Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

José Norberto: “As artes plásticas estão abandonadas há 36 anos no país!”

José Norberto: “As artes plásticas estão abandonadas há 36 anos no país!”

Além de falar do Subjectivismo Concreto e da Arte dos Signos Universais correntes de pensamento artístico por si criadas, na conversa travada com o @Verdade, o (re)conhecido artista plástico moçambicano José Norberto criticou os entorpecidos rumos que a cultura estética tomou logo a seguir à independência nacional.

Enquanto o Governo moçambicano prega, pelos quatro cantos do país, sobre “a cultura da paz e o espírito de unidade nacional”, o artista plástico moçambicano José Norberto cedeu uma entrevista ao @Verdade em que considera que tal acção – cujo ápice, em 2012, será o Festival Nacional de Cultura a ter lugar na província de Nampula – não passa de mera propaganda política.

Os factos apontados por Norberto como sendo negativos no cenário das artes e cultura moçambicanas – por exemplo, o consumo de drogas pela classe artística, a inacção das autoridades perante a ocorrência, a politização do ensino, a exclusão de alguns artesãos no FEIMA – são inúmeros. De qualquer modo, parece-nos ser útil iniciar a narração com a reprovação da sua obra de arte, O Assimilado, no maior certame das artes visuais em Moçambique, o Expo Musart.

Na verdade, O Assimilado – que foi reprovado pelo corpo de júri do Expo Musart antes de competir – ostenta uma pessoa que, segundo se supõe, apesar de ter consumido bastante a instrução e cultura europeia continua nua. Ou seja, esse apanágio de herança cultural não lhe serve de baluarte.

“Em termos conceptuais esta obra é muito forte”, considera o autor que está decidido a submetê-la, novamente, ao jurado do Expo Musart para que este lhe explique “os defeitos em termos de ciência e técnica que o quadro possui”.

Governo tirou o sustento das pessoas

De acordo com José Norberto, depois da criação de Feira de Artesanato de Maputo (FEIMA), muitos artesãos não tiveram acesso a stands comerciais naquele empreendimento turístico para dinamizarem a sua actividade. Aliás, diz que ele é um dos sacrificados. “Já falei com o presidente do Conselho Municipal, da Assembleia Municipal, assim como com o ministro da cultura através do seu assessor Gilberto Cossa”.

“Se o Município de Maputo retira os artesãos da rua, devia ter criado um espaço que albergasse a todos. Ora, depois de explicar esta situação ao presidente da Assembleia Municipal, ele orientou-me a submeter o assunto ao Departamento de Mercados e Feiras, onde me disseram que devia reclamar à FEIMA. Nesta última instituição apenas me disseram que já não havia espaço”.

Isso significa que a responsabilidade de se ter retirado os artesãos da rua e deixá-los em destino incerto não é assumida por ninguém entre as instituições do Governo, em Maputo.

Por isso, “é inconcebível que se crie uma feira de artesanato sem se pensar que ela pode crescer no futuro. Sobretudo porque se está diante de um mercado que absorve operadores continuamente. O país está a crescer e há pessoas que, mesmo que não queiram, a vida irá obrigá-los a apostar naquela actividade”.

Esses jovens precisarão de espaço para vender os seus objectos. Dai a questão, “como é que (só) se projecta uma feira para os comerciantes habituais ? particularmente os que vendem defronte de hotéis e restaurantes ? sem pensar na evolução do mercado?”.

Noutro desenvolvimento, José Norberto revelou que depois de ter reclamado, recorrentes vezes, “o Departamento dos Mercados e Feiras do Conselho Municipal acabou por decidir que eu devia pagar um valor de 1.500 meticais para que se faça uma licença que, uma vez enviada na FEIMA, me possibilitaria concorrer a um stand”.

No entanto, se for esse o tratamento que se dá aos artesãos que não foram contemplados na atribuição de um espaço comercial na FEIMA, outra questão pode ser formulada: onde é que o artesão que, durante muito tempo, foi inibido de vender irá encontrar dinheiro para comprar uma licença?

