A Igreja Católica em Moçambique criticou o Governo por alegadamente desrespeitar os direitos humanos ao admitir a criação de megaprojectos sem impacto imediato na vida da população moçambicana.
Falando, esta segunda-feira, aos jornalistas, o arcebispo da Beira, Jaime Gonçalves, considerou “injustificado” que os investimentos estrangeiros tenham impacto apenas a longo prazo, quando a população é obrigada a deslocar-se do seu lugar de origem para dar espaço a megaprojectos.
“As vidas das populações não podem ser eliminadas porque temos um projecto grandíssimo que daqui a 20 anos vai produzir muito dinheiro”, defendeu Jaime Gonçalves, um dos negociadores do Acordo Geral de Paz, alcançado em 1992.
“A economia, mesmo que seja eficaz, não justifica o seu comportamento como tal, justifica- se quando respeita a pessoa humana”, acrescentou.
A apreciação da Igreja Católica é feita após a publicação de um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP) que dá conta de que alguns megaprojectos de mineração em Moçambique “foram implantados com demasiados erros”, por suposta “falta de transparência” do Executivo de Maputo.
Em Moçambique, existem três novos megaprojectos: o de areias pesadas de Moma, sul da província de Nampula, desenvolvido pela multinacional irlandesa Kenmare, o de carvão mineral de Benga, distrito de Moatize, em Tete, da Riversdale-Moçambique, a subsidiária da companhia australiana Riversdale Mining, e o de Moatize, concessionada à empresa brasileira Vale-Moçambique, propriedade da gigante Vale, ex-companhia Vale do Rio Doce.
Segundo a pesquisa do CIP, os problemas nas regiões em que são levados a cabo os projectos teriam sido evitados se houvesse “mais transparência” da parte do Governo e “se o mesmo tivesse enveredado por um diálogo mais profundo e franco, tanto com as mineradoras, como com a população directamente afectada”.
“As pessoas afectadas são sempre tratadas como meros objectos dos reassentamentos e que devem, por isso, limitar-se a obedecer aos padrões que as empresas ditam”, até porque “quem ousa discordar ou sequer questionar os termos e mecanismo de compensação é acusado de estar contra o desenvolvimento”, denuncia o estudo.
O CIP aponta casos de famílias que foram transferidas com “muita pressa” pelas multinacionais, que se mostraram “impacientes para dialogar” com os visados, não tendo cumprido com as promessas feitas: criar infraestruturas básicas para a população.
A investigação cita o régulo de Kaphula, em Moma, que considera que “muitos dos desentendimentos que existem entre a Kenmare e a população são derivados de várias promessas, feitas pela empresa, que nunca foram cumpridas”.
“Há muitas promessas que nunca foram cumpridas: ofertas de emprego, empréstimo de dinheiro para começar pequenos negócios, canalização de água, tudo isso até hoje não aconteceu”, considera o régulo, citado pelo CIP.
“Por sua vez” – destaca o estudo – “a Kenmare argumenta que tais promessas eram apenas expectativas que as pessoas tinham devido à chegada daquele empreendimento. A questão dos postos de trabalho, por exemplo, é muito difícil de resolver, porque quase todos os moradores do Tapuito (zona onde está instalado o projeto) são analfabetos”.