O Papa Bento XVI acaba de proclamar beato, o primeiro passo no caminho da canonização, o seu antecessor João Paulo II. Eram 10h38 em Roma, mesma hora em Maputo. O aplauso na Praça de São Pedro e nas outras oito praças de Roma onde se concentram centenas de milhares de pessoas – a presença de polacos é esmagadora – foi imenso, prolongando-se por vários minutos.
A multidão já tinha aplaudido diversas vezes durante as referências à sua biografia, nomeadamente o seu nascimento em 1920, a sua eleição como Papa, em 1978, e a alusão ao momento da sua morte em 2005.
Depois da leitura da biografia do novo beato João Paulo II, que iniciou o rito de beatificação e que foi feita pelo cardeal Agostino Vallini, vigário do Papa para a diocese de Roma, Bento XVI pronunciou a fórmula de beatificação: “Acolhendo o desejo do nosso irmão cardeal Agostino Vallini, de muitos outros irmãos no episcopado e de muitos fiéis, depois do parecer da Congregação para a Causa dos Santos, com a nossa autoridade apostólica concedemos que o venerável servo de Deus João Paulo II, papa, de agora em diante seja chamado beato e que possa celebrar-se a sua festa nos lugares e segundo as regras estabelecidas pelo direito, cada ano a 22 de Outubro.”
O dia escolhido para a festa do novo beato é o dia do início solene do pontificado, no já longínquo ano de 1978. João Paulo II era o primeiro Papa polaco da história e o primeiro não italiano em 450 anos. Durante os 26 anos de pontificado, até Abril de 2005, foi o Papa que mais viajou, que mais santos e beatos proclamou, que mais textos e documentos produziu, que mais multidões reuniu.
Nas suas 104 viagens fora de Itália (quatro das quais a Portugal), que foram uma das marcas do pontificado, João Paulo II percorreu mais de um milhão de quilómetros, visitou 133 países e territórios. A sua popularidade e os seus dotes de comunicador, sobretudo com os mais jovens, não evitou que ele fosse também o Papa de muitas polémicas.
João Paulo II fechou qualquer possibilidade de abertura na moral sexual católica, manifestou-se contra o fim do celibato obrigatório e a possibilidade de ordenação de mulheres. Com a ajuda da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo cardeal Joseph Ratzinger, agora Papa Bento XVI, João Paulo II chamou à ordem mais de uma centena de teólogos, bispos e religiosos, naquela que é uma das notas destacadas pelos críticos desta beatificação. Que também acusam o Papa Wojtyla de ter ignorado denúncias graves de abusos sexuais – sobretudo as referidas ao padre Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, que o Vaticano considerou culpado de pederastia, adultério com pelo menos duas mulheres e consumidor de droga.
Apesar dessas e de outras polémicas, a popularidade de João Paulo II media-se pelos milhares de pessoas que ele juntava em Roma ou nas suas viagens, pelos seus apelos à paz, pelos seus gestos de aproximação entre as religiões. Foi ele que viajou 16 vezes ao continente africano, visitando 42 países, com a preocupação de que o mundo não esquecesse o continente mais pobre. Foi ele que pediu perdão aos judeus para aproximar as duas religiões desavindas e inimigas de séculos. É essa mesma popularidade que hoje traz a Roma centenas de milhares de pessoas para a missa de beatificação, presidia pelo Papa Bento XVI.
A proclamação do novo beato sucede apenas seis anos depois da sua morte, depois de o Papa ter autorizado a abertura do processo muito tempo antes do previsto pelas regras – pelo menos cinco anos após a morte do visado. E depois de ter sido dada como inexplicada cientificamente a cura da irmã Marie Simon-Pierre Normand, uma freira francesa a quem tinha sido diagnosticada a doença de Parkinson, em 2001, tinha ela 40 anos.
Karol Wojtyla, nascido em 18 de Maio de 1920, morreu a 2 de Abril de 2005, protagoniza assim mais um recorde: pela primeira vez, um Papa é beatificado pelo seu sucessor imediato. A proclamação de Wojtyla como santo tinha sido pedida por muitos fiéis na altura das suas exéquias. “Santo súbito” (santo, já) foi o grito de muitos, que queriam assim retomar a mais antiga tradição da Igreja, em que os santos eram proclamados a pedido do povo. Só há poucos séculos a Igreja passou a exigir um processo canónico e a existência de uma cura inexplicada para beatificar ou canonizar alguém, assim evitando proclamar santos pessoas que, por vezes, pouco mais eram que lendas populares.