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Governo chancela (mais) um negócio obscuro em Moçambique

Tal como vem sendo frequente em Moçambique, o Governo entregou, mais uma vez, sem nenhum concurso público, um empreendimento de capital importância no processo de desenvolvimento do país a uma sociedade empresarial de índole duvidosa, constituída por empresas moçambicanas e nigerianas. Trata-se do projecto de concepção, construção, operação e gestão da base logística do Porto de Pemba, na província de Cabo Delgado, uma infra-estrutura de suporte à implementação do projecto de liquefacção de gás natural a ser produzido na bacia do Rovuma.

O projecto em causa foi subconcessionado, sem concurso, a um consórcio formado pela EHN Logistics, ENH Rovuma e Orlean Invest Lda. As duas primeiras são subsidiárias da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), de Moçambique, e a terceira é da Nigéria. Este negócio inicia logo com atropelos às normas legislativas em vigor no país, aprovadas pelo maior órgão legislativo, a Assembleia da República.

O Governo, reunido em Conselho de Ministros, autorizou através da resolução 18/2013 de 23 de Abril, a negociação dos terminais portuários e logísticos, na forma de parceria público-privado, com uma sociedade de empresas públicas moçambicanas, que, no entanto, não incluiu nenhuma empresa privada. Aliás, na altura da concessão a empresa nem sequer existia, pois esta só foi constituída em Maio daquele ano (2013) como resultado da sociedade entre as empresas públicas Portos e Caminhos-de- Ferro de Moçambique (CFM) e a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), que passou a designar-se Sociedade Portos de Cabo Delgado, SA (PCD).

No seu artigo sobre esta matéria, o Centro de Integridade Pública (CIP) questiona: “O que há de privado na Sociedade Portos de Cabo Delgado, tendo em conta que a figura de parceria público-privado (PPP) ocorre mediante contrato e sob financiamento, no todo ou em parte, do parceiro privado, e este se obriga, perante o parceiro público, a realizar o investimento necessário e explorar a respectiva actividade para a provisão eficiente de serviços ou bens que compete ao Estado garantir a disponibilidade aos utentes?”.

Aquando da atribuição pelo Governo à PCD da concessão dos terminais portuários e logísticos de Pemba e Palma, na província de Cabo Delgado, ocorrida em Abril de 2013 e oficializada em Janeiro do presente ano, tal atribuição sem concurso não foi alvo de muitas críticas nem contestações públicas. Sucede, porém, que a empresa indicada pelo Governo para concretizar esse projecto não possui capacidade técnica nem financeira para levar a cabo os objectivos do empreendimento, facto que a obrigou a recorrer à subcontratação de uma terceira empresa.

Esse procedimento, que é normal, foi também acompanhado de uma série de atropelos às normas. Não houve, mais uma vez, nenhum concurso público. Como justificação, alega que recorreu a este procedimento devido à escassez de tempo, apesar de ser ilegal, uma vez que houve um atraso de cerca de seis meses da parte do Executivo na assinatura do contrato de concessão.

Citada pelo CIP, a PCD diz que não havia uma outra opção senão fazer uma adjudicação directa ao consórcio ENHILS, uma vez que as obras devem iniciar até ao final do presente ano, sob pena de afectar o calendário fixado pelo Governo. Ou seja, a empresa optou por um procedimento que viola a lei, supostamente para lograr os intentos do Executivo de ter a base logística estabelecida até 2016, de modo a apoiar o processo de construção da planta de liquefacção do gás natural em Palma, cujas operações devem, segundo expectativas, iniciar em 2018.

Foram ignoradas outras alternativas

De acordo com o Centro de Integridade Pública, a Sociedade de Portos de Cabo Delgado vem, desde 2013, trabalhando na identificação de um parceiro com capacidade técnica demonstrada e capital para o desenvolvimento deste projecto.

Neste âmbito, recebeu diversas propostas (informais) de várias empresas interessadas no negócio, tais são os casos da API Investimentos, Lda; GASOIL, SA; COGS, SA, todos de Moçambique e ainda o Consórcio Norsa/DC (Noruega/Portugal); Maersk; BlueGreeen; ENHL, SA, entre outras. Todas foram reprovadas.

No entanto, a empresa à qual foi adjudicada o projecto, a ENHILS, não foi mencionada no rol das empresas que submeteram as suas propostas para a aquisição de direitos de execução do empreendimento porque nem sequer existia. Esta só veio a ser criada a 12 de Março de 2014, em resultado da sociedade entre a ENH Logistics, (ENHL), Orleans Invest Holding Lda e ENH Rovuma Área.

A ENHILS foi constituída especificamente e à medida do negócio que veio a ser entregue sem concurso. Ou seja, ela tem como objecto social a construção, a gestão, a operação, a exploração e a optimização de infra-estruturas logísticas de apoio a operações petrolíferas, incluindo portuárias no perímetro concessionado, em áreas especializadas atribuídas.

Está também capacitada para o desenvolvimento e implementação de infra-estruturas de apoio a projectos de produção de gás natural liquefeito, incluindo o seu financiamento, mediante o desenvolvimento de modelos de gestão coordenada de operações, administração, manutenção e exploração comercial. As atribuições desta empresa, à qual foi adjudicada a implementação de um concurso público, revelam que ela foi criada para assumir este projecto.

Na verdade, o argumento de que faltava tempo para se lançar um concurso público arrolado para justificar a adjudicação directa não vinga, pois o mesmo não está previsto na lei. Aliás, importa aqui esclarecer que nesse process, a Sociedade Portos de Cabo Delgado ignorou outras modalidades previstas na lei, nomeadamente o concurso com prévia qualificação e concurso em duas etapas.

Aliança com empresas “problemáticas”

Um dos principais parceiros da ENHILS é a empresa nigeriana Orlean Invest Holding Ltd. A escolha desta firma tem como justificação o facto de a mesma possuir uma larga experiência em projectos similares tanto na Nigéria assim como em Angola e também pela sua capacidade financeira comprovada para implementar o projecto assumindo o risco daí inerente.

O Centro de Integridade Pública diz que esta é uma empresa registada num dos mais famosos e maiores paraísos fiscais do mundo: as Ilhas Virgens Britânicas. O Governo de Moçambique sabe disso, mas mantém o envolvimento na operação.

Por sua vez, também citado pelo CIP, a PCD descreve a Orlean Invest Holding Ltd como líder mundial na logística integrada para a indústria de petróleo e gás, mas deixa de mencionar que esta mesma empresa consta dos relatórios do Senado norte-americano como responsável pela exportação ilegal de dinheiro de corrupção em actividades offshore da Nigéria e outros países do mundo entre eles Alemanha, Suíça e Panamá, para os Estados Unidos da América.

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