Inertes constroem-se no limiar da claridade urbana. Aparentemente, corpos movimentam-se, num simbolismo perpendicular à lua, onde cada fio lunar representa um traço arquitectónico de corpos que se desfazem em pequenas palavras, em pequenos sons, porque palavras e sons constroem o poema.
Na lógica urbana cada corpo é um poema e cada poema é uma vida, onde o poeta retira das falsas injúrias os prodígios da alma que se fecundam em cada manhã, onde margaridas descalças e algumas pétalas caídas, fecundam as ruas do gueto, que cresceu sem fim. Ah, que belo ver o gueto iluminado pelo raiar da lua onde os corpos se influenciam sem olhar para a densidade urbana que cada espírito carrega no avesso do corpo.
Corpo: linguagem carnal de manifestação social. Corpo: espaço híbrido de sensibilidade espiritual. Corpo: o gueto, onde habita a alma. No plano urbano Tudo se confunde, Tudo se influencia, porque os corpos estão grafitados e as paredes estão tatuadas, na densidade húmida do verso que jaz e se dissolve no desencanto espaço, onde a amargura se tornou feliz na infelicidade dos olhos do povo. O povo encontra-se no desfiladeiro das ruas do gueto, olhares se cruzam com cumprimentos disfarçados:
– Olá Bela, como estás?
– Eu estou bem e boa. E tu?
– Sabes, toda a mulher é um poema!
– Calma Kelesa.
– És a vizinha mais bonita do bairro!
– E tu és o poeta mais louco do gueto.
Da guerra, do diálogo, da palavra, os homens vão esculpindo influências urbanas onde face a face, os homens lutam com azagaias buscando uma liberdade que ainda está por construir. E quando passeio nas ruas do meu gueto com a minha pose de poeta e com o meu corpo tatuado de grafites, vejo homens e mulheres que não são homossexuais nem lésbicas, apenas são homens e mulheres que desfilam os seus corpos desnudos para anunciar uma nova revolução, onde o corpo é o novo universo da liberdade.
E quando a lua desaparece percebo que no meu gueto haverá num dia, um dia de ventura, onde a atitude das influências urbanas fecundará novas sombras de paz, de amor e ternura. E os corpos, no meu gueto, brilharão como flores na construção de um novo arco-íris.
Escrito por Cremildo Bahule