Não são apenas os discursos políticos que são “incoerentes” e vão em direcção contrária aos apelos de paz, conforme sugerem os bispos católicos, o Chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, e o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, não se falam, há tempo, e o silêncio agudizou-se depois do cerco e desarme dos segurança de Dhlakama, na manhã de 09 de Outubro passado, na cidade da Beira. António Muchanga, porta-voz do maior partido da oposição, disse ao @Verdade que após três emboscadas consecutivas premeditadas contra o seu líder, “uma pessoa sensata” não voltaria a confiar no Governo, fica claro que “não há nenhuma agenda para negociar a paz” e para tal “não é preciso” que as duas partes se encontrem sem que haja nada de concreto a tratar.
Aos bispos católicos, que manifestaram a sua indignação pelo facto de a situação político-militar estar “em contínua deterioração e do clamor do povo” se traduzir “em deslocados (…), perante o risco de perder a vida (…)”, e afirmaram deplorar “a incoerência entre o que se diz e o faz (…)”, o Presidente da República, disse: “Eu quero falar com Dhlakama. Não está a ser possível. Ele usa intermediários. Mas quero aqui dizer que a experiência mostra que foram muito produtivos os contactos com Dhlakama. Em duas horas, no primeiro dia, e uma hora, do segundo dia, conseguimos desbloquear alguns problemas. Ele não aceitava que os membros da Renamo tomassem posse na Assembleia da República, mas conseguimos convencer-lhes para prepararem a documentação e tomarem posse”.
Em contacto telefónico com a nossa Reportagem, reagindo a estas declarações, António Muchanga considerou que das vezes que o Chefe de Estado manteve contacto com Dhlakama este sempre esteve disponível, pelo que não se percebe a que impossibilidade Nyusi se refere. O porta-voz da Renamo sugeriu que a ser verdade que o Alto Magistrado da Nação não consegue falar com o “pai da Democracia”, ele pode recorrer às mesmas vias [cartas] usadas para a marcação do terceiro encontro, o qual não se materializou por alegada falta de “agenda concreta”.
Dos mediadores políticos, ora em recesso, nada se ouve a respeito deste clima de cortar à faca. Aliás, desde o propalado e fracasso encontro, nem o Executivo, tão-pouco a “Perdiz” e muito menos os mediadores colocaram o povo a par do ponto de situação desta reunião. Não se sabe o que correu bem ou mal. O que é certo é que as declarações das partes são palavras com poucas acções concretas.
Enquanto Nyusi acredita que “falando é muito mais fácil. Estou a fazer esforço para falar com ele mais uma vez e não estou a conseguir”, Muchanga entende que “ara negociar a paz não é preciso que o presidente Dhlakama esteja com o Presidente Nyusi. Quando se negociou o Acordo Geral de Paz, Joaquim Chissano não se encontrou logo com o líder da Renamo. Isso aconteceu quando havia uma coisa concreta para fazer. (…) Foi assim também com Armando Guebuza”, a 05 de Setembro de 2014. “Esta forma de governar” é própria do Chefe de Estado, pois acha que quem deve “fazer tudo é ele (…)”.
Num outro desenvolvimento, Muchanga deixou transparecer que o líder do seu partido está desiludido pelo facto de ter sido atacado duas vezes em Setembro e encurralado na Beira.“A questão de fundo, agora, é que depois daquilo aconteceu nos dias 12 e 25 de Setembro, o que o presidente Dhlakama tinha perdoado, acho que uma pessoa sensata consegue ver que não há nenhuma agenda para negociar a paz”.
“Quem nos encorajou a ir buscar o presidente Dhlakama [nas matas em Gorongosa], foi a Presidência da República”, a qual nos indicou “Pacheco como a pessoa que devia trabalhar connosco. Foi a Presidência da República que disse que não queria o envolvimento de entidades estrangeiras”, mas, sim, devia-se optar por “mediadores nacionais e era a condição para eles colaborarem connosco, e cumprimos. Depois fizeram aquela brincadeira [cerco e desarme na Beira]que não tem nome”, afirmou Muchanga.
A última aparição pública de Dhlakama foi a 09 de Outubro, altura em que confirmou a entrega de 17 armas aos mediadores do processo de diálogo entre o Governo e a Renamo. De lá para cá, os comícios caracterizados por banhos de multidão cessaram e Dhlakama, aparentemente em blackout, já nem fala à Imprensa.
Todavia, apesar das declarações fatigantes e inúteis, de que “não há guerra, não há confusão”, da parte da “Perdiz” e do Governo, o que não passa de palavras com poucas obras para o sossego dos moçambicanos que vivem correndo de uma banda a outra, os confrontos militares prevalecem. Por conseguinte, há relatos de milhares de crianças que já não frequentam a escola e estas encerraram em virtude da ameaça pela presença de supostos homens armados da Renamo em algumas comunidades das províncias de Manica e Tete.
António Muchanga disse ao nosso jornal que os mediadores do extinto diálogo político entre o Executivo e a Renamo não oferecem mais condições para continuarem no processo, até porque, aquando do decurso das rondas negociais no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, eles próprios admitiram que não estavam a conseguir “desencalhar” a situação.
O Chefe de Estado é contra a presença de outros países no diálogo político, por achar que “este é um assunto que poder ser resolvido dentro de casa. É uma conversa de quarto. Não vejo motivo de se escolher um país para resolver isso. Estou a fazer tudo para ter o diálogo”.
Porém, o porta-voz da Renamo considera que “quando morrem pessoas o assunto deixa de ser doméstico. Não envolvemos a comunidade internacional porque eles [o Executivo] disseram que não queriam. Não queremos voltar a correr esse risco [ataque a Dhlakama]. O mais importante agora são as negociações políticas com pessoas sérias envolvidas. Deve haver coerência no discurso e na acção a partir do próprio Presidente da República e dos seus ministros (…)”.
Ainda no encontro com os bispos católicos, o Chefe de Estado voltou a frisar que quase todos já disseram “o que está mal”, o que qualquer pessoa poder dizer, incluindo ele próprio; contudo, ninguém até aqui indicou uma solução prática e benéfica para resolver o problema. A instabilidade em Moçambique não é apenas um mal criado pela Renamo ou pelo Governo, “É um problema de pobreza” e que vai prevalecer “enquanto nós tivermos gente que não tem comida e saúde”. As desigualdades sociais, económicas e políticas “são enormes no nosso país. Isso é uma verdade”.