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Maria Muchavu: A nova Maria de Lurdes Mutola

Maria Muchavu: A nova Maria de Lurdes Mutola

O @Verdade traz ao leitor, nesta edição, uma parte da história de vida da atleta moçambicana Maria Muchavo, a nova recordista africana dos 100 metros, T12, para deficientes. Em Lyon, no passado mês de Julho, aquela atleta estabeleceu, em 13 segundos e 11 centésimos, o melhor tempo do continente naquela corrida, curiosamente no dia em que completava 21 anos.

Ela nasceu na cidade de Maputo a 23 de Julho de 1992. Ainda criança entrou para o atletismo, quando tinha apenas sete anos, na altura estudante da Escola Primária Amílcar Cabral, situada no bairro Indígena, seu local de residência, antes de se mudar para Magoanine.

Diferentemente de muitas crianças da sua idade, Maria não teve uma infância considerada normal. Pelo contrário, ela viu-se, em alguns casos, a batalhar para o seu próprio sustento o que a impossibilitou, largamente, de passar a maior parte do tempo com os demais amigos de infância.

Sofre de problemas visuais desde a nascença, o que faz com que só consiga ver imagens até uma distância de 20 metros. Foi vítima de descriminação nos seus primeiros anos de escolaridade, o que hoje é um assunto do passado. Namora há dois anos e não pensa, segundo afirma, ter filhos. No início da sua carreira como atleta, segundo conta, tropeçava várias vezes e feria-se. Mas persistiu.

Os seus dotes na corrida descortinaram-se no bairro 3 de Fevereiro em Laulane. Narciso e Izé, lembra, foram os seus primeiros treinadores que acreditaram no seu potencial. Naquela altura ainda competia nas provas de meia maratona na zona. Criado o Núcleo Desportivo de Laulane, foi convidada a treinar e, a partir daí, avistou-se o caminho para o crescimento no atletismo.

Conheceu a primeira pista em 2007 e, graças aos treinos, adaptou-se. A atleta integrou o Clube de Desportos Matchedje de Maputo em 2008. Nesta colectividade, afirma ter ganhado maturidade como atleta profissional e, porque só podia competir com atletas convencionais, foi transferida para a Federação Moçambicana do Desporto de Pessoas Portadoras de Deficiência onde teve a sorte de vestir pela primeira vez a camisola de Moçambique como atleta em 2010.

Conta que no Matchedje corria os 800 metros em 2:45 minutos e já na federação, graças ao seu esforço e dos treinadores que encontrou, começou a percorrer aquela distância em cerca de 2:29 minutos. Mais tarde passou a correr em pistas de 100, 200 e 400 metros. Foi campeã nacional dos 400 e 200 metros.

Em 2012 foi recebeu das mãos do Governo moçambicano o reconhecimento de Atleta Paraolímpico do Ano 2011, fruto da medalha de ouro conquistada nos Jogos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa bem como por ter, entre os seus companheiros da delegação moçambicana, a melhor marca nos Jogos Paraolímpicos que tiveram lugar em Londres, no ano passado.

Actualmente frequenta a décima classe na Escola Secundária Eduardo Mondlane e acha-se uma pessoa social e amiga de todos, ainda que goste de ser “doméstica”.

O seu pior momento da carreira

Em 2012 Maria Muchavo atingiu os “mínimos” que lhe conferiram o direito de participar aos Jogos Paraolímpicos de Londres. Já nas vésperas da viagem a Londres, aquela atleta recebeu, de Farida Gulamo, presidente do Comité Paraolímpico Nacional, uma quantia não especificada de dinheiro como “pocket money” para gastar durante a estadia naquela cidade inglesa. Contudo, já no avião, ela foi obrigada a devolver o valor pela mesma dirigente, segundo afirma, sem nenhuma razão plausível.

O seu melhor momento O recorde africano batido por Maria durante o Campeonato Mundial de Atletismo para Deficientes foi, sem dúvidas, o seu melhor momento como atleta.

Os planos de Maria Muchavo

O sonho de Maria Muchavo, como qualquer atleta, é ser campeã do mundo, independentemente das especialidades em que compete, seja elas dos 200 metros, 100, 400 ou 800. Esteve tão perto de alcançá-lo em Lyon, mas tal não foi possível.

Por outro lado, aquela atleta deseja formar-se em Medicina Desportiva na especialidade de Fisioterapia. Ainda que não passe pela sua cabeça ter filhos, Maria quer criar o seu próprio lar e cuidar da sua família.

O apelo de Maria Muchavo

Para os governantes moçambicanos, Maria Muchavo lança um forte apelo: “Apoiem mais o atletismo paraolímpico. Hoje bati o recorde africano sem condições nenhumas e com uma preparação, diga-se, selvagem. Mas se houver mais atenção, como acontece no futebol e basquetebol, por exemplo, podemos ser campeões mundiais, como alguma vez foi Maria de Lurdes de Mutola.

Maria Muchavo na terceira pessoa

“Guerreira” é o termo usado para designar a atleta em casa. O seu pai, Alberto Muchavo, em conversa com o @Verdade, disse que a sua família se sente bastante orgulhosa dela e, por saber, que “carrega” o nome de Moçambique. Aliás, a cada dia Maria tem surpreendido todos pelas suas conquistas.

