do capital, António Marques Abrantes e Paulo Alexandre Soares Marques com 20 porcento cada. Lembre-se que esta empresa reabilitou a casa do antigo combatente de luta de libertação nacional, Marcelino dos Santos, por 2.800.000,00 (dois milhões e oitocentos mil meticais).

A Marabil, limitada tem como ID de Registo o número 51948 fruto da alteração de capital publicado no BR nº 17, III Série de 25 de Abril de 2012 – pág. 395 a 1. Contudo, na altura dos acontecimentos (arrendamento das casas de ex-dirigentes superiores do Estado) o ID de registo era o 34217. E a Marabil, Lda. era uma sociedade por quotas de acordo com informação disponível no BR nº 48, III Série, Supl., de 27 de Novembro de 2008 – pág. 768-(12) a 3. Os sócios, diga-se, eram os cidadãos Marina Xavier Fordoma Mangue e Abílio Chicanequisso Mangue.

O capital estava fixado em 20 mil meticais. A sociedade por quotas tinha como objecto social “o exercício de aquisição, alienação, locação, cedência, permuta, venda, gestão, desenvolvimento, recuperação transformação de bens imóveis”. “A sociedade tem ainda como objecto, o exercício de actividades de prestação de serviços em: a) Promoção, avaliação, aquisição, alienação, venda, locação, cedência, permuta, gestão, desenvolvimento, recuperação, e transformação de bens imobiliários”, lê-se no BR.

Marabil não se lembra de ter disponibilizado casa a Marcelino dos Santos

A Marabil, agência imobiliária e proprietária da casa que foi arrendada ao veterano da luta armada, Marcelino dos Santos, não se recorda de alguma vez ter disponibilizado uma residência para que fosse arrendada ao antigo dirigente. Contactada por telefone, a secretária da empresa Marabil confirmou ter um registo de casa arrendada a Marcelino dos Santos e reconheceu, igualmente, ter lido a edição do Jornal @Verdade que abordou a matéria.

Contudo, quando solicitámos esclarecimentos, ela encaminhou-nos ao gestor de clientes da empresa que nos respondeu nos seguintes termos: “Não me lembro de termos disponibilizado uma casa a Marcelino dos Santos porque arrendamos várias residências. Também não li nenhuma matéria sobre o assunto e, portanto, não sei do que o senhor está a falar”, disse rapidamente o gestor de clientes daquela empresa que de seguida interrompeu a conversa para dizer: “estou muito ocupado, meu senhor, com licença”, tendo, de seguida, desligado o telefone.

Ministério das Finanças não se lembra de ter adquirido nenhuma casa

Contactámos o Ministério das Finanças, entidade responsável pela gestão do dinheiro público e desembolso de valores monetários e fomos atendidos pela senhora Anatércia que afirmou ser nova na instituição e que, por isso, não poderia dar nenhuma informação a respeito do assunto. A nova secretária prometeu averiguar a matéria e só depois prestaria declarações. @Verdade deslocou-se, no dia 7 de Fevereiro, ao Ministério da Administração Estatal para ouvir o secretário permanente daquele instituição sobre o assunto, Higino Longamane. Disseram-nos que se encontrava reunido e que devíamos esperar.

Volvidas duas horas, sugeriram que deixássemos os nossos dados para posterior contacto. Decorridos seis dias, fomos recebidos pelo director do GADE, Alberto Vicente, que afirmou que a lei estabelece tal direito para todos os altos dirigentes do Estado. Ou seja, “todos os funcionários do Estado têm direito a casa após o cumprimento do seu mandato”. Questionado sobre a necessidade de concurso público – para valores acima de trezentos mil meticais (300.000MT) –, Vicente referiu que “o assunto não precisou de passar por concurso público e nem pela Assembleia da República por se tratar de um direito vinculado aos dirigentes”.

No entanto, o artigo 113, do Decreto no 15/2010, que aprova o Regulamento de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, esclarece que “o Ajuste Directo é a modalidade de contratação aplicável sempre que se mostre inviável ou inconveniente a contratação das outras modalidades (…). Efectivamente, tal modalidade aplica-se “sempre que o valor estimado da contratação for inferior a cinco porcento do limite estabelecido nos termos dos no 2 e 3 do artigo 90 do presente Regulamento, devendo-se juntar pelo menos três cotações para justificar a razoabilidade do preço, da escolha do empreiteiro, fornecedor ou prestador de serviços”.

