Mais de 500 empregados da Kayum Electronics, nas cidades de Maputo e da Matola, paralisaram as actividades, este ano, por três vezes, para manifestarem o seu agastamento em relação às precárias condições de trabalho impostas pelo patronato. O grupo queixa-se de racismo, sujeição, sobrecarga horária, tratamento desumano, salários insignificantes e falta de subsídio de funeral.
Da lista das anomalias de que os funcionários a que nos referimos se queixam, cujos dependentes passam momentos difíceis em virtude das remunerações magras que auferem, constam ainda descontos nos seus vencimentos para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), porém, os valores não são supostamente canalizados, impedimento para gozar férias, fixação de ordenados através da raça, falta de material de trabalho, dentre outros.
Foram três greves mas nenhum benefício. A primeira aconteceu em Junho e a segunda em Agosto. Todavia, na última paralisação de actividades, em Novembro passado, os trabalhadores juntaram-se defronte dos estabelecimentos comerciais da Kayum Electronics, na Avenida Eduardo Mondlane, na capital moçambicana, barraram a entrada e exibiram dísticos de repúdio da falta de abertura por parte do patronato para o diálogo com vista a resolver os problemas que opõem as partes.
“Socorro, Helena Taipo. Não queremos falar com colegas, mas sim com o patronato. Pedimos diálogo com o grupo Momade Bachir Sulemane”, eis algumas palavras estampadas nos dísticos que eram expostos nos acessos às lojas. E o grupo pede para que o Ministério do Trabalho intervenha no sentido de evitar que os proprietários da “Kayum” façam o que bem entenderem e os empregados sejam penalizados.
Um futuro incerto
Carlos Zualo, de 43 anos de idade, residente no bairro Nkobe, no município da Matola, é pai de seis filhos e aufere 3.830 meticais. Há mais de uma década que é funcionário da “Kayum” e, para além de não ter boas lembranças do seu ofício, não tem esperança de que as condições de trabalho irão melhorar. Segundo ele, os problemas de que o colectivo se queixa são antigos e a primeira greve de repúdio aconteceu em 2003. Entretanto, desde esse tempo a esta parte, ainda não houve progressos porque o patronato sempre esteve desinteressado em relação às inquietações em causa.
De acordo com os operários, volvidos 10 anos de injustiça, os seus patrões estão a ficar cada vez mais ricos mas a vida dos empregados e dos seus dependentes tende a piorar. Carlos Zualo disse-nos que não consegue satisfazer as necessidades básicas da sua família com os 3.830 que aufere mensalmente. Porém, para que ninguém se Texto: Redacção • Foto: David Nhassengo queixe de fome, ele recorre a biscates durante o tempo em que não está no serviço. Este interlocutor considera que o seu futuro e dos seus parentes é incerto porque não vai ter direito à reforma e, em caso de ser expulso, não haverá indemnização.
O patronato não assume as responsabilidades
José Miguel, de 23 anos de idade, também residente na Matola “A”, é pai de um filho e aufere, também, 3.830 meticais. Há sete anos que exerce a sua actividade naquele estabelecimento comercial, o que quer dizer que começou a trabalhar com 16 anos de idade, fora da idade estipulada para o efeito, segundo a Lei do Trabalho em vigor em Moçambique (n.º 23/2007).
O nosso entrevistado é coagido a trabalhar 12 horas por dia, contra as oito horas estatuídas na norma a que nos referimos. Ele não tem direito a assistência médica e medicamentosa, fardamento e trabalha em condições totalmente indignas. De acordo com José Miguel, o mais preocupante é que o patronato não assume qualquer tipo de responsabilidade em caso de acidentes registados no local de trabalho. E, por várias vezes, os patrões corromperam a Polícia para intimidar os funcionários com vista a não reivindicarem o cumprimento dos seus direitos.
Ameaçado de expulsão
Carlos Cossa, de 54 anos de idade, vive no bairro da Machava-Socimol e é pai de sete filhos, os quais dependem de um salário de 3.830 meticais. Este valor só cobre as despesas da sua família durante duas semanas. Carlos Cossa disse- -nos que trabalha na Kayum Electronics há 16 anos, nunca gozou férias e não é ressarcido por isso. A empresa nunca lhe pagou as horas extras em dívida e quando reclama é ameaçado de expulsão.
Manés Abistros, de 42 anos de idade, reside no bairro do Aeroporto, em Maputo, é pai de quatro filhos e trabalha como segurança da Kayum Electronics, há 12 anos. Fazer parte daquele estabelecimento comercial é um autêntico martírio. Em caso de doença ele é coagido a estar no seu posto e se não obedecer sofre um descontado no salário.
Reuniões infrutíferas
O Comité Sindical dos Trabalhadores da Kayum Electronics e o patronato mantiveram um encontro com a Direcção do Trabalho da Cidade de Maputo, no dia 25 de Novembro, mas da lista das reivindicações apenas se decidiu aumentar o salário e atribuir-se bónus de antiguidade aos empregados com cinco ou mais anos de trabalho.
Segundo o representante dos trabalhadores, Virgílio Machaieie, o patronato comprometeu-se a aumentar 30 porcento no vencimento de cada funcionário, a atribuir um bónus de antiguidade que varia de 20 porcento para operários com cinco a 10 anos de trabalho e 30 porcento em benefício de empregados com 10 a 20 anos de serviço.
“Volte-face” em 48 horas
No segundo encontro, a 28 do mesmo mês, o aumento de salário e o bónus de antiguidade anunciados pela Kayum Electronics foram anulados e o patronato alegou para o efeito a falta de cabimento orçamental. Por isso, só haverá um aumento de 300 meticais. Agastados com a situação, os trabalhadores preparam outra greve que, de acordo com Virgílio Machaieie, só vai cessar quando os patrões aceitarem resolver as inquietações que persistem há décadas.
“Não vamos baixar os braços até que se defina uma tabela salarial justa, se cumpra todas as reivindicações e seja implementado até finais deste ano. Caso isso não aconteça, voltaremos à greve e as actividades em todos os estabelecimentos comerciais vão ficar paralisadas”, prometeu o nosso interlocutor.
Entretanto, na terça-feira, 03 Dezembro, o @Verdade contactou, telefonicamente, um dos gerentes da Kayum Electronics identificado pelo nome de Javid, o qual, de forma arrogante, disse que não podia prestar nenhuma declaração sobre um assunto por si supostamente desconhecido e se houvesse algum esclarecimento devia ser obtido junto dos trabalhadores que nos forneceram o seu contacto.