Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

 
ADVERTISEMENT

Legislação eleitoral não é a causa principal da guerra em Moçambique mas Alfredo Gamito reconheceu que para manter o poder “podem existir umas batotas”

Legislação eleitoral não é a causa principal da guerra em Moçambique mas Alfredo Gamito reconheceu que para manter o poder “podem existir umas batotas”

Foto de Dércio TsandzanaA recente guerra que Moçambique vive, com epicentro na região Centro, foi despoletada pelos resultados da Eleições Gerais de 2014, ganhas pelo partido Frelimo e pelo seu candidato Filipe Jacinto Nyusi. “Tenho a certeza absoluta que a legislação eleitoral não é a causa principal dos conflitos que o País está a conhecer” afirmou Alfredo Gamito, provavelmente um dos “pais” da Lei eleitoral, que também clarificou que os partidos políticos lutam para a conquista e manutenção do poder e, nessa luta, “podem existir umas batotas”.

“Eu não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de que a legislação eleitoral tem efectivamente um peso muito importante na prevenção de conflitos, mas tenho tenho outra certeza absoluta que a legislação eleitoral não é a causa principal dos conflitos que o País está a conhecer” declarou o antigo presidente da Comissão de Revisão eleitoral durante a conferência “Pensar Moçambique” organizada na passada terça-feira(05) pelo Parlamento Juvenil.

Porém, Alfredo Gamito, que antes de presidir a Comissão lidou com a revisão da legislação eleitoral quando era ministro da Administração Estatal, também não tem dúvidas que as Eleições Gerais de 2014 foram um “desastre com a partidarização completa do STAE e da CNE (…) O nosso grande problema na legislação eleitoral não é propriamente a legislação em si, está efectivamente no órgão de direcção e gestão dos processos eleitorais”.

“Na África do Sul a composição dos órgão eleitorais são cinco membros, o Malawi tem sete, a Tanzania tem sete, o Botswana tem cinco, a Namíbia tem cinco, o Lesotho tem três, todos sem representação de partidos políticos neles (são organizações da Sociedade Civil ou são órgão jurisdicionais), e finalmente Angola que tem 17 membros” comparou com os países da região Austral Alfredo Gamito que também recordou a plateia de jovens como estiveram constituídos os órgãos eleitorais desde as primeira eleições realizadas em Moçambique. “(…)Para as eleições de 1994 o órgão eleitoral tinha 22 pessoas, todas de partidos políticos armados e não armados; nas eleições de 1999 a composição eram 17; nas eleições de 2004 eram 19, com um presidente vindo da sociedade civil e 18 membros de partidos políticos” lembrou o experiente funcionário público, que hoje tem 75 anos de idade, acrescentando que após essas eleições “as organizações da Sociedade Civil que tinham proposto o presidente em sua representação disseram nós não vamos apresentar mais nenhuma proposta, não queremos participar na CNE porque lá estamos sozinhos”.

Entretanto, de acordo com o antigo presidente da Comissão de Revisão eleitoral, “para as eleições de 2009 tivemos que fazer outro exercício interessante em que tínhamos oito membros vindos das organizações da Sociedade Civil e cinco dos partidos políticos (houve um grande debate)”.

O modelo eleitoral moçambicano estará esgotado?

Alfredo Gamito contou em seguida quão exaustivo foi o processo para as Eleições de 2014 que teve aprovado, pelos partidos Frelimo e MDM, um modelo de 13 membros mas que na sequência do diálogo político que decorreu entre o Governo e o partido Renamo acabou por ser alterado. “O acordo que eles tinham lá chegado era uma Comissão Nacional de Eleições que passou a ser de 17 membros, onde a Frelimo ficava com cinco lugares, a Renamo quatro, o MDM um e sete das Organizações da Sociedade Civil. E também foi repartidarizado o STAE, incluindo os directores adjuntos e várias categorias lá dentro foram reforçadas até as mesas das assembleias de voto que passaram de cinco para sete membros. Só aqui, nós tínhamos 11 500 mesas, entraram 22 mil pessoas para os órgão eleitorais o que deu elevados custos”.

Para o ex-governante “estamos num momento de transição para uma situação nova, neste momento estamos num momento de grande peso dos partidos políticos e por causa desse peso e pressão está a haver um divórcio dos cidadãos em relação aos partidos políticos daí estamos a ver a emergência daquilo que se chama Organizações da Sociedade Civil, estão cada vez a ter mais força. Este é um momento histórico que estamos a viver, embora seja momento de esperança para o futuro é também momento de conflito. Qualquer coisa dá um conflito”.

Na óptica do antigo presidente da Comissão de Revisão eleitoral “a legislação eleitoral como está não favorece nem a um nem a outro agora o que sucede é que nós temos muitos intervenientes no processo eleitoral. Muitos dos quais, incluindo os internacionais, que não dominam a legislação”.

Alfredo Gamito sugere mais do que a legislação é preciso reflectir sobre o nosso modelo eleitoral e questiona se estará “esgotado”? “O nosso modelo é o chamado de representação proporcional mas há outros, o modelo maioritário e depois há uma variante muito grande que é o modelo de representação misto. Nós temos que começar a reflectir sobre a oportunidade de fazermos uma reflexão mais aprofundada, em alguns sítios essa reflexão já começou, sobre qual é efectivamente modelo”.

Ao acentuar-se a partidarização dos órgão eleitorais estamos a deitar mais fogo para a fogueira

“Porque na minha opinião o problema do conflito não é a legislação eleitoral, pode ser num grau pequeno. O conflito acontece efectivamente no pós eleições, obviamente que é nessa altura mais oportuno, mesmo sendo o mesmo partido que ganhou as eleições é sempre o período de maior fragilidade. Eu tenho mais fé que seja o esgotamento do sistema eleitoral representação proporcional” explicou o antigo deputado do partido Frelimo recordando ainda que o modelo em uso foi escolhido em Roma, no âmbito dos Acordos de Paz assinados pelos partidos Frelimo e Renamo.

O antigo ministro da Administração Estatal reconheceu que “o que gera conflitos são efectivamente os resultados” mas chamou atenção à plateia de jovens que “os processos eleitorais são pela sua natureza processos competitivos, e como em todos os processos competitivos existe sempre um potencial muito elevado de conflito, até no futebol há caneladas. É minha convicção ao acentuar-se de forma significativa a dimensão e a partidarização dos órgão eleitorais estamos também em consequência a potenciar o conflito, estamos a deitar mais fogo para a fogueira”.

Alfredo Gamito disse ter a esperança que um dia os processos eleitorais vão ser decididos pelas Organizações da Sociedade Civil moçambicanas porém o momento que vivemos “é difícil porque a génese das questões é diferente. Os partidos políticos são organizações sociais que lutam para a conquista e manutenção do poder, nem que seja eternamente, esse é o objectivo central. Não podemos estranhar, e dessa luta para a conquista e manutenção do poder podem existir umas batotas pelo caminho”.

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *