É melhor olhar para o céu do lá viver, escreveu Truman Capote. Durante muito tempo pensei que não era assim, acreditava que a perfeição se podia cruzar com a realidade.
Comprei uma escada muito alta, instalei- a no telhado, escolhi uma nuvem e iniciei uma missão impossível.
Todos os dias vivia como podia, circunscrita à minha vida terrena que se ia esvaziando, enquanto à noite subia pela escada e me escondia em sonhos.
Deixei de viver neste mundo e estacionei numa realidade alternativa.
Era como se tivesse uma escada imensa e dificílima para subir, e cada vez que era obrigada a descer à pressa ou me empurravam cá para baixo, vinha aos trambolhões, caía, magoava- me e, com a teimosia das meninas obstinadas, voltava a subi-la.
Quanto tempo estive assim, alienada do mundo? Dois anos.
Quase 800 dias da minha vida, a tentar fazer equações com variáveis impossíveis de combinar.
A escada levava a uma nuvem na qual não existia nada, apenas ar condensado, uma ilusão de algodão sem peso nem estrutura.
Uma nuvem imensa feita de ilusões que pairava sobre o meu castelinho, roubando-lhe o sol e ofuscando-me de todos os outros prazeres da vida. Era como se tivesse montado uma armadilha a mim própria.
Por causa de nuvem vivi situações intoleráveis, aguentei atitudes inaceitáveis, deixei enfraquecer-me, cansar-me, perdi peso e auto-estima. Até perceber que estava errada.
Há umas semanas apenas, como se despertasse de um transe, deitei fora a escada.
Não quero subir para outra realidade quando me apaixonar outra vez. Não quero ter de lutar para conquistar o afecto, o tempo e o amor de ninguém. Não quero correr atrás de nada.
Quero um homem de carne e osso ao meu lado, que me acompanhe num caminho feito de terra, com os pés bem assentes na realidade.
Quero viver neste mundo com ele e construir a meias o que tiver de ser.
Deitei fora a escada e voltei a ser quem era. E quando olho para o espelho, vejo aquela luz que eu tinha cá dentro a voltar, a brilhar com mais força.
Afinal, nunca se tinha apagado. Estava cá, sempre esteve, precisava apenas de ser alimentada de uma energia real e não de sonhos e migalhas.