Nos tempos actuais, cresce o número de jovens que se dedicam à música ligeira moçambicana, mas não apostam no ritmo tradicional. Manuel Xavier, mais conhecido no mundo artístico por Massas, podia ser considerado um ícone da música tradicional zambeziana, pois faz dela o seu dia-a-dia. Porém, com 30 anos de carreira, ele não possui nenhum trabalho discográfico no mercado.
Manuel Xavier nasceu no posto administrativo de Mulevala, distrito de Ile, na província da Zambézia. Ingressou na área musical quando tinha apenas nove anos de idade, a convite do tio materno que também se dedicava ao estilo tradicional.
Presentemente, o artista conta com 68 composições, mas ainda não possui um trabalho discográfico no mercado e nunca sequer entrou um estúdio de gravação. De 46 anos de idade e pai de quatro filhos, ele fixou residência na Vila Municipal da Maganja da Costa no mês Outubro de 2013, vindo do posto administrativo de Mulevala.
Com as dificuldades que vem enfrentando desde que passou a residir naquela circunscrição geográfica, Massas pensou em superar os obstáculos cantando em lugares de maior concentração humana.
A cada dia que nasce, o artista deambula pelas artérias da vila, sobretudo as escolas, os mercados e os campos de futebol, cantando como forma de garantir a sua sobrevivência e a dos seus parentes. Cobra por música o valor simbólico de cinco meticais.
Na verdade, ele começou a fazer as suas apresentações nas ruas em 2010, altura em que o seu mestre perdeu a vida.“Optei por realizar espectáculos nas ruas e mercados porque é a única forma de fazer a minha vida sem problemas”, diz.
Refira-se que, no distrito de Ile, o artista também se dedicava a este tipo de actividade, e garante que é com ela que consegue assegurar o sustento do seu agregado familiar.
Durante as suas actuações, Massas concentra um grande número de espectadores que se encanta com as suas composições musicais. Apesar de não ter passado por uma escola de música, Massas toca viola com esmero.
“Não tive oportunidade de estudar porque naquele tempo não era fácil ir à escola. O meu tio, que era músico, convidou-me a aprender a tocar viola e fui aprendendo pouco a pouco. Pretendo também ensinar o meu filho a manejar este instrumento musical”, refere, tendo acrescentado que, antes de o tio ter perdido a vida, este ofereceu-lhe uma guitarra que permitiu a Massas aperfeiçoar e realizar espectáculos nos locais de grande concentração humana.
De acordo com o nosso entrevistado, a ideia de se tornar cantor ambulante começou quando, na companhia do falecido tio, foi ao mercado de bebidas alcoólicas fazer algumas apresentações musicais para as pessoas que se encontravam no local, tendo caído na graça do público.
A partir desse dia, Massas apercebeu-se de que era possível resolver os problemas relacionados com a falta de fontes de sobrevivência. Desde então, ele passou a realizar trabalhos lúdicos nos bares, mercados e estabelecimentos de ensino.“É dessa forma que se instalou em mim este desejo de me tornar artista ambulante. Ando com a minha viola nas mãos à procura de sustento para a minha família”.
Massas fez parte de alguns grupos de música tradicional de Mulevala como, por exemplo, o Arcos-Íris, o Mauquiequie, o Estrela Vermelha, entre outros. Para o artista, a melhor forma de um músico ter sucesso ao longo da sua carreira é procurar uma fonte de auto-sustento.“Não faço isso apenas para garantir o pão de cada dia, mas também para divulgar o estilo tradicional zambeziana”, afirma.
O artista defende que “as colectividades culturais actuais têm-se debatido com questões de natureza financeira que podem ser ultrapassadas, bastando existir união entre os membros”.
Falta de oportunidade
Na verdade, Manuel Xavier não sabe explicar as razões de não possuir um disco, apesar de ter vários anos de carreira e ter pertencido a diversos grupos culturais que contribuíram para a sua formação musical. Para ele, a falta de oportunidade e de um financiador estão na origem desse problema.
O artista tem o desejo de gravar o seu primeiro trabalho discográfico e lançar o álbum no mercado o mais rápido possível, mas não encontra oportunidade para efectivar o seu sonho. “Enquanto não encontro apoio para registar as minhas músicas, vou continuar a ser um artista ambulante”, comenta.
As suas 78 composições musicais, todas cantadas na língua lomué, baseiam-se no quotidiano do povo da Zambézia. “Inspiro-me no dia-a-dia da sociedade moçambicana. As desavenças e as alegrias são a minha fonte de inspiração”, diz. A maior parte dos temas critica a juventude que não respeita a cultura dos antepassados.
Numa viagem que fez para o posto administrativo de Nante, no distrito da Maganja da Costa, perdeu a sua guitarra num acidente de viação. Como não possui recursos financeiros para a aquisição de uma nova, ele teve de utilizar um lata como instrumento musical para trabalhar.
“Não consigo ficar um dia sem tocar a viola. A minha mente só pensa nesse instrumento musical, não porque é a minha fonte de sustento, mas porque me faz sentir bem?”, garante.
A música na Zambézia
Apesar de nos últimos tempos existirem muitos jovens a apostarem na cultura na província da Zambézia, Massas considera que a música zambeziana ainda não encontrou o seu ritmo. “As pessoas gostam de valorizar as coisas de fora, e deixam o que é nosso, isso pode matar a nossa tradição”, refere.
O nosso interlocutor condena os artistas que dizem que não é possível viver da música, afirmando que o talento e a iniciativa ajudam a colocar o indivíduo numa situação de estabilidade. “Um compositor não pode ficar à espera de donativos para fazer brilhar o seu talento. Pelo seu próprio esforço, ele pode criar uma forma de sobreviver”, diz a terminar.