É por essa razão que “digo que o Governo está a tirar o sustento das pessoas. Eu sou exemplo disso. Convido o jornalista a deslocar-se até a Feira do Palco, onde se encontram muitos artesãos que não tiveram/têm lugar na FEIMA”. A Feira do Palco é um espaço, localizado no centro de Maputo, em que se comercializam peças de artesanato aos sábados.

Politizou-se o ensino

Em relação aos primeiros anos da independência nacional, José Norberto recorda-se de que “em qualquer subúrbio do país, todos os cidadãos – incluindo os pouco instruídos – compravam objectos de arte o que, nos dias actuais, não se verifica. Antes, os moçambicanos consumiam dois tipos de obras de arte a saber paisagens para a sala de estar, bem como um retrato de frutas para cozinha.

Até porque “as pessoas mais intelectualizadas possuíam um escritório nas suas residências, o que lhes permitia comprar obras mais abstractas. Essa cultura estética da sociedade dinamizava muito o sector das artes visuais”.

No entanto, apesar dessa base em que a cultura moçambicana assenta, 30 anos depois da independência, as pessoas recém-formadas nas universidades estão a alimentar expectativas em relação ao consumo de objecto artísticos. A arte pouco (ou mesmo não) lhes diz algo. Porquê?

O problema é que depois de 1976 em diante, o Governo moçambicano aboliu (no Sistema Nacional de Ensino) as disciplinas que ensinavam à sociedade o gosto estético. Ou seja, no passado colonial, “na escola eram leccionadas disciplinas musicais, por exemplo, que não se destinavam à formação de cantores, mas de sensibilidades em relação à música; havia disciplinas sobre religião e moral que ensinavam o amor ao próximo”, o que actualmente, no entender do nosso interlocutor, não existe.

“A visão criacionista foi retirada do ensino e, consequentemente, a cultura estética também”. Por exemplo, “um livro de português no tempo colonial continha vários tipos de textos acompanhados de variadas ilustrações artísticas. Isto fazia com que o mesmo manual ensinasse três coisas fundamentais – a língua portuguesa, a literatura bem como artes plásticas”.

Proclamada a independência nacional, os textos literários foram substituídos por políticos no ensino. As figuras de artes que acompanham as composições foram trocadas por retratos de heróis da Luta Armada de Libertação Nacional. Logo, “politizou- se o ensino. Deixou-se de dar instrução, educação e cultura estética para se ensinar política, pior ainda, numa perspectiva parcial”.

Norberto lava o seu posicionamento ao extremo e afirma que ”a organização que nacionalizou as escolas, que destruiu o ensino no país tem nome. Por isso, se actualmente a sociedade moçambicana não cultiva o gosto estético é porque ela – a organização – se de destruí-la”.

Instalar a propaganda cultural

Mais adiante, José Norberto enfatizou a sua opinião sobre a politização do ensino e propaganda cultural nas acções do Ministério da Cultura, com enfoque para o Festival Nacional de Cultura.

“Este evento não sustenta o artista. É uma iniciativa que existe para dar às pessoas a impressão de que o partido no poder está a fazer algo no campo da cultura. Por isso é uma acção política que não tem muito a ver com o desenvolvimento cultural, o que se nota sempre que o festival termina”.

“O Ministério da Cultura não consegue registar documentos como, por exemplo, discos, vídeos sobre o feito. O Júlio Silva sozinho grava mais vídeos que o Ministério que deveria ter muito mais e melhores meios”, afirma engendrando mais uma questão. “Qual é o produto do Festival Nacional de Cultura? Haverá DVD´s distribuídos nas escolas e universidades?”

Norberto tem a consciência de que o Ministério da Cultura pode não estimar as suas posições, mas mesmo assim reitera que “aquela instituição está mais ao serviço da propaganda política do que do desenvolvimento cultural, o que não significa que as pessoas que trabalham lá não sejam capazes de transpor tal cenário”.

Diante do argumento apresentado nem vale a pena dizer que o balanço de Norberto em relação aos 36 anos de Moçambique independente é negativo. Caso contrário leiamos: “A partir de 1976, altura em que começaram as nacionalizações, este Governo ensinou uma coisa ruim ao povo. O melhor é levar o que é do outro do que construir o seu património. Resultou disso que as bases para a cultura de gatunagem, em Moçambique, foram lançadas nessa época”.

