Relativamente a usurpação da terra, os camponeses consideram que a implantação de mega-projectos tem um impacto directo e negativo no seu dia-a-dia, em virtude de o Executivo estar conceder grandes extensões de terra a investidores estrangeiros sem realizar consultas comunitárias, o que, também, constitui uma violação grosseira da Lei de Terra.
João Mosca, que reconhecer que a lei proíbe a venda da terra, mas a realidade prova o contrário, entende que o problema não é necessariamente legal. “A lei deixa de ser boa quando não se cumpre. Sabemos de muitos casos que o próprio Estado não cumpre, ou não actua quando os agentes económicos não cumprem a lei”.
“Ter uma lei que não se respeita, nem se faz cumprir significa que aquela protecção que a lei poderia dar aos produtores começa a ser muito fraca”, disse Mosca, defendendo que “a máquina estar capturada pelos interesses… O Estado está a defender o capital e não os camponeses.”
Costa Estevão, representante da região norte na conferência, disse que “a nossa produção vai baixar, porque estamos a ficar sem terra” e muitos camponeses serão “empurrados” para a fome e pobreza.
Segundo ele, a empresa Agro-alfa, em Monapo, por exemplo, arrancou um espaço de 10 hectares a um cidadão que até tinha o título de uso e aproveitamento de terra. O mesmo cenário acontece de forma corriqueira noutros pontos do país. Para Costa, os mega-projectos podem até garantir emprego à população, mas “o camponês, sem a terra fica triste”.
No que a adubos diz repeito, Rabeca Mabui, da UNAC a nível da província de Maputo, disse, em representação da zona sul de Moçambique, que a produção da banana, na Moamba, por exemplo, está a forçar os camponeses “a recorrerem a outras zonas devido a produtos químicos. Eles não têm condições para reverterem o cenário”.
No evento participam, para além da UNAC e do Governo, países tais como Venezuela, Zimbabwe, Angola e Brasil. No debate, um dos temas aflorados foi a questão das reformas do sector agrícola baseadas na facilitação dos meios de produção e produtividade em cada país. Do lado moçambicano, o Executivo não deu uma respostas óbvias e concretas em relação a este assunto.
A representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em Moçambique, Carla Cuambe, falou da questão da tributação como uma forma de os países evitarem conflitos de terras. Ela disse que cada nação tem o seu quadro legal e as directrizes recomendadas por esta organização sobre o assunto não são vinculativas. O processo de consulta é sempre fundamental para a execução de qualquer projecto.
A consulta comunitária é fundamental
O governo falou dos projectos que o país tem vindo a desenvolver como forma de trazer uma agricultura inclusiva dinâmica e sustentável. Debruçou-se sobre a estratégia de desenvolvimento no Corredor de Nacala, um programa que integra as províncias de Nampula, Niassa, Cabo Delegado, Tete e sete distritos do norte da província da Zambézia, nomeadamente Ile, Namaroi, Gúruè, Alto-Molocué, Gilé, Milange e Lugela.
“É um projecto que é resultado de um memorando de entendimento entre o Governo de Moçambique e Japão, este último representado pela JICA, cujo o objectivo é formular estratégias de desenvolvimento regional de modo a criar o investimento na região do corredor de Nacala”, realçou Dinis, representante do Governo.
Segundo o Executivo, espera-se, com o referido projecto, supostamente implementado em harmonia com os nativos, um desenvolvimento que possa livrar as populações da pobreza.
Porém, a UNAC não vê este programa como sendo um factor positivo para os camponeses mas sim para os próprios dirigentes do governo. Para este organismo, trata-se de um projecto que visa expulsar os agricultores nativos das suas terras para acomodar os interesses de investidores estrangeiros.
Dirigentes ameaçam agricultores
“Nós não estamos contra o desenvolvimento que o nosso Governo tanto apregoa, mas a nossa preocupação é que temos vindo a verificar a expulsão de muitos agricultores das suas terras para dar lugar aos projectos de cidadãos estrangeiros. Portanto, muitos agricultores têm vindo a perder as suas terras em benefício de estrangeiros e sem nenhuma compensação. E o que está acontecer é que o Governo não nos defende e o pior é que sofremos ameaças até por parte dos directores distritais”, afirmou Halifa Aíde, vice-presidente da UNAC na província do Niassa.
