Em Moçambique, ainda se assiste a casos de violações dos direitos das crianças, o que prejudica o seu desenvolvimento integral. No distrito de Mecubúri, província de Nampula, dois menores identificados pelos nomes de Ibraimo Agostinho e Hilário João, de 8 e 10 anos de idade, respectivamente, trabalham numa barraca de venda de bebidas alcoólicas.
Apesar de frequentarem a escola, no seu tempo de lazer, os petizes são obrigadas a atender os clientes, vendendo, entre vários produtos, cerveja. O estabelecimento comercial pertence aos progenitores dos menores, os quais não permitem que os filhos usufruam dos direitos constitucionalmente consagrados, nomeadamente, brincar, estudar, crescer, entre outros.
O @Verdade apurou que os dois petizes começaram a trabalhar na barraca desde pequenos. Eles afirmam que estão já habituados à actividade que exercem. Porém, os mesmos não escondem as dificuldades por que passam para conciliarem os estudos e o comércio.
Hilário João é o mais velho e estuda no período da tarde na Escola Primária e Completa de Mecubúri, onde frequenta a 6ª classe. Enquanto o seu irmão Ibraimo Agostinho, que está na 3ª classe, se dirige à escola, ele é o responsável pela barraca. A permuta acontece às 12h00. Hilário apresenta as contas a Ibraimo no sentido de ele continuar com a actividade, porque o mais velho tem de ir à escola. No final do dia, eles fazem as contas da receita que deve ser apresentada ao “patrão”.
Ambos não têm tempo para brincar com os meninos da sua idade. Na verdade, os petizes aprenderam muito cedo a ser adultos, o que coloca em questão as capacidades de desenvolvimento do intelecto humano que essas crianças poderão ter no futuro. Os menores disseram ao nosso jornal que lhes foi confiada a actividade de venda de bebidas alcoólicas, porque os seus progenitores se dedicam a outras ocupações, mas não revelaram o tipo de trabalho que os pais desenvolvem. Tentámos, sem sucesso, ouvir os pais biológicos de Ibraimo e Hilário mas redundou em fracasso a intenção, devido à alegada indisponibilidade dos mesmos.
“Já estamos habituados a gerir a barraca”
Ibraimo, o mais velho, afirmou que, no princípio, tinha receio de trabalhar na barraca a atender a pessoas adultas, sobretudo, consumidoras de álcool que, quando ficam embriagadas, proferem palavras insultuosas. Contudo, ele disse que já se sente conformado e feliz com a actividade que desenvolve.
O nosso interlocutor, que ainda alimenta a esperança de se formar e ser professor para ensinar as outras crianças, disse que não é complicado gerir o dinheiro resultante da receita diária, pois está há sensivelmente três anos a fazer aquele trabalho. O mesmo sentimento foi partilhado pelo irmão mais novo, que almeja concluir o ensino secundário para se candidatar ao curso de formação de técnicos de saúde no Instituto de Ciências de Saúde, na cidade de Nampula.
Os menores afirmaram que não encontram nenhuma dificuldade em gerir o negócio dos progenitores, apesar de eles sentirem que deviam beneficiar dos mesmos direitos em relação às outras crianças. No que diz respeito ao seu aproveitamento pedagógico, os nossos interlocutores garantiram que não têm problemas nas aulas. As disciplinas de Matemática e Português são as preferidas de Ibraimo, enquanto Hilário gosta de Ciências Naturais e Sociais, incluindo Português.
Crianças na rua
A situação por que estão a passar os menores Ibraimo e Hilário é apenas um exemplo num universo de centenas de crianças. No distrito de Mecubúri, o @ Verdade constatou a existência de muitos petizes que se dedicam ao negócio informal, vendendo diversos produtos, mormente, alimentares. Amendoim torrado, bolinhos de trigo e pão são os principais produtos comercializados. Presentemente, o distrito conta com corrente eléctrica da rede nacional e, devido a esse facto, muitas famílias mandam as crianças para o mercado central para venderem fruta-gelo, sumos, refrigerantes e água.
O trabalho infantil é preocupante no distrito
Sem avançar dados estatísticos, o administrador do distrito de Mecubúri, Hilário Anapakala, disse que a situação relacionada com a exploração da mão-de-obra infantil é preocupante naquela região da província de Nampula.
“De facto, existem muitas crianças que não recebem incentivos por parte dos pais e encarregados de educação no sentido de frequentarem o ensino, estando a usá-las noutras actividades”, disse.
Segundo Anapakala, trata-se de menores que deixam de brincar para se dedicarem a actividades de comércio informal, venda de bebidas alcoólicas, trabalhos da machamba, entre outras tarefas. Para inverter a situação, o administrador garantiu que o governo distrital está a desdobrar-se em acções que consistem na divulgação da legislação sobre a defesa dos direitos das crianças nas escolas, nas comunidades e noutros locais visando abranger a maior parte do grupo-alvo e desencorajar acções que concorrem para que as crianças não frequentem a escola.
“Todas as crianças têm como a actividade principal ir à escola. Defendemos isso, partindo do princípio de que o ensino primário, ou seja, da 1ª à 7ª classe é, efectivamente, gratuito”, precisou Anapakala, tendo acrescentado que é importante que os pais e encarregados de educação dos menores obriguem os educandos a ir à escola sem usá-los em actividades laborais.
O administrador de Mecubúri manifestou a sua insatisfação em relação aos resultados das referidas campanhas, porque os objectivos estão a ser alcançados de forma muito lenta dado o elevado número de casos de crianças nas ruas. “Há, de facto, insensibilidade por parte dos responsáveis pela educação das crianças”, disse.
As autoridades administrativas de Mecubúri mostram-se incapazes de lançar rusgas contra a situação da exploração da mão-de-obra infantil, porque a situação acontece no circuito familiar, onde o governo tem pouco poder. O que está a acontecer é que o distrito se desdobra em campanhas de sensibilização com vista à mudança de mentalidade por parte dos habitantes.