O no 2, do artigo 90, estipula, na sua alínea a), 3.500.000, meticais e na b) 1.750.000,00. Ou seja, só é permitido o Ajuste Directo quando estão em causa valores que não ultrapassem cinco porcento destas quantias. O no 4, do mesmo artigo, informa que “não é permitido o fraccionamento do valor estimado para contratação com a finalidade de aplicar o Ajuste Directo”. @Verdade consultou alguma legislação em torno dos dirigentes superiores do Estado. A Lei no 4/90 de 26 de Setembro, no seu número 15, fala do direito a habitação.

O no 1 esclarece que “o Estado assegura residências oficiais ou de funções para os dirigentes superiores do Estado” nos quais se enquadra a figura de Presidente da Assembleia da República actual. O nº 2 afirma que “o Conselho de Ministros regulará por decreto as verbas anuais destinadas à manutenção e equipamento das residências mencionadas no número anterior”.

O artigo 11, por sua vez, fala dos direitos após a cessação de funções e refere que “quando no momento da cessação de funções se verificar que o Presidente da Assembleia Popular e o Primeiro-Ministro não possuam residência própria, o Estado colocará à disposição para utilização” um casa para tais dirigentes desde que tenham exercido “pelo menos dois anos e meio de função”. Contudo, Mulémbwè tem casa própria e a lei estabelece o direito de aquisição para os ex-dirigentes que não tenham onde morar.

Cartas do @Verdade ficam sem resposta

@Verdade enviou cartas com o mesmo teor à Assembleia da República e ao Ministério das Finanças para procurar esclarecimentos. Os documentos deram entrada no dia 13 do corrente mês e até hoje não obtiveram nenhuma resposta. Em suma: quando se trata de informação de interesse público e delapidação do erário as instituições que deviam zelar pelo cumprimento de regras e fiscalização dos bens de todos nós entram num mutismo conivente.

Quem te (ou)viu e quem te vê…

Decorria o ano de 1985, quando ainda calcorreavas as ruas da cidade a caminho do teu local de trabalho, com uma pasta que te fazia pender para um lado do corpo, na Avenida Vladimir Lenine, e frequentavas a única escola de condução de Maputo – constrangimentos da época – que conheci um jurisperito bastante parecido contigo. Era uma pessoa que transpirava imensa candura e tinha lampejos de muita humildade nos olhos.

Andava um tanto revoltada com o sistema, pois era dos poucos juízes desembargadores existentes no país. Dizia-se injustiçado – dado o seu status –, não possuía um gabinete à sua altura, o aparelho de ar condicionado era decrépito, dentre outras desconsiderações a que estava sujeito o ilustre causídico. Nestas circunstâncias, os valores que se defendem são os da maioria que tem de tudo menos o essencial para enfrentar o dia-a-dia no regaço familiar.

Todavia, porque este mundo é uma dinâmica contra a qual não se pode lutar, as coisas foram, paulatinamente, mudando de feição, no sentido da ascendência social, para o Dr. E porque “quando não podes combater o inimigo, junta-te a ele”, e este está sobejamente munido de “balas de açúcar”, parafraseando o saudoso Presidente Machel, eis que, de mordomia em mordomia, o senhor parecido contigo foi-se tornando amnésico, não se sabendo de que forma tal metamorfose se foi consolidando no seu âmago.

Eram carros de luxo e o respectivo combustível a rodos, a povoarem o quintal, que não era pequeno, de uma casa com uma piscina com dimensões quase olímpicas, despesas de representação, viagens em classe executiva, empregados para cada capricho, telefone pago e quejandos próprios de um país que granjeou imensa reputação no ranking dos mais pobres do mundo, apesar das suas imensuráveis riquezas. Não obstante os conselhos dos seus amigos de infância, no sentido de primar pela parcimónia, nada o demovia dos luxos a que se devem dar os novos-ricos que se prezam.

Houve até quem lhe tivesse recordado das sábias recomendações do finado Presidente Nyerere proferidas aquando da independência nacional, segundo as quais a cadeira do poder vicia. O único ensinamento que acatou tem a ver com a manutenção da sua elegância. O Dr. aceitou que, para se tornar airoso, devia levantar elevadas somas de dinheiro a fim de transportá-los, como exercício físico, pegandoas pelo lado contrário ao que pendia o seu tronco quando ainda andava a pé e carregava a pasta de documentos de trabalho. Estes são os valore$ que o teu sósia(?) assumiu ad aeternum.

DOSSIER COMPLETO DO SAQUE EM FORMATO PDF AQUI

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