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Mercado do Estrela: um lugar de sobrevivência

Situado no bairro do Alto-Maé, entre a Escola Secundária Estrela Vermelha e o lar estudantil da Munhuana, o mercado Estrela é um dos locais onde os que não tiveram a sorte de nascer num berço com um mínimo de condições lutam pela sobrevivência. Aliás, é também um lugar onde a informalidade chega a roçar a ilegalidade. Mas, conotações à parte, por lá existem mil e uma histórias de vida.

Na longa Avenida Emília Daússe, no bairro do Alto-maé, o aglomerado de gente sobressai aos olhos dos que circulam por aquela zona. Trata-se de um mercado sobejamente conhecido por Estrela, cujo epíteto se deve à escola secundária que se localiza mesmo ao lado. Na verdade, de escola só tem o nome, pois ali as lições e as regras são outras e são traçadas dia-a-dia pela necessidade de sobrevivência e pelo curso da própria vida. Desconhece-se ao certo quando e como o mercado surgiu, mas os que fazem daquele espaço o seu posto de trabalho garantem que há muitos anos buscam o sustento ali.

“Quando cá cheguei, isso há dez anos, o mercado já existia há muito tempo”, afirma Amélia Cossa, vendedeira de bebidas alcoólicas, que acrescenta não saber a data do seu surgimento. Venda de telemóveis de segunda mão ou em estado obsoleto, acessórios de viaturas roubados, materiais electrónicos e mercadorias de contrabando, são estas as imagens que vêm à cabeça das pessoas quando o assunto é o famigerado mercado de Estrela Vermelha.

Porém, o Estrela não é só feito disso; por detrás das bancas improvisadas de madeira há vidas pautadas por episódios inesperados que lutam com dificuldades sem fim para ter o que comer. “As dificuldades são enormes, há falta de emprego e é por isso que estou aqui”, comenta Ivo Amândio, vendedor de roupa usada há mais de sete anos.

Contudo, é certamente por essa mesma razão que mais de duas centenas de moçambicanos foram levados a “atracar” no Estrela. Ou seja, constatámos que todos, pelos menos os que aceitaram falar ao @VERDADE, perseguem o mesmo fim: ganhar a vida. Naquele lugar, há gente oriunda de todos os cantos do país, com particular destaque para as províncias de Nampula, Zambézia e Gaza. Ali, a geografia não faz qualquer sentido por entre as pessoas que são uma espécie de imigrantes dentro do seu próprio país movidos pelo instinto de sobrevivência.

Mercado de telemóvel

A venda de celulares é o lado mais visível do mercado e motivos para isso não faltam: a atitude infame de comercializarem telemóveis quase em estado obsoleto. “Aqui não aldrabamos ninguém”, defende-se Elídio Cândido, vendedor de celulares no mercado de Estrela há oito anos. Ele é de opinião de que os compradores chegam ao mercado com ideias preconcebidas de que os telemóveis são roubados, danificados e podem adquiri-los a preço muito reduzido. Natural de Nampula, pai de um filho, a viver maritalmente, e com a 8ª classe feita, abandonou a sua terra natal à procura de melhores condições de vida na capital do país, tendo sido acolhido por amigos. Ele afirma que está fora de questão a ideia de um dia voltar à casa. “Quando posso vou a Nampula, mas não penso em voltar definitivamente”, garante Elídio Cândido, de 22 anos de idade, antes de ser interrompido pelo amigo e conterrâneo, Essiaca Molde: “Precisamos de pagar a renda e sustentar a família, e para tal escolhemos vender celulares.

E é possível viver deste negócio, apesar de muitas vezes só termos prejuízos”. Segundos nos deram a conhecer, os clientes adquirem os aparelhos de comunicação e, passados dois ou três dias, aparecem com o “telefone morto” ou com alguns problemas irreparáveis geralmente causados pelos próprios compradores. Elídio, Essiaca e um outro jovem que não se quis identificar partilham a mesma banca e revelam que, às vezes, há dias em que não conseguem comercializar um telemóvel sequer. Mas acrescentam que quando conseguem são, em média, dois celulares por dia, o que lhes garante, pelo menos, dois mil meticais. Os valores dos telemóveis vendidos naquele local dependem do estado de conservação, qualidade, marca, referência e, sobretudo, da capacidade de negociação do cliente.

Ou por outra, os preços são determinados por quem compra e por quem vende, e não pelo produto em si. O celular mais barato custa 600 meticais e o mais caro ascende aos 8 mil. Preço baixo é a única razão que as pessoas alegam quando questionadas acerca do porquê da aquisição daquele produto naquele lugar. “Embora possam ter algumas inconveniências, o valor é acessível e podemos discutir o preço”, diz Celso Padeiro que se encontrava a apreciar telemóveis.

