A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) ampliou, na terça-feira (10), as vozes de indignação em relação às dívidas públicas avalizadas sigilosamente pelo Estado moçambicano, a favor das empresas EMATUM, ProIndicus e Mozambique Asset Management, e exige esclarecimentos convincentes e responsabilização civil e criminal dos mentores destes projectos com o rosto do ex-Presidente da República, Armando Guebuza. A agremiação, dirigida por Maria Alice Mabota, alonga-se e afirma não ter dúvidas de que o país está em “guerra intestina”, aproximam-se tempos mais difíceis e a precariedade da vida do povo vai piorar. Está-se num Estado que de algum tempo a esta parte investe tanto dinheiro nas “retaliações e não na educação, saúde” e outras áreas de desenvolvimento.
A presidente daquela entidade disse que o endividamento secreto não só violou a Constituição da República de Moçambique e a Lei Orçamental, como também revela desrespeito pelas instituições democráticas e soberanas – tais como a Assembleia da República (AR) – manifesta “prepotência, autocracia” e desdém pelo povo.
“Com a suspensão dos desembolsos ao Orçamento do Estado por parte dos parceiros programáticos, associada ao défice já existente, são inevitáveis os cortes e a inflação, já em si galopante, cuja factura irá incidir nos sectores sociais, pondo em causa os direitos do acesso à saúde, educação, alimentação adequada, entre outros, apesar de o discurso oficial refutar, de forma infundada, esses impactos”.
Na legislatura passada, a Frelimo detinha uma maioria qualificada no Parlamento, “privilégio” que permitia ao Executivo Armando Guebuza aprovar os empréstimos em questão dentro dos preceitos impostos pela Lei-Fundamental e demais. O que Alice Mabota não compreende é por que motivo Guebuza não se socorreu desta prerrogativa para dar “cunho legal” aos projectos e respetivas dívidas.
Na perspectiva da LDH, o Governo “feriu, com gravidade, o princípio de orçamentação (…)” ao ignorar a todos e tudo e não ouvir a chamada Casa do Povo.
Em conferencia de imprensa extemporânea para alguns círculos de opinião, a 28 de Abril passado, o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, disse parte da dívida foi destinada à construção de infra-estruturas e à segurança do Estado. Sobre este último aspecto, o governante alegou que o Parlamento não foi consultado por causa da Renamo, que uma parte dela é um partido parlamentar e a outra está em guerrilha no mato.
Até 31 de Dezembro de 2015, disse Agostinho do Rosário, os empréstimos totalizavam “11,64 mil milhões de dólares”, dos quais “9.89 mil milhões de dólares correspondem à dívida externa”, esclareceu o ministro.
Mas a presidente da Liga desvalorizou tal explicação, justificando que não faz sentido o Executivo ter-se fechado em copas e fingir que nada se passava, para mais tarde explicar-se, primeiro, a seus “credores e parceiros” internacionais. Isto é um “acto de desprezo e desqualificação de instituições soberanas”.
Conselho Constitucional deve agir
Várias vozes condenaram o silêncio da Procuradoria-Geral da República (PGR) em torno do endividamento a que nos referimos, mormente da impunidade de que parecem gozar as pessoas que estiveram por detrás de tal escândalo financeiro. Volvidos dias, a guardiã da legalidade anunciou ter instaurados processos para aferir a licitude da EMATUM, ProIndicus e Mozambique Asset Management. Contudo, a Liga pede que seja imposta uma mão de ferro contra possíveis prevaricadores.
Segundo o presságio de Alice Mabota, os procedimentos tomados pelos governantes irão incidir demasiadamente sobre os sectores de saúde, educação, emprego e outros. “Foi bem vinda a independência, mas foram mal vindos os seus governantes (…)”.
De referir que, recentemente, a agência de notação financeira Fitch desceu o “rating” de Moçambique de B para CCC, por conta da “deterioração abrupta do perfil da dívida pública. A nossa previsão aponta para uma deterioração maior do metical em 2016, que deverá provavelmente elevar o rácio da dívida face ao PIB para mais de 100% em 2016, o valor mais alto dos últimos 15 anos e que compara com apenas 37,8% em 2011”.
Em virtude desta situação, a presidente daquela agremiação defende a criação de uma comissão independente de inquérito “para averiguar a quem beneficiam as empresas públicas” a que foi injectado o dinheiro proveniente das dívidas.
“Que haja um posicionamento do Conselho Constitucional sobre a matéria no quadro da legalidade constitucional, responsabilização dos autores e que os processos abertos pelo Ministério Público em torno do caso sejam céleres e concludentes”, disse Mabota.
Liga propõe comissão independente
No que ao “belicismo” diz respeito, a Liga entende que as manobras do Governo, algumas das quais consistem em responsabilizar a Renamo pelo pânico da população e instabilidade nas zonas de confronto com as Forcas de Defesa e Segurança (FDS), são próprias de quem finge não perceber o problema e exime-se de assegurar um “Estado de Direito Democrático alicerçado na legalidade”.
Os confrontos entre as FDS e os guerrilheiros da “Perdiz” não são episódios isolados nem uma guerra não declarada, conforme tentam fazer entender alguns sectores da sociedade, disse Mabota, sublinhado que até à data não existem estatísticas oficiais sobre o número de vítimas civis e militares, por se tratar de uma “guerra oculta”, há destruição de bens, pilhagem de pertences de populações indefesas, violações sexuais e deslocados.
Contrariamente a informações segundo as quais alguns refugiados moçambicanos no Malawi estão a regressar ao país, Mabota considera que o número está a aumentar naquele território vizinho, o que torna a vida cada vez mais precária.
A agremiação promete pronunciar-se com profundidade, oportunamente, sobre este problema. O mesmo diz no que tange a relatos de existência de uma vala comum no distrito de Canda, província de Sofala, e assegura ter uma equipa a trabalhar no terreno.
Na segunda-feira (09), a Comissão Permanente disse que a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade, na AR, será enviada, sob proposta do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), para Macossa (Manica) e Gorongosa no sentido de averiguar a veracidade do que tem sido matéria de notícias no país e estrangeiro.
A 30 de Abril último, jornalistas de vários órgãos de comunicação constataram in loco e fotografaram pelo menos 13 corpos espalhados no mato em avançado estado de putrefação, no distrito de Macossa num limite com Gorongosa, uma zona considerada palco dos confrontos militares entre os guerrilheiros da Renamo e as Forcas de Defesa e Segurança (FDS).
Enquanto isso, Malawi aconselha os seus cidadãos a não utilizarem o corredor entre as cidades de Tete e Chimoio, alegando haver guerra em Moçambique, de acordo com Rádio Moçambique, que cita o ministro dos Negócios Estrangeiros daquele país, Francis Kasaila, a alertar aos concidadãos.
O apelo foi direccionado, sobretudo aos jovens malawianos que pretendam viajar para a África do Sul, via Moçambique, “à procura de emprego, sem os devidos procedimentos”.