Carta a muitos amigos…
Um amigo meu foi acusado – e, por essa razão, divulgado e promovido pela Imprensa nacional – de ter abusado sexualmente um menor de catorze anos. A informação sobre esta promiscuidade – antes de chegar à galáxia de Gutenberg – circulou em todas as esferas de influência. Refiro-me às conversas da esquina e rumores, na escola, até à rede social Facebook.
Na organização em que sou colaborador, um colega meu mostrou-me a matéria publicada no diário mais antigo que existe no país, sob o pretexto de que eu conhecia o suposto pedófilo, afinal, na sua percepção, tratava-se de um colega.
Confesso que por diversos motivos, sobretudo a sobrecarga laboral, não lhe dei ouvidos e, por isso, não li a matéria no devido momento. Ainda ignota, em relação ao tópico de quem efectivamente se tratava, no fim do dia, quando regressei a casa, telefonei para um colega meu, a fim de lhe colocar a par das incidências do dia, as quais, para ambos, estavam prenhes de importância na medida em que o (suposto) protagonista – além de ser nosso colega e amigo – possui profundas relações com a nossa vida académica e profissional.
Até, então, confesso, não fazia ideia de quem efectivamente se trata. Telefonicamente, narrei os factos ao meu amigo, recomendando-lhe para aceder ao Facebook, onde iria obter “melhores” esclarecimentos. Desliguei o telefone, para, instantes depois, eu mesmo, aceder ao meu mural o que me possibilitou bisbilhotar uma cavaqueira alheia de outros amigos, na mesma aldeia global sobre o tema. Apurei o nome do dito herético.
Alvoroçado, com o meu quadro de valores completamente desfeito – quase em prantos – emiti uma chamada para o meu amigo, com quem acabava de falar o qual, em timbre de total desalento, reiterou que já imaginava de quem se tratava. “Porquê?” era a pergunta que enchia a minha cabeça, ao mesmo tempo em que – confundido pela realidade que experimentava – terramotos e eclipses solares faziam do meu quarto o seu espaço cénico.
Terrificado, com tudo isso, danifiquei o meu celular e atirei-me na cama como se me pudesse tirar a própria vida. Aquela mentira mexeu profundamente comigo. E se, efectivamente, se tratasse de algo verídico – como todos insistiam que era – “porque é que as notícias, mesmo as mais verdadeiras, as vezes são perversas? Digam-me, por favor, porque estou horrorizado”. Nada mais poderia consolar-me. A mentira – ou a verdade com a sua mentira – estava consumada. A honra do homem estava enxovalhada.
O meu amigo, ao que tudo indicava – apesar de eu defender até agora com base em indícios que ele mesmo manifestava de que gostava de mulheres – acabava de ser tornado gay. Afinal, as pessoas tornam-se (ou nascem) gays? Desculpem-me a sinceridade, o preconceito, o inevitável juízo de valores, mas ele havia-se transformado num gay da pior espécie.
Entretanto, incrustado por um preconceito similar, ou pior que o meu, um dos melhores telejornalistas do meu país – para o povo, ou no mínimo que se pretende ser –, o mesmo que trabalha na estação com maior audiência, geralmente balançando à torta e à esquerda, simplesmente disse aos moçambicanos que “técnico de rádio viola sexualmente um menor de 14 anos”, para instantes depois – como o seu palavreado demonstrou – vender o seu sensacionalite barato. Para quê?
Só lhe faltava referir-se à estação de rádio onde o técnico trabalha, para não somente desmoralizar os demais funcionários da dita empresa, como também desacreditar a instituição, incluindo os profissionais de comunicação social – estes educadores sociais – mais zelosos. Faltou-lhe ética e deontologia profissional: antes de mais, o infractor é cidadão e, se efectivamente tiver cometido o crime, é julgado como cidadão não como técnico de rádio. Afinal, qual era a intenção do jornalista? Informar? Formar ou deformar? Não compreendi!
A ser provado que o suposto pedófilo é inocente – já que, de acordo com o que se reportou, seriam feitos exames médicos – quem se encarregará de repor a sua honra, publicamente, encardida? O repórter, enquanto profissional de uma organização, colocou a “sua” empresa a disseminar ódio na sociedade, incluindo a relação desta com as demais organizações. Quem vai reparar isso e como?
A par de tudo isso, devo referir que, certo Estudo sobre vulnerabilidade e risco de infecção pelo HIV entre Homens que fazem sexo com Homens (HSH), em Maputo, revela que o “País do Pandza” é um dos seriamente mais afectados pelo HIV. O mais agravante é que “A tendência crescente da prevalência do HIV em Moçambique contrasta com as acções estratégicas que vêm sendo desenvolvidas tendo em vista reduzir o risco de novas infecções”.
No entanto, apesar do mérito que possuem – por difundirem informações para um público geral – na visão do estudo as ditas estratégias mostram-se limitadas por serem generalistas. “Poucas são as iniciativas que contemplam grupos específicos, especialmente populações socialmente minoritárias, como é o caso dos Homens que praticam relações sexuais com Homens”.
À luz do dito estudo, sou impelido a convir com Bagnol (1996) – que é reforçado pela realidade com que me confronto – a assumir que “também existem HSH em Moçambique”, mas, atenção, o maior drama não é esse: “uma investigação da UNUSIDA sobre os modos de transmissão de HIV em Moçambique indicou que aproximadamente 5% das infecções são transmitidas em relações sexuais entre homens”, uma cifra a ter em conta quando se recorda de que 16% dos moçambicanos padecem de SIDA.
Não seriam estas as razões suficientes – para que longe de uma manifestação pontual de um sensacionalismo doentio de um repórter que se pretende referência no país – para que a televisão explorasse o incidente ocorrido para educar os moçambicanos?