Um grupo de jovens músicos emergentes faz do “Ritmo e Poesia” a sua arma de combate e através dele denuncia a falência da sociedade moçambicana substituída. Oriundos de diversos bairros que compõem o Distrito Municipal Kamubukwana e não só, os rappers criaram o bloco “Baze Central” e já contam com o primeiro CD, um álbum de Hip Hop densamente Underground.
Não sabem ao certo quantos elementos são, até porque o bloco “Baze Central” é composto por, pelo menos, 10 grupos. Mas a média de integrantes é de quatro pessoas por cada conjunto. Os jovens são originários de diferentes bairros periféricos da cidade de Maputo, nomeadamente Chamanculo, Luís Cabral, Unidade 7, Jardim, Inhagóia, Nsalene, Choupal, Bagamoyo e Benfica, porém, o amor ao Hip Hop uniu-os numa só frente.
A ideia de formar o bloco é do conjunto Ideologia Ramificada e surgiu em 2009 com o objectivo de unir pequenos grupos de músicos que emergiam a cada dia naqueles bairros. “Cada grupo que surgia queria trabalhar sozinho e sentimos que tínhamos de fazer alguma coisa para a cultura Hip Hop”, conta Obus da Mata, um dos integrantes.
Nem sempre é fácil começar alguma coisa e o caso do bloco “Baze Central” não foi diferente. O agrupamento começou por correr atrás de produtores musicais angariando instrumentos, e só ao fim de um ano conseguiu reunir o material necessário para entrar num estúdio de gravação. O processo iniciou-se com a selecção das melhores músicas de cada grupo. Com meios próprios, os jovens músicos custearam a produção, sobretudo a captação, das músicas.
Volvidos sensivelmente dois anos e meio, o resultado foi o esperado: um disco com alma e fibra que desperta a consciência sobre uma sociedade cujos valores morais se vão deteriorando diariamente.
Retrato sociológico
O que parece um mero trabalho discográfi co de um grupo de amadores pode vir investido de alguma nobreza. É com esta sensação que se fica quando se escuta o primeiro projecto musical do bloco “Baze Central” de Kamubukwana. “Decidimos criar um meio de expressão, um meio que pudesse dar voz a todos os jovens do distrito”, comenta Obus da Mata.
Constituído por 14 faixas musicais – além do Intro –, o álbum não tem mais de três semanas no mercado. Os temas revelam-nos o caminho (decadência) para o qual a sociedade moçambicana segue.
Numa espécie de um retrato sociológico do quotidiano de uma nação, de um povo, as músicas abordam os efeitos negativos da globalização, denunciam o desrespeito pela tradição e fazem uma crítica ao desinteresse pela leitura por parte da juventude, e não só. Também elucidam-nos sobre os perigos da destruição da natureza e do nacionalismo cego, além de retratar a falsidade entre os seres humanos.
Cantadas em português – excepto dois temas, um em xi-changana e outro em inglês –, as músicas, aliadas a uma qualidade audível das instrumentais, não deixam ninguém indiferente, apelando, assim, a uma refl exão e à “necessidade de nos mantermos sempre fortes e unidos” na luta pelo bem-estar comum. A prostituição e a violência são também alguns problemas sociais retratados, diga-se, de forma desembaraçada.
A obra, que é uma soma de temas que retratam numa língua metafórica as inquietações dos seus actores, é fruto de uma produção independente. Neste momento, estão disponíveis apenas 24 cópias de CD para a divulgação do trabalho. Porém, há necessidade de produzir mais exemplares para a comercialização. “Queremos fazer mais discos para vender a 100 meticais como uma forma de mostrar ao público o nosso trabalho e, consequentemente, mudarmos a consciência das pessoas em relação à vida”, afirmam os jovens rappers.
Filósofos (sub)urbanos
O “Ritmo e Poesia” fazem parte do dia-a-dia dos jovens do Distrito do Kamubukwana. Unidos pela música, os rappers exprimem de um modo válido os seus sentimentos e pensamentos.
Cada grupo dá ao projecto musical do bloco “Baze Central” uma qualidade peculiar, que faz do trabalho uma obra mainstream ou comercializável, apesar do seu estilo underground. Fazem parte do álbum os seguintes grupos: Antivírus Mortais, Bakwentas, Charrua, Compêndio Negro, Ideologia Ramifi cada, Depuradores, Invasores da Terra, Labirinto Bárbaro, Lirical Wun e Soulogic.
A paixão pelo Rap surge desde tenra idade na vida de cada integrante dos diversos grupos e tem vindo a intensifi car-se diariamente na medida em que se avolumam as preocupações do quotidiano.
Representando Ideologia Ramificada, Obus da Mata – de seu nome verdadeiro Arsénio Neuara –, de 25 anos, começou a soltar os seus primeiros versos em 1995, de forma involuntária, quando se encontrava nos ritos de iniciação. A sua primeira referência no mundo do Hip Hop foi o agrupamento Black Company. “Fazer Hip Hop foi sempre o meu sonho, pois encontro nesta cultura uma forma de me expressar”, diz.
O grupo é composto por seis elementos mas nem sempre foi assim. No princípio, eram apenas duas pessoas. As suas composições retratam o quotidiano e a identidade africana, além de explorar os sons tradicionais e as línguas nacionais. “O Hip Hop nacional não está no bom caminho porque se perdeu a noção clara dos seus ideais. Hoje já não se defende uma causa e as pessoas não sabem dar o mérito aos outros”, diz o rapper que se considera activista, uma vez que o Rap “atingiu outra dimensão”.
Eduardo Moisés, ou simplesmente Charrua, de 25 anos de idade, é também um dos jovens músico do bloco “Baze Central”. Despertou-se-lhe a paixão pelo Hip Hop quando frequentava a 7ª classe. “Tinha dois amigos que interpretavam algumas músicas, juntei-me a eles e formámos o grupo Square Rappers e, mais tarde, o Templo Africano que me definiu como rapper”, conta.
O retrato do dia-a-dia dos moçambicanos tem sido a sua abordagem musical. E integrar o bloco representa para o músico “crescimento e uma forma de os fazedores de arte expressarem aquilo sentem”.
Two HB (Helírio Helsídio Banze), de 24 anos, pertence ao grupo Depuradores constituído por três elementos – dois rapazes e uma rapariga. Os videoclipes norte-americanos e sobretudo o músico Jay-Z foram os combustíveis que acenderam a paixão pelo Hip Hop. Por volta de 2003, entrou no mundo Rap através do grupo Soldado do Gueto que, mais tarde, veio a mudar de nome, passando a chamar-se Depuradores.
“Desde miúdo sonhei em entrar no mundo do Hip Hop”, conta e acrescenta: “O Hip Hop nacional está a crescer, pois temos muita qualidade e bons estúdios, mas o problema é que as pessoas só cantam por cantar”.