Regionalismo e tribalismo

O outro aspecto que preocupa o nosso interlocutor é a fraca representatividade dos artistas visuais da região centro e norte do país no Museu Nacional de Arte. Trata-se de um cenário que é interpretado por José Norberto como indício de regionalismo e tribalismo.

Aliás, sobre o tópico não lhe faltam argumentos. O artista recorre ao número sete do artigo IV que, sobre as condições de participação dos concorrentes na Expo Musart, preconiza: “Aceita-se a participação de todos os artistas plásticos, visuais, fotográficos e performáticos nacionais/estrangeiros residentes e não residentes em território nacional, com trabalhos que satisfaçam as condições exigidas no presente regulamento”.

Mais adiante, no número nove, pode- -se ler o seguinte: “Os participantes residentes fora da cidade de Maputo e do país são responsáveis pelo transporte (ida e volta) dos trabalhos ou outros encargos a eles inerentes”.

É neste contexto que se incorpora a indagação de José Norberto. “Não será este um facto de discriminação, um exemplo clássico do espírito de deixa andar? A anual do Musart tem 120 mil meticais como prémio para 2008. Uma viagem a qualquer parte de Moçambique custa muito menos que este valor”.

Por essa razão, Norberto considera que “se no intervalo de 23 anos – o tempo da existência da referida instituição – as suas várias direcções se tivessem deslocado à cidade de Quelimane, por exemplo, com a finalidade de trazer obras dos artistas locais, já teriam regressado”.

Estética da perversão

As constatações de José Norberto transcendem o território nacional, envolvendo o continente africano, bem como a Europa. Basta reparar que, uma vez que, a maior parte dos consumidores de arte em Moçambique são cidadãos europeus, compreende- se a maior prerrogativa que eles têm para definir as regras do mercado artístico nacional, assim como o conceito da estética de arte.

Sucede porém que, na transição do século XIX para XX, “os europeus quiseram libertar-se da arte realista e/ou naturalista. Nesse processo, eles incorreram numa grande armadilha ? a estética da perversão. Começaram a considerar que só é arte a imagem que apresenta formas desfiguradas e que perverte as luzes normais. Aliás, eles promovem isso no mundo”.

José Norberto contradiz o pensamento europeu defendendo que a arte é algo concreto e natural o qual, por essa via, não se deve perverter. Por isso, “se o meu conceito de arte é contrário ao europeu ? sabendo que este último sustenta a economia do mundo ? eles têm todas as razões para inviabilizar a minha existência. É por isso que fazem de tudo para inviabilizar o meu aparecimento. Afinal, eu estou a quebrar a espinha dorsal do seu conceito de arte”.

Norberto considera que presentemente a Europa – no campo das artes plásticas – não possui nenhuma inovação além da arte contemporânea. Até porque “tenho trazido novas propostas estéticas como, por exemplo, a Arte dos Signos Universais. Um trabalho que eu já pus em debate, mas ainda não apareceu nenhum artista africano nem americano a contestar tal criação alegando não ser uma inovação”.

“Há três anos lancei o Subjectivismo Concreto que, se os africanos fossem mais lúcidos, poderia ser a maior revolução das artes plásticas africanas no século XXI. Afinal, o Subjectivismo Concreto é muito maior que o Surrealismo, o Abstraccionismo e a Arte Contemporânea da Europa”.

O artista diz que possui a filosofia e os princípios das suas correntes, de tal sorte que já devia ter publicado em livro. Infelizmente, ainda não o fez porque reflectiu o suficiente até que “percebi que sou pintor há 26 anos. Mas África ainda não me deu nada. Mesmo para a minha subsistência. Então, porque é que devo dar algo a este continente?”

De uma ou de outra forma, o pintor mostra-se preocupado com o facto de “os europeus estarem a chegar à fase do Subjectivismo Concreto”. Aliás, os primeiros sintomas do facto são notáveis no campo da moda, o que lhe faz pensar que, daqui a pouco, “poderão ser visualizados na área da fotografia. Certamente, darão outro nome. Pior ainda, atribuirão a paternidade a uma outra figura”.

