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Jurista denuncia irregularidades no cumprimento da lei que cria Tribunais Superiores de Recurso

O Mestre em Ciências Jurídicas e Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, Stayleir Marroquim, denuncia irregularidades graves decorrentes do cumprimento da lei que cria os Tribunais Superiores de Recurso (TSR).

Num artigo que escreveu na última semana de Agosto no qual apresenta uma breve reflexão sobre a materia, Stayleir Marroquim, que é igualmente Advogado e Agente Oficial de Propriedade Industrial, recorda que a Assembleia da República (AR), concretizando a faculdade contida no nº 3 do art. 223 da Constituição da República de Moçambique (de 2004), – que lhe permitia instituir Tribunais de escalão intermédio (entre os Tribunais Judiciais de Província e o Tribunal Supremo, – criou, através da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto (que aprova a Lei da Organização Judiciária (LOJ) e revoga a Lei nº 10/92, de 6 de Maio), os TSR (al. b) do nº 1 do art. 29 da referida Lei).

Marroquim recorda ainda que a mesma Lei regula, entre outras, as questões relacionadas com a natureza (art.58), sede e jurisdição (art. 59) organização (art. 60), composição (art. 61), competência (arts. 62 a 67), e cria os Tribunais Superiores de Recurso de Maputo, Beira e Nampula (114), bem como determina que “enquanto não entrarem em funcionamento os TSR, as secções do Tribunal Supremo (TS) continuam a exercer as competências conferidas, por lei, àqueles tribunais de escalão intermédio” (art. 115).

Com efeito, ao abrigo das competências conferidas pelo art. 31 da LOJ, o Presidente do TS, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), determinou, por Despacho de 18 de Maio de 2010 (publicado no Boletim da República nº 32, I série, de 11 de Agosto de 2010), a “criação e entrada em funcionamento de sete secções nos TSR de Maputo, Sofala e Nampula”, sendo que o primeiro funcionaria com três secções e os dois últimos com duas secções. No entanto, Stayleir Marroquim refere no seu artigo intitulado Tribunais Superiores de Recurso – Breve Reflexão que a análise cuidada deste Despacho permite levantar alguns problemas importantes, em particular para os que no seu dia-a-dia lidam com o Direito, quer enquanto profissionais quer enquanto estudiosos, apresentando a seguir de forma resumida as suas inquietações.

I. Do prazo para a entrada em funcionamento dos Tribunais Superiores de Recurso

A primeira inquietação que Stayleir Marroquim apresenta no seu artigo prende-se com o prazo estabelecido para a entrada em funcionamento dos referidos tribunais. Citando o nº 3 do art. 114 da Lei da Organização Judiciária que determina que “os tribunais judiciais indicados no nº 26 devem entrar em funcionamento até um ano após a publicação da presente Lei”, o jurista entende que tendo a LOJ sido publicada a 20 de Agosto de 2007, então aquele prazo de um ano precludiu no dia 20 de Agosto de 2008, ou seja, há mais de dois anos. E acrescenta: “Esta disposição, como o seu texto sugere, é de carácter imperativo (e não facultativo).

O legislador entendeu que num prazo de um ano, e não em dois ou mais anos, deveriam os TSR entrar em funcionamento. Certamente que alguma motivação (muito provavelmente, a de imprimir maior celeridade processual) precedeu a fixação daquele prazo. Representaria um arrepio aceitar que aquele prazo desempenha, na disposição em que se encontra incerta, funções meramente estéticas”. Mesmo reconhecendo que o curso da vida de um País nem sempre é o ideal, podendo surgir circunstâncias de força maior que impossibilitem o cumprimento dos prazos, Stayleir Marroquim entende que se fosse essa a situação justificativa do atraso acima mencionado, no mínimo deveria constar daquele Despacho a enunciação das razões (ponderosas) justificativas do mesmo.

