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Pandza: Independência nacional

Samora regressou de Nachingweya como quem regressa, ao fim do dia, da jornada de trabalho. A espingarda que trazia no ombro pousou-a, como se pousasse uma mala James Bond com o expediente do dia. Deu um beijinho à sua esposa, com se tivesse saído de casa naquela manhã. Nos braços, embrulhada em panos camuflados, uma criança chorava docilmente.

– Trago uma filha da guerra – entregou-lhe a criança com o cuidado de quem oferece um presente frágil e muito valioso.

– O teu filho é meu filho. O teu povo é meu povo – respondeu a esposa, submissa e com brilho nos olhos.

Era recém-nascida. Entregou-lhe. Ela acalentou-a seduzida pelo encanto da maternidade. Sorrindo, ele disse, orgulhoso:

– Chama-se Liberdade!

Desapertou os botões do uniforme militar desbotado pelo uso, como se desapertasse a forca executiva de uma gravata. Tinha um ar cansado, mas realizado. Regressava de um expediente de dez anos com o mesmo ímpeto de quem regressa de dez gloriosas horas de trabalho diário.

A esposa adormeceu a criança, descalçou as botas do marido e acariciou-lhe os calos. Aparou-lhe a barba, o cabelo e outras pelugens. Manicurou-lhe as unhas sujas de guerrilha. Samora lavou os dentes amarelados nas matas e lavou do corpo o sujo sangue da guerra. Depois chamou a esposa:

– Agora quero ver os meus filhos – disse em tom de marechal da família.

– Estão no teu quintal, teu país.

Samora abriu a porta e olhou para os seus filhos, espalhados do Rovuma ao Maputo do seu quintal:

– Meus filhos! – Chamou-os para um comício familiar.

– Papá! – Responderam em uníssono, correndo para os seus braços.

– Trouxe-vos uma irmã – disse olhando para a mãe sorridente, com a criança nos braços.

Acercaram-se da mãe, com pirilampos acesos de encanto nos olhos. Samora abraçou os filhos.

– Chama-se Liberdade!

Era um pai galo. Formado na dureza da vida. Muito pouco permissivo. A sua esposa era machangana, chamava-se Frelimo. Quando Samora morreu, foi “txingada”, cumprindo o código civil da tradição, e os seus filhos passaram a ter outro pai: Chissano. Bom pai.

Chissano teve um caso com uma senhora muito má, chamava-se Renamo, a madrasta má da Liberdade. Era de conduta duvidosa, tinha caso com estrangeiros da África do Sul. Maltratou muito os enteados, e por causa disso passava a vida a trocar desinteligências com a primeira esposa, a Frelimo. Guerrilhavam-se onde quer que se encontrassem.

Bom machangane, Chissano decidiu casar-se com a segunda mulher, a Renamo. Casaram-se em Roma. Para que as duas mulheres parassem de lutar, magoando os filhos, e aceitassem em paz aquela bigamia, o cavalheiro e diplomata machangane teve de ser mais duro do que estava habituado:

– Minhas senhoras, aqui em casa mando eu. A partir de hoje vamos viver em democracia familiar .

– Mas em democracia não mandamos todos? – Perguntaram elas.

– Não, há um que é escolhido para mandar – e num tom mais reconciliador seduziu-as com o poder – qualquer um de nós pode ter a chefia da família, aqui. Para quê lutar?

– Como? – procuraram entender – Como seria feita a escolha?

– Os nossos filhos farão a escolha. Livre e justa.

– E uma mulher como eu poderá chefiar uma família? – Perguntava a Renamo, arfando e babando de ganância.

– Claro que podem, está na moda agora, chama-se empoderamento da mulher.

Chissano era um machangana de posses. Tinha um trust fund que atraiu, como moscas esfomeadas, muitas mulheres, transformando a casa num harém de parti dos políti cos.

Hoje abdicou da chefia familiar. Democracia é assim. Um pai cede naturalmente a chefia da sua casa a outro. Hoje, os filhos de Samora estão crescidos. A 25 deste mês, a Liberdade, filha que Samora trouxe das matas, fez anos. No corte de bolo, antes de se cantar o “parabéns à você”, ela surpreendeu a todos anunciando que estava grávida. – Grávida? – disseram espantados

– Liberdade estás grávida?

– Sim, grávida – respondeu sorrindo.

– Se for mulher vai ter o meu nome – sugeriu a Independência.

– Não, tu não existes, Independência. Nós nunca fomos independentes – fez uma pausa, acariciou o ventre, e completou sorrindo:

– É uma menina. E vai se chamar Viragem.

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