A convicção de que a deficiência não significa invalidade psicológica e moral reside em vários cidadãos moçambicanos com deformação física. Janeiro Abdala, de 47 anos de idade, natural da aldeia de Miaja, no distrito de Ancuabe, no sul da província de Cabo Delgado, sobrevive da arte do desenho, depois de ter perdido os pés e as mãos, vítima de uma doença estranha, em 2002.
Nascido num pequeno povoado, algures em Miaja, localidade de Minheuene, no posto administrativo de Mesa, em Ancuabe, no norte de Moçambique, presentemente, o artista de quase meio século é, casado segundo a tradição e tem apenas um filho, actualmente, com 25 anos.
A sua história, um repositório de lágrimas, é um acontecimento que se pode relatar a partir de 2002, quando tinha 34 anos. É nesta época que, aquando das rotativas férias escolares, Janeiro contraiu uma doença que lhe provocou deformações físicas e o impossibilitou de concluir a 11ª classe em Mariri, onde fora estudar, em regime de internamento, à semelhança dos seus colegas.
Como se pode crer, valeu a pena o facto de o artista se ter sentado nos bancos da escola e, através dela, ter aprendido lições da arte de desenhar. Com as obras que produz, com o auxílio dos braços e da boca, Janeiro Abdala garante a sua subsistência, de tal sorte que já conseguiu erguer uma barraca em Miaja, sua terra natal.
Volvida uma década, em 2014, a doença agudizou-se, tendo sido evacuado para o Hospital Provincial de Pemba e, posteriormente, transferido para o Hospital Central de Nampula, no dia 27 de Novembro do mesmo ano.
Embora esteja sob cuidados médicos, na maior unidade hospitalar do norte, Janeiro não se “curva” diante das suas limitações. O desenho continua a ser a sua principal fonte de rendimento, enquanto aguarda pela assistência clínica, produzindo diversas obras, posteriormente vendidas a um preço que varia entre 15 e 50 meticais.
Interpelámo-lo na cama 22 da Cirurgia II junto de um homem, diga-se, caridoso que garante o pagamento do seu tratamento. Em entrevista, Janeiro Abadala revelou que não se sente desmotivado, apesar das tentativas de estigma de que é alvo, perpetradas por familiares e vizinhos, incluindo os antigos colegas de escola. “Eu até ajudo a redigir mensagens ou a produzir desenhos na minha comunidade e às vezes cobro alguma coisa. A perda dos pés e das mãos não deve significar o fim da minha vida”, afiançou o artista.
O @Verdade apreciou as suas obras, algumas das quais com imagens do então Presidente Samora Machel e de alguns animais, expostas no Hospital Central de Nampula. Tal como se diz na gíria popular, “depois da tempestade vem a bonança”. Apesar das dificuldades, Janeiro não só sonha, mas confia nesta tranquilidade. A sua vontade é “voltar à terra” e reiniciar o seu negócio.