Como reverter este quadro?

Quando se assume que o mal já foi feito que mecanismos engendrar para resolvê-lo? Neste contexto, José Norberto revela que há bastante tempo que discute “a necessidade de se olhar para a produção cultural, no contexto das artes plásticas, com a mesma seriedade que se trata a economia”.

Ou seja, “a cultura deve ser abordada na sua perspectiva criativa, de especulação, do escandaloso, como também na vertente informativa, formativa e reflexiva”.

Por exemplo, para a educação, “sugiro que os Ministérios da Educação e da Cultura criem uma disciplina sobre Artes, Religiões e Tradições. Isto porque, nas minhas análises, o conceito consensual de cultura engloba os três aspectos. Ora se no ensino primário houver muitas disciplinas, penso que esta cadeira pode ser acoplada à História ou à Educação Visual”.

A outra proposta avançada pelo interlocutor é a criação de centros culturais multi-uso. Um projecto que o artista diz ter submetido ao Ministério da Educação e Cultura para desenvolver uma planta tipo, no sentido de, em cada cidade moçambicana, se pudesse instalar a referida infra- -estrutura. Aliás, nos distritos podia- -se desenvolver uma estrutura menor que a dos centros urbanos.

Tais infra-estruturas são uma nave central que teria espaço para músicos, actores de teatro, canto e dança, incluindo uma mediateca para literatura e artes visuais, assim como um estúdio de gravação audiovisual.

Em volta do espaço deve-se edificar estabelecimentos comerciais – como, por exemplo, boutiques, livrarias, tabacarias – que seriam arrendados para que as divisas daí derivadas fossem revertidas em prol do funcionamento do centro. Isso garantiria autonomia financeira à instituição.

Refira-se que o projecto de que José Norberto nos falou teve início no primeiro mandato do Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, altura em que o Ministério da Educação e Cultura era dirigido pelo actual Primeiro-Ministro, Aires Ali.

Enfim, para Norberto, as dificuldades que tornam a prática de actividades artísticas difícil podem ser ultrapassadas se houver vontade política. Por exemplo, no ensino a educação e a cultura devem ser focalizados esforços no sentido de a estética voltar no espaço social; construindo-se novas infra-estruturas e criando-se leis e regulamentos específicos para cada área cultural, no Parlamento moçambicano.

E mais, actualmente há muitas lojas e galerias de arte que estão a surgir no país que se dedicam à venda de artesanato. Esse sector deve ser regulado porque o artesanato é uma coisa e arte é outra.

É importante que haja uma regulamentação que defenda que o artista profissional deve merecer prioridade em termos de mecenato, de espaço para expor as suas obras nas galerias, ao mesmo tempo que se deve obrigar às galerias a não recusarem, em nenhum momento, a exposição de criações de um artista profissional.

Afinal “é inconcebível que as galerias e salas de exposição, em Maputo, se recusem a expor as obras de um artista profissional a favor das de um amador”.

O outro aspecto é que o Ministério da Cultura deve começar a pensar na criação da carteira profissional para o sector das artes. Tal instrumento irá definir claramente o artista profissional do amador.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

2 respostas

  1. Sempre admirei a Pintura Moçambicana. Gostava de ser informada sobre a sua evolução e de ter notícias de um excelente artista; NORBERTO.

  2. Há mais de 20 anos numa viagem que fiz a Moçambique mais concretamente a Maputo trouxe uma tela que comprei numa associação da qual não sei o nome ( associação dos deficientes das forças armadas, pode ser?) mas que me chamou a atenção. Pareciam figuras rupestres e as suas cores transmitiam-me uma luz especial que com que me apaixona-se por ele. Assinava Norberto. Não sabia quem era mas isso não interessava. Quando cheguei a Portugal mandei-o encaixilhar e tem-me acompanhado até hoje. Já mudei várias vezes de casa, deixei outros para trás mas este acompanha-me sempre.
    Será que este quadro é do pintor José Norberto. Gostaria de saber.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!