Ela acrescentou que naquela parcela do país mais de 50 famílias viram as suas terras a serem tomadas por estrangeiros. Trata-se de agricultores da comunidade de Lussanhando que viram as suas terras a serem levadas por uma empresa de florestamento. Foi uma acção desencadeada em conexão com o régulo local e este cedeu por temer represálias por parte director distrital.
As preocupações dos camponeses são muitas que talvez o fundamental tem a ver com a lei de acesso à terra. Estes afirmam que a referida lei não favorece o camponês mas sim os próprios dirigentes.
“Os projectos desenvolvidos pelo Governo não têm impacto positivo para os camponeses, uma vez que a lei da terra traçada não se traduz às aspirações dos camponeses. Na medida em que, segundo a lei, um camponês com mais de cinco anos numa determinada terra já não pode ser arrancada por outrem, porém, não é o que acontece na realidade porque o governo criou esta lei mas o mesmo não o obedece. Portanto é lamentável para nós os camponeses viver numa situação de insegurança”, teceu João David, representante da UNAC na província da Zambézia.
A agricultura é marginalizada
Rabeca, que também se queixou de usurpação de terra nas zonas costeiras das províncias de Gaza, Maputo e Inhambane, questiona: a quem “beneficia a agricultura mecanizada?”.
Em relação às dificuldades de acesso ao crédito e falta de mercados, o membro do conselho de administração da UNAC, Rita Rizuane, disse que os bancos não dão crédito aos camponeses porque alegam que “a agricultura é uma actividade de risco”.
Ela queixou-se, igualmente, da falta de mercados para a comercialização dos produtos. Por isso, Rita pede ao Governo “insumos agrícolas e alocação de extencionistas”. Relatou igualmente o sofrimentos dos camponeses de Tete e Manica por causa da poluição do ar e da água, o que leva a que não se beba o precioso líquido por estar poluído, e nem se pode deixar alimentos ao ar livre.
Refira-se que a III conferência da UNCA visa aprofundar o debate público e democrático sobre os principais desafios estruturais do desempenho do sector agrário, bem como a urgência de uma reforma agrária baseada na facilitação e dinamização dos meios de produção e produtividade no país e de travar-se, com urgência, o fenómeno de usurpação da terra.
“Não” às sementes híbridas
De há tempos a esta parte, as autoridades das agricultura têm estado a promover o uso das chamadas semente híbridas. Contudo, os camponeses apelam ao Governo para que crie uma legislação que proteja as sementes locais.
“O Governo deve criar uma legislação e políticas que visem incentivar que os camponeses continuem a produzir, conservar e fazer a selecção de sementes locais”, defendeu Agostinho Bento, da UNAC, para quem as sementes locais “são melhores em qualidade. São adaptáveis para algumas condições que não são aquelas em que o camponês moçambicano trabalha, as sementes híbridas são adaptáveis às regiões agro-ecológicas e precisam de muita água e produtos tóxicos”, o quais o agricultor não está capacitado para adquirir nem moto bombas para implementar uma agricultura de irrigação.
“A entrada no país de organismos geneticamente modificados que vão dar origem a sementes geneticamente modificadas constitui um perigo, não só para os camponeses, mas também para a saúde das pessoas, no geral e para a biodiversidade, porque elas são produzidas com o objectivo de combater os insectos”, explicou Agostinho Bento, acrescentando que volvido algum tempo os bichos apercebem de que tais sementes contêm veneno e criar resistência.
“Estamos a desequilibrar a natureza” com os remédios e os entendidos na matéria defendem que tais sementes podem, a longo prazo, constituir um problema de saúde. “Não posso avançar com precisão mas há indicção de que venham provocar irritação ao no corpo e até cancros.”
Para Bento, ao introduzir sementes modificadas, o Governo moçambicano está, de forma grave, a violar os direitos seculares dos camponeses pois estes sempre reproduziram as espécies que os seus avós usaram conservando a sua qualidade”.
MCT defende sementes híbridas
Carlos Santana, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), explicou que há conjunto de acções com vista a melhor implementação das sementes em alusão. As mudanças climáticas obrigam para que sejam adoptadas quer sementes melhoradas, quer sementes geneticamente modificadas, apesar dos seus inconvenientes.