O Uruguai está a lutar para viabilizar a produção comercial e a venda da soruma, e o seu experimento pioneiro pode ser abandonado ou enfraquecido se o candidato oposicionista vencer as eleições presidenciais deste mês.
O país sul-americano é o primeiro do mundo a permitir o cultivo, a distribuição e o uso da soruma, na tentativa de assumir o controle do comércio das mãos dos cartéis de droga e ao mesmo tempo regulamentar e até taxar o seu consumo.
A reforma está a ser acompanhada de perto por toda a América Latina, onde a legalização ou discriminalização de alguns narcóticos é cada vez mais vista como uma maneira melhor de pôr fim à violência desencadeada pelo tráfico do que a “guerra às drogas” liderada pelos Estados Unidos.
Mas antes o Uruguai precisa de resolver como irá ter certeza de que as quadrilhas não irão financiar os produtores, como regulamentar o fornecimento e a qualidade da soruma produzida localmente e como garantir às nações vizinhas que a droga cultivada legalmente não será vendida de forma ilegal nos seus territórios.
O governo descumpriu os seus próprios prazos para implementar as mudanças, que viraram lei em Dezembro passado. “Estamos a trabalhar nisso desde o início, desde o primeiro dia. Mas simplesmente não sei se iremos conseguir”, disse uma fonte governamental familiarizada com o programa de legalização.
Sebastian Sabini, parlamentar da coligação governista que apresentou a lei, afirmou que a sua implementação exige a criação de instituições que não existem em lugar nenhum. O plano de começar a vender soruma nas farmácias no final deste ano parece improvável, uma vez que o governo ainda está a emitir licenças de cultivo e identificar onde as sementes podem ser adquiridas.
Devido aos atrasos, o actual presidente, José Mujica, agora enfrenta uma corrida contra o tempo para aplicar as mudanças antes que o novo mandatário assuma, em Março do próximo ano. Os eleitores irão às urnas para eleger um novo presidente a 26 de Outubro.
Mujica, um ex-guerrilheiro de 79 anos, está proibido de concorrer para um segundo mandato, uma vez que o país não tem reeleição. O candidato Tabaré Vázquez, da coalizão de governo, a esquerdista Frente Ampla, apoiou a lei da soruma, embora com menos entusiasmo que Mujica.
O principal adversário de Vázquez na disputa acirrada, Luis Lacalle Pou, do centrista Partido Nacional, endossou um projecto de lei em 2010 que teria permitido o cultivo pessoal de soruma, mas disse que a reforma actual é “impraticável na realidade”. “Sou contra o Estado produzir e vender drogas e ganhar dinheiro com isso”, afirmou.
Lacalle Pou, filho de um ex-presidente uruguaio, disse à rede de televisão Canal 10 que a lei seria difícil de implementar, acrescentando que como resultado o Estado “abandonaria o seu papel de proteger a saúde pública e tentar evitar vícios”. Se Lacalle Pou vencer e a lei da maconha não tiver sido implementada, ele pode simplesmente engavetar o projecto. Senão, teria que aprovar um novo projecto de lei revogando-a.
Liberal, mas não muito
A Holanda liberou a venda da soruma em “cafés”, o Canadá permite que os pacientes terminais cultivem e fumem a sua própria erva e os Estados norte-americanos de Washington e Colorado legalizaram o cultivo e o consumo, mas só o Uruguai aprovou uma legislação que permite a produção comercial.
A sociedade uruguaia é uma das mais liberais da América Latina, e fumar soruma é legal no país desde 1998. Mesmo assim, as pesquisas de opinião relevaram que quase dois terços da população desaprovam o Estado no papel de regulador de narcóticos – mas um levantamento da consultoria Factum do início deste mês mostrou Vázquez com 42 por cento das intenções de voto e Lacalle Pou em segundo lugar, com 32 por cento.
Alguns consumidores apoiam as acções governamentais e dizem estar despreocupados com o risco de Mujica não conseguir aprovar a lei antes de entregar o cargo. “Estamos a lutar por isso há dez anos”, disse Juan Vaz, presidente da Associação de Estudos da Cannabis do Uruguai e primeiro uruguaio a registrar-se como produtor de soruma em Agosto. “Não estamos com pressa nenhuma”.