A hortaliça, muito rica em fi bras e hidratantes, está sempre presente na mesa do maputense. Como é produzida, qual a sua história e trajectória é o que desvendamos no artigo que se segue.
Uma das formas de contar a história das cooperativas agrícolas do sector familiar de Moçambique pode ser a partir do italiano Prosperino Gallipoli, que foi, em vida, um missionário capuchinho. Descrito, por quem o conheceu de perto, como um hábil mas também teimoso, este padre chegou a Moçambique em 1958. No início andou a evangelizar pelas terras de Morrumbala, Zambézia, por muito tempo. Depois, na febre da independência, em 1975, foi expulso de Moçambique. Inconformado, não foi para muito longe: fi xou-se na vizinha Suazilândia, donde viria a ser convidado para a “terra”, que também era sua, pelo malogrado Presidente Samora Machel. Da Suazilândia volta mais teimoso ainda: em 1980, contrariando os mandamentos da falida agricultura estatal, Prosperino organiza, lidera e defende os camponeses pobres da cintura de Maputo. Com discípulos maioritariamente mulheres, o clérigo conseguia, com uma incrível facilidade, fi nanciamentos da América à Itália. Ante a queda do sonho estatal, nos tempos de penúria, foi o teimoso sacerdote quem alimentou gente fi na da cidade com hortaliças, ovos e carne produzidos ao redor da cintura verde. Lá da Mafalala – onde vivia sozinho até ao fatídico 19 de Fevereiro de 2003, data da sua morte – não há quem não se lembre dele pelos bons motivos. Quando morreu deixou uma UGC à sua imagem, ou seja, com muito dinheiro nos cofres sem explicar para quem se destinava e donde tinha vindo.
No entanto, a actual revolução do campo refl ecte a solidez da base material sobre a qual foi implantada. Das cinturas verdes dos arredores da cidade de Maputo vem-nos um protótipo de uma nova agricultura que espelha níveis de desenvolvimento, mas ainda caracterizada por áreas medidas pela dimensão do mercado. Até chegar ao prato, a hortaliça percorre um longo caminho que começa no amanho da terra. E, como a natureza não descansa, o trabalho de centenas de camponesas como Lúcia Mabeça – 45 anos, dos quais 10 no vale do Infulene – não tem hora para começar. Também trabalham, de domingo a domingo no vale do infulene, centenas de pequenos agricultores como Tomás Mangue, Adélia Mate e Remígio Luís. Os seus produtos atraem outras centenas de revendedores que vêem ali uma fonte para abastecer as bancas dos mercados da cidade, a sua principal fonte de sobrevivência. É assim que o agronegócio continua em alta nas zonas verdes.
Os sem-terra…
De acordo com Luciano Samabene, coordenador de projectos da UGC, devido à guerra, o agro-negócio desenvolvia- se apenas na cintura da cidade de Maputo. Hoje já não é assim: ao crescer, a cidade invadiu os campos de produção. Essa expansão gerou outro algum descontentamento: “Os novos residentes acusam-nos de malcheirosos e anti-ambientais”, queixa-se Mabeça. Para produzir a saborosa alface, é inevitável usar adubos e estrumes. Se a isso se somar as capoeiras e pocilgas que fornecem ovos e carne imagine-se o cheiro! Terminada a guerra e em busca de novas terras, os camponeses já estão a migrar para zonas rurais mais recônditas. Longe das comodidades da cidade, estas terras eram até ontem desconhecidas: Manhiça, Magude, Marracuene, Namaacha. Outro contratempo surgiu: num desses processos, a UGC viu reduzidos para apenas 100 hectares os 225 hectares que havia requerido. Entre muitos traumas, ainda de acordo com Sambene, o produtor familiar tem de enfrentar à falta de crédito: sem conseguir garantias bancárias, não tem acesso a crédito. A UGC tem a particularidade de estar mais perto do produtor e, por isso, conhece melhor as suas difi culdades. Mas tal proximidade em nada tem ajudado quando o assunto é requerer créditos aos bancos ou outras instituições fi nanceiras. O reverso da medalha é que a banca dá, com facilidades, crédito a juros muito baixos aos donos das txhuna babes, a lojinha da esquina da cidade. Isso deriva do facto de o comércio, como explicou, não há muito tempo, Feliciano Sambane, coordenador de projectos da UGC, ser um negócio de ciclo de retorno curto se comparado com os longos e de altos riscos do agro-negócio.