Dentro de casa, segundo a fonte, ela é uma menina bastante dedicada. Desde a sua infância sempre ajudou a mãe nos deveres de casa. Actualmente ajuda a família na produção de “badjias” para venda, o principal sustento da sua família.

Para Alberto Muchavo “em Moçambique há falta de atenção em relação aos atletas deficientes, sobretudo no que toca à Maria, se calhar porque ela vem de uma zona suburbana e de uma família pobre, sem condições nenhumas, vivendo somente de ‘badjias’”.

“Ela fez história ao quebrar o recorde africano, algo que só se podia ouvir da Lurdes Mutola mas, incrivelmente, ninguém apareceu a saudá-la. Sinto-me indignado pois ela não recebe nenhum salário por isso, senão apenas um subsídio ínfimo, que nem chega para custear as despesas de transporte” desabafou.

“Maria devia desistir do atletismo”

“Por mim ela devia desistir do atletismo. É uma actividade que não lhe traz nenhum benefício financeiro. Se dependesse de nós, família dela, teria abdicado já faz tempo. Mas já é uma mulher crescida e sabe o que faz, cabendo a ela essa decisão. A nossa vontade é vê-la a progredir nos estudos, que são uma certeza de um futuro próspero” afirmou Alberto.

“Ela é mais do que uma tia”

Para as sobrinhas Neyd e Camila, Maria Muchavo, apesar dos seus 21 anos, constitui um exemplo de superação. Para se chegar a esta conclusão não se esperou, porém, que ela se tornasse recordista africana dos 100 metros para pessoas deficientes.

Contam que ela é uma pessoa batalhadora, que sabe correr atrás dos seus sonhos, apesar de todas as dificuldades. “Ela é mais do que uma tia. É a nossa amiga; nossa companheira; e nossa guia. Está sempre disposta a ajudar as pessoas que mais precisam” afirmaram em coro.

O Campeonato Mundial de Atletismo para Deficientes da IPC

@Verdade – Como é que foi a preparação para esta prova?

Maria Muchavo – A preparação para o “Mundial” não foi nada agradável. Não tivemos, como sempre, as mais elementares condições para treinarmos, desde a questão do transporte, o próprio local, o degradado Parque dos Continuadores, até a alimentação. Foi, de resto, uma preparação selvagem para quem ia representar Moçambique num campeonato mundial. O treinador Narciso Faquir é que tirava dinheiro do seu próprio bolso, por empréstimo, para que pudéssemos treinar. Acreditem que nem direito a água tivemos. Por outro lado, a pista do parque não possui condições para a prática do desporto, o que nos impossibilitou de pôr em prática alguns detalhes técnicos. Não tivemos acesso a ginásio e o Estádio Nacional do Zimpeto só nos foi aberto por dois dias.

@V – Há quem diga que a selecção nacional teve um estágio pré-competitivo. É verdade?

MM – Não sei se posso chamar aquilo de estágio. Foram somente dois dias em que estivemos na Vila Olímpica, no Zimpeto, antes de partir para França. Esse tempo não foi suficiente para a nossa concentração e seria um erro concluir que se tratou de um estágio.

@V – Sempre foi objectivo de Maria chegar ao “Mundial”. Qual foi o sentimento quando colocou os pés na pista de Lyon pela primeira vez?

MM – Senti-me incapacitada diante das outras atletas. Fiquei derrotada psicologicamente logo no primeiro dia, pois estava claro que elas tinham outro nível de rodagem em melhores pistas e com melhores condições, diferentemente de mim. Isto para não falar da componente da motivação. Mas apesar das dificuldades procurei dar o meu máximo e, para a minha alegria, consegui alcançar o melhor tempo africano apesar de não ter chegado à final da prova dos 100 metros.

@V – E qual foi o sentimento depois de ter quebrado o recorde?

MM – O sentimento foi de grande satisfação e, acima de tudo, de grande orgulho pelo meu esforço. Senti-me vitoriosa pois não é qualquer pessoa que quebra um recorde que dura há anos. Mas honestamente espero que este registo sirva de motivação para a noite de Viena, um meeting para atletas paraolímpicos agendado para o fim do mês em curso.

@V – É somente esse o significado deste recorde, ir a Viena confirmar que, de facto, é uma vencedora?

MM – Este recorde deu-me forças para continuar a lutar pelos meus objectivos e sonhos. Por outro lado enche-me de alegria por ser a primeira atleta moçambicana a atingir tal feito.

@V – Maria lamenta o facto de não ter chegado à final. O que falhou?

MM – Bem disse anteriormente que faltaram condições de preparação a todos os níveis. Já dentro da pista, nos últimos 30 metros, senti as pernas a pesarem-me por falta de trabalho específico de ginásio. O clima, por sua vez, também não ajudou, tendo favorecido as adversárias que já estavam habituadas a ventos fortes.

@V – O seu pai disse ao @Verdade que algum dia aconselhou-a a abandonar o atletismo. Qual é a sua posição?

MM – Eu nunca pensei em desistir do atletismo, mesmo com as dificuldades permanentes. Para mim, tal como defende algum ditado popular, “desistir é a saída dos fracos e insistir é a alternativa dos fortes”. Depois deste recorde eu continuarei a lutar por mais. Mas peço a quem de direito para que nos dê apoio. Queremos erguer a bandeira de Moçambique o mais alto possível no atletismo internacional, bem como ressuscitar as obras de Maria de Lurdes de Mutola.

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