A marcha convocada para este domingo por jovens activistas para Luanda, a pedir a deposição do Presidente José Eduardo dos Santos, foi estancada pela polícia dez minutos apenas após ter começado, a partir do cemitério de Santa Ana. Ao fim de mais de três horas de impasse, depois de a caminhada ter sido parada pela polícia pouco após as 11h na Rua Deolinda Rodrigues, a uns 600 metros do local de partida, os manifestantes permanecem sem arredar pé. “Estamos a tentar negociar que nos deixem avançar como tínhamos planeado. Estamos decididos a ficar aqui e terminar a marcha”, contou ao telefone o activista Gika Castro.
Jang Nomada, outro dos activistas, também por telefone, deu conta de um ambiente de grande confusão e troca de palavras alteradas onde a polícia parou as centenas de jovens que tentavam seguir caminho até à Praça da Independência. “Só nos deixaram avançar um quilómetro, se tanto, depois da concentração no cemitério. Mandaram-nos parar e ameaçaram-nos”, conta este manifestante, que diz estarem com ele outros 500 jovens, parados no caminho por “entre 40 a 50 agentes”.
Alguns media locais reportam que os activistas na marcha não são mais do que cem. Na multidão estão também algumas mulheres, mães de alguns dos activistas detidos no início deste mês num outro protesto contra o regime de Eduardo dos Santos, de acordo com o movimento 7311 (nome em referência à data da primeira manifestação em Luanda, a 7 de Março).
“Eu quero pedir à comunidade internacional e nacional, até mesmo ao Presidente para libertar o meu filho; ele está a estudar, eu vendo água para pagar as propinas da faculdade dele”, lamentava uma dessas mães, citada no website do grupo, o Central 7311. Castro conta que no arranque da marcha “houve umas altercações, com uns vândalos que a polícia meteu aqui no meio” e que tentaram provocar os manifestantes. “Mas fugiram quando viram chegar as câmaras dos jornalistas e então nós sentimo-nos seguros”.
Confirmando também que não se verificaram confrontos físicos da polícia fardada com os activistas, Nomada frisa porém que “partiram a câmara de um jornalista da RTP “, o qual terá sido depois obrigado a abandonar o local. O canal reportou que “indivíduos não identificados atingiram a equipa da RTP com um líquido, provocando a queda da câmara, que ficou danificada”.
Já o 7311 relatou que “o jornalista da RTP, Paulo Catarro, foi agredido por agentes à paisana”, tendo sido atingido por “uma substância tóxica nos olhos”, a qual aparentemente teria sido atirada à câmara de filmagens. O porta-voz da polícia de Luanda, Carmo Neto, asseverou que não “existe para já nenhum alerta de ocorrência de incidentes” na capital angolana, avançando mesmo não ter informações sobre a marcha. “Há uma manifestação? Mas isso é uma actividade normal num país… Quantos são [os manifestantes] e onde estão, isso já é assunto para os agentes de patrulha”, afirmou por telefone.
Segundo o angolano Wilsom Manuel Xuxuto conta no Facebook “a maior preocupação” da polícia que vigia a manifestação “é que não haja câmaras ou telemóveis a fotografar o evento para que pareça nunca ter existido”. “Mas já temos aqui alguns vídeos que testemunharão a moldura humana da manifestação de hoje”, assegurou.
Vários activistas descreveram que o contingente policial instou os manifestantes a seguirem o percurso que lhes tinha sido determinado pelo Governo Provincial de Luanda (GPL), mobilizando-se em cordão em frente da marcha e reiterando que os jovens não deveriam violar as ordens emitidas. “Nós mostrámos-lhes a carta da autorização [da manifestação] para mas eles não ligam. E vamos ficar aqui, assim parados, para demonstrar que respeitamos a lei”, argumenta Nomada.
Rafael Marques, que acompanhou os acontecimentos em Luanda em contacto com conterrâneos angolanos a partir de Lisboa, relata que “há muitos polícias à paisana no meio dos manifestantes”. “Tentam impedir que tirem fotografias ou que registem imagens do que se está a passar”, narra, confirmando não ter também informações sobre confrontos directos entre os agentes e os activistas. “Creio que desta vez não farão mais do que tentar controlar o grupo, mas o número de pessoas na rua está a aumentar”, diz ainda.
Na marcha de domingo os jovens activistas pedem também a libertação de outros 18 manifestantes detidos num outro protesto no início do mês, pelos crimes de desordem, ruído, tumulto, desobediência e danos, e nos quais foram condenados a penas entre os três meses e 45 dias de prisão. A manifestação de 3 de Setembro foi a mais violenta no movimento de contestação a Eduardo dos Santos, lançado com um primeiro protesto que reuniu 17 jovens a 7 de Março passado.