Como funciona o mercado de telemóvel

O mercado de telemóvel está do lado de fora do mercado de Estrela, na margem esquerda da avenida Emília Daússe onde, para além da comercialização e reparação de celulares, também se vendem aparelhagens sonoras, DVD’s, CD’s e adaptadores de computadores. Existem duas espécies de vendedores de telemóveis: os que possuem pequenas bancas fixas ou móveis e os ambulantes. Os primeiros são um grupo de amigos ou conterrâneos compostos normalmente por quatro elementos que partilham uma única banca, onde cada um dispõe os seus aparelhos. É, na verdade, uma forma simples que encontraram para “escapar ao pagamento da taxa diária pelo uso do espaço (5 meticais, excepto às sextas-feiras em que se cobram 15 meticais)”.

Entre os vendedores em locais fixos prevalece a máxima que diz que “a união faz a força”. Os ambulantes estão sempre a paisana, uns circulando com telemóveis no bolso enquanto os outros não. Estes, na sua maioria, sobrevivem de comissões, ou melhor, estão atentos às pessoas que por ali se fazem com o intuito de comprar celulares e inteiram-se das preferências dos possíveis clientes. Refira-se que na óptica destes, todos que por ali passam são potenciais compradores e, por isso, são frequentemente abordados com palavras como estas “Queres telefone? Tenho um a bom preço!”.

Os vendedores garantem que os telemóveis ali vendidos são compradores de terceiros ou adquiridos na vizinha África de Sul, mas observam que “podem existir celulares roubados, mas não temos provas.” Comentam que tem sido recorrente haver indivíduos que se deslocam para aquele mercado para se desfazerem dos seus celulares. “As pessoas quando já não querem os seus celulares ou porque têm dívidas e precisam de dinheiro vêm vendê-los”, afirmam, e ainda explicam que gastam entre 500 e 1000 meticais na compra de telemóvel, esperando no mínimo de lucro 150 a 200 meticais e, quando as despesas ultrapassam os 2000, devem, pelos menos, amealhar 1000 a 1500 meticais.

Nem todos sobrevivem da venda de celulares

O Estrela não é só constituído por vendedores de celulares, também existem outras “estrelas” a brilhar de forma tímida noutras actividades comerciais tais como a comercialização de roupa e calçado, bebidas alcoólicas, refeições, material eléctrico, peças de viaturas, entre outros. Dizem que os bons vendedores conseguem façanhas incríveis: vendem terrenos no Everest, sorvete no Pólo Norte e até lareiras no Caribe. Pois é, há também quem tranquilamente comercializa alguns acessórios de viaturas roubados sob o olhar impávido e sereno das autoridades policiais. A título de exemplo, fomos abordados por um jovem de 27 anos de idade que diz chamar-se simplesmente Pedrito.

“Estás a vender essa máquina?”, foi essa a pergunta que nos fez quando viu a objectiva do nosso repórter fotográfico. Pedrito confessa que o material que vende, particularmente retrovisores e faróis, é na sua maioria retirado de viaturas alheias sem o conhecimento dos proprietários. “São uns miúdos que roubam e vêm vender-me. Compro tudo e se tiveres alguma coisa para vender é só trazer, eu compro”, disse. Ele recusou-se a falar das suas receitas diárias, assegurando, porém, que eram suficientes para sustentar a sua esposa e os três filhos e mandar algum dinheiro para os seus irmãos na sua terra de origem.

“Os polícias não incomodam, eles sabem que vivemos disto,” disse. Nascido em Maganja da Costa, província da Zambézia, Pedrito diz que é o mais velho dentre os seus cinco irmãos e conta ainda que veio parar a Maputo um ano após a morte dos progenitores. Com apenas 16 anos, teve de escolher entre continuar a estudar ou procurar o sustento para ele e os seus irmãos. Hoje, com a 6ª classe por terminar, orgulha-se do facto de que “a minha irmã está a fazer a 11ª classe graças ao negócio que faço”.

“Não gosto de falar com os jornalistas, a não ser que me comprem um saco de arroz”, foi assim que reagiu Amélia Cossa, de 48 anos de idade, natural de Gaza, quando nos apresentámos a ela. Todavia, à medida que íamos puxando conversa ela soltava-se, acabando por revelar os motivos que concorreram para a sua “atracagem” naquele lugar. Vender bebidas alcoólicas foi a única saída que Amélia encontrou logo após o seu marido a abandonar, deixando-a com quatro filhos por criar e sem nenhuma fonte de rendimento.

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