II. Tribunal Superior de Recurso da Beira ou Tribunal Superior de Recurso de Sofala

Como referiu anteriormente, a Lei da Organização Judiciária criou três Tribunais Superiores de Recurso, designadamente o TSR de Maputo, exercendo, provisoriamente, jurisdição sobre os Tribunais Judiciais das províncias de Maputo, Gaza, Inhambane e Cidade de Maputo; o TSR da Beira, exercendo, transitoriamente, jurisdição sobre os Tribunais Judiciais das províncias de Sofala, Manica e Tete; e o TSR de Nampula, exercendo, transitoriamente, jurisdição sobre os Tribunais Judiciais das províncias da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa.

No entanto, Stayleir Marroquim observa que, estranhamente, o Despacho do Juiz Presidente do Tribunal Supremo alterou a designação do Tribunal Superior de Recurso da Beira, denominando-o Tribunal Superior de Recurso de Sofala. “Escusamo-nos de recorrer a grandes construções doutrinárias para afirmar que um despacho do Presidente do Tribunal Supremo não pode alterar uma Lei (neste caso a Lei da Organização Judiciária). Deste modo, através de uma interpretação correctiva do texto incerto naquele Despacho somos impelidos irresistivelmente a concluir que onde se lê “Tribunal Superior de Recurso de Sofala” deverá ler-se “Tribunal Superior de Recurso da Beira”. E anota que esse lapso no referido despacho do Presidente do Tribunal Supremo é cometido duas vezes.

III. Da falta de nomeação dos Juízes dos Tribunais Superiores de Recurso e suas consequências

O denunciante prossegue no seu artigo que mais grave do que as duas críticas acima apontadas é o facto de o Despacho do Presidente do TS ter determinado, com efeitos imediatos a quando, até a presente data, ainda não foram nomeados os respectivos Juízes, mormente os Juízes Presidentes (que de acordo com o art. 64 da LOJ, devem ser nomeados pelo TS ouvido o CSMJ). Aliás, observa ainda, nem mesmo é do domínio público o lugar físico em que cada um dos TSR funcionarão.

Ainda a propósito da entrada em funcionamento dos TSR, o Mestre em Ciências Jurídicas Stayleir Marroquim aponta que o nº 1 do art. 115, dispõem que “enquanto não entrarem em funcionamento os tribunais superiores de recurso, as secções do TS continuam a exercer as competências conferidas, por lei, àqueles tribunais de escalão intermédio”. Todavia – salienta – se a competência transitória do TS estava condicionada a entrada em funcionamento dos TSR, então, não se pode deixar de concluir que a mesma cessou com a proferição do Despacho do Presidente do Tribunal Supremo que determinou a entrada em funcionamento destes Tribunais – não vendo outra solução aceitável. “Quer isto dizer, por um lado, que, embora exista um Despacho que determina a entrada em funcionamento dos TSR o certo é que estes Tribunais não poderão ainda conhecer das questões que são, por Lei, da sua competência, mormente, julgar os recursos das decisões proferidas pelos Tribunais Judiciais de Província (arts. 62 e 63), pois, não foram ainda nomeados os respectivos juízes – sem juiz não temos Tribunal.

Por outro lado, o TS também já não pode conhecer das questões da competência dos TSR, pois, o Despacho do Presidente do Tribunal Supremo que ordenou a entrada em funcionamento destes Tribunais determinou a cessação da sua competência transitoria – pelo que o conhecimento destas causas pelo Tribunal Supremo estaria inquinada do vício de incompetência”. Sendo assim, Stayleir Marroquim defende que enquanto os Juízes dos Tribunais Superiores de Recurso não forem nomeados e iniciarem o exercício das suas funções, as questões da competência destes Tribunais ficarão órfãs e acumular-se-ão dia após dia, o que contribuirá negativamente na celeridade processual.

Acrescenta, a concluir, que este vazio, resultante da impossibilidade prática (falta de juízes) dos Tribunais Superiores de Recurso e da impossibilidade legal cessação da competência transitória) do Tribunal Supremo, poderem conhecer, mormente, dos recursos dos Tribunais Judiciais de Província, remete – não se resiste a tentação de o dizer – a uma situação de denegação de justiça, que só pode ser minimizada se, num curto espaço de tempo, forem nomeados os juízes para os Tribunais Superiores de Recurso e iniciarem efectivamente com o exercício das suas funções.

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