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Justiça

Quando esta semana a população pegou em quatro malfeitores, que aterrorizavam as noites na zona de Boane e impunham uma espécie de recolher obrigatório, a notícia foi: “População faz justiça pelas próprias mãos”. Portanto, estamos perante uma situação em que se cria um ambiente para que os ladrões e criminosos possam apresentar queixa contra a população. E têm sabido capitalizar esta grande oportunidade, roubando quando sabem haver um polícia nas proximidades.

O caso não é para menos, pois estes crminosos haviam saído das celas a troco de mil e duzentos meticais que um polícia cobrou. Situação que, não sendo novidade nem exclusiva daquele lugar, confirma que as autoridades policiais pouco ou nada fazem em relação a este tipo de crime lesa-bolso ou lesacarteira. Quando se conduz um ladrão a uma esquadra, é vulgar ouvirmos a polícia dizer “este é um bandido e não é primeira vez que está aqui”.

Seguindo o caso, acabaremos por saber que, de todas a vezes que por ali passou, o processo morreu na conversa. Nos bairros, sobretudo da periferia, em que teremos de incluir Alto-Maé, Malanga e Malhangalene, os ladrões têm rosto, família e convivência social como toda a gente. Todos sabem que são criminosos e por essa faceta são respeitados e temidos na zona.

Razão de fundo é que as pessoas se sentem mais protegidas por estabelecer esta relação meio amistosa com o criminoso, na convicção de que este, pelo menos, vai poupá-los de assaltos e protegê-los contra outras gangues. O certo é que os malfeitores gozam desta respeitabilidade nas suas zonas residenciais e quando são acusados de autoria de algum assalto, usam uma expressão tão patética como isto: “tios não estou a dizer que não roubo, mas aqui na zona nunca roubei ninguém”.

E a população, que depende das mais ligeiras brisas, vai cair na fita, desde que uma voz ingénua, das que não faltam nas turbas, diga “é verdade, este moço nunca roubou na zona”.

Vejamos o mapa operativo dos ladrões.

Na Vitória e zonas circundantes, onde a Avenida Guerra Popular se encontra com as avenidas Zedequias Manganhela e Fernão de Magalhães, há ladrões de telemóveis e de dinheiro. Há dias presenciei dois assaltos em ocasiões diferentes. No primeiro, um jovem meteu a mão pela janela do “chapa” do T3 e subtraiu um telemóvel, no exacto momento em que a viatura estacionava para carregar. Descoberto por um outro passageiro, a perseguição permitiu alcançar o gatuno. Mal haviam as pessoas começado a extravazar as dores dos muitos assaltos sofridos surgiu um polícia. As pessoas que se encontravam na paragem disseram, em uníssono: “Está salvo, já chegou o amigo dele”.

Esta a imagem que as pessoas têm da polícia de giro. Amiga dos bandidos.

No segundo caso e no mesmo sítio, presenciei um assalto digno das melhores telas. Dois joves e duas moças fazem-se à porta do “chapa”, numa tremenda luta para entrar e, de repente, desistem daquele transporte. Já tinham roubado um telemóvel e dinheiro. Os donos queixar-se-iam em movimento sem volta. E para quê voltar, se os gatunos têm um sistema seguro de se defenderem? Mesmo eu que os vi roubar, que provas teria em sede do sumário julgamento na esquadra mais próxima?

Esta mesma Avenida Guerra Popular, já na esquina com a 24 de Julho, tem um dos pontos mais inseguros desta cidade. É um sítio extremamente movimentado, passagem para os semicolectivos que vão para Matola Cidade e 700, Liberdade, Fomento, M. Socimol, Nkobe, Mozal, Boane, T3, Patrice Lumumba, Massaca, Malhampsene e outros destinos periféricos. O sítio está sempre cheio de gente esperando o “chapa”.. E os ladrões também ali, fingindo esperar o “chapa”.

Do Ponto Final para diante, nesta rua da Guerra, vão alinhando os pontos de ladrões, consoante a importância da paragem, até atingir a Praça dos Combatentes, onde entre a juventude movimentada é difícil capturar uma pessoa honesta. Ou alguém com quem podemos lidar sem receio de sermos assaltados.

É que neste local o sistema sofisticou-se a tal ponto que já temos o ladrão cristão e o ladrão pastor. Isto por via do que há em disfarces. Quem entra na cidade de Maputo pode, se não estiver bem informado, como vezes sem conta sucede, ser recebido por um ou uma assaltante.

Provenientes de Gaza e Inhambane, Beira, Chimoio e Tete também, as pessoas descem tendencialmente no Benfica, de onde se pode partir para todos os lados, até para aqueles citados atrás. Estamos a falar do Benfica. Aqui há os ladrões directos, sorrateiros de ir ao bolso ou à carteira da vítima, e há os prestativos, os que tiram boa conversa e se oferecem para ajudar o passageiro no desembaraço da carga. Nisto até entram senhoras de insuspeita aparência, que dizem mais vezes Jesus do que o disse Maria que o amamentou.

Bairros como T3, Zona Verde, Patrice Lumumba, Congolote e outros não passam de satélites ou apenas zonas residenciais destes criminosos que, ao longo do dia, arruinam numerosas famílias.

Uma verdade deve ficar bem clara: os ladrões de Maputo vivem, maioritariamente na periferia, nos bairros suburbanos, e apanham o “chapa” para ir à cidade operar, portanto o seu mapa operativo são as rotas dos “chapas”.

Outra verdade: muitos polícias das nossas esquadras recebem dinheiro dos ladrões.E outra: a polícia podia, sem grandes dificuldades, estancar um certo tipo de assaltos nesta cidade.

Aí sim, a justiça pelas próprias mãos seria condenável.

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