Depois de muito nervosismo criado em torno do debate sobre a inclusão, ou não, do reembolso do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no Orçamento Rectificativo, o Governo anuiu a proposta da Primeira Comissão e retirou esta rubrica da sua proposta. O montante no valor de 3.050 mil milhões de meticais foi distribuído pelos sectores de educação, saúde e transportes públicos urbanos.
Na proposta apresentada à Assembleia da República (AR), o reembolso do IVA devia absorver 3.050 mil milhões de meticais dos 8.203 mil milhões de meticais que o Governo precisa para as “despesas adicionais”. O dossiê sobre este imposto constitui preocupação do Executivo há já bastante tempo e mesmo assim este vem adiando esta despesa.
Na recente revisão do Orçamento do Estado para o presente ano económico que foi aprovada em definitivo, esta quarta-feira, 06 de Agosto, pelo Parlamento, o Governo viu uma oportunidade para minimizar este problema com recurso às mais-valias resultantes da tributação das empresas que operam nos sectores de exploração de recursos naturais. No presente ano foram arrecadados recursos extraordinários no montante de 5.703,5 mil milhões de meticais neste sector.
No entanto, a proposta do Governo encontrou uma forte oposição ao nível da Assembleia da República (AR). As Comissões de Trabalho assim como as bancadas não se mostraram favoráveis ao uso de recursos extraordinários para o devolução do IVA.
A Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos e de Legalidade (Primeira Comissão) foi a que, de forma mais vigorosa, se opôs ao uso das mais-valias para aquele fim. Esta defendia que o IVA é uma despesa de consumo, por isso, que não fazia sentido a proposta do Executivo.
“O reembolso do IVA, embora se repute de muito importante, não é uma emergência nacional, como é o reforço do orçamento para a saúde, educação e para transporte”, apontou o presidenta da Comissão Teodro Waty.
A Primeira Comissão sempre defendeu que as mais-valias provindas dos recursos minerais devem servir, não apenas para o consumo presente, mas para investimento e para as gerações vindouras.
Posição similar à da Primeira Comissão manifestou a Comissão do Plano e Orçamento (Segunda Comissão) que recomendou o Governo a adoptar mecanismos adequados para o reembolso líquido do IVA como forma de evitar a acumulação da dívida. “É necessário dar importância aos sectores prioritários.
A nossa proposta como Comissão de Plano e Orçamento diz: ?sim? ao pacote eleitoral, ?sim? às obras do Millennium Challenge Account e alguns investimentos prioritários, mas não concordamos que as mais-valias sejam utilizadas para reembolso do IVA”, disse o presidente da segunda Comissão, Eneas Comiche, também membros da direcção da bancada parlamentar da Frelimo.
Oposição
A contestação à proposta do Governo veio também das bancadas parlamentares da oposição, nomeadamente a do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e da Renamo.
O deputado Renamo, José Samo Gudo, disse que não faz sentido que o reembolso do IVA esteja previsto no Orçamento Rectificativo, porque parte-se do princípio de que o montante que deve ser devolvido é o mesmo que foi pago a mais e é suposto que esteja guardado nalgum sítio. Samo Gudo acusou o Governo de ter desviado o dinheiro e que por isso estava desesperado e a tentar encontrar uma solução para evitar o escândalo. “A única justificação para essa situação é a de que o dinheiro foi desviado e estão à procura de meios para fechar esse furo”, considerou.
A bancada do MDM, também na mesma onda, defendeu que não se deve buscar dinheiro em nenhum lado para fazer o reembolso, porque esse corresponde àquilo que os moçambicanos pagaram como imposto e que deve ser devolvido.
Mais-valias para Fundo Soberano
A Primeira Comissão propôs em sede do Parlamento o uso das mais-valias provenientes dos recursos naturais para a criação de um Fundo Soberano do Estado, exemplo que, aliás, é seguido por muitos países. “Talvez valesse a pena discutir se as mais-valias não devem ser parte do fundo constitutivo de um futuro Fundo Soberano”, colocou Waty.
Na verdade esta proposta não é nova, mas o Executivo nunca a levou em consideração por entender que ainda há muitas “projectos urgentes pendentes”.
Em Fevereiro passado, sobre essa matéria o ministro das Finanças, Manuel Chang disse: “Ainda não equacionamos a criação de um Fundo de Soberania, porque temos necessidades de investimento urgentes”. A dívida do Estado nesta matéria estima-se em cerca de 200 milhões de dólares.
Chang já apresentou o reembolso do IVA como uma das prioridades do Governo que seriam colmatadas pelas mais-valias. “Temos uma dívida acumulada com os contribuintes e pretendemos começar a honrar”, disse o ministro.
Na verdade, a demora nos reembolsos do IVA tem sido um nó de estrangulamento entre investidores nacionais e estrangeiros e o Governo. A Confederação das Associações Económicas tem exigido, de forma frequente e insistente, flexibilidade nessa matéria.
Os atrasos do Governo têm suscitado desconfiança por parte de alguns visados que entendem que deveria ser feita uma investigação para se apurar “onde foi parar o dinheiro dos reembolsos”, supondo que haja uma gestão danosa do mesmo.
IVA desviado para sectores prioritários
Com a retirada daquela rubrica do Orçamento Rectificativo, o valor foi distribuído pelos “sectores prioritários” da seguinte forma: agricultura (179,95 milhões de meticais), saúde (326,23 milhões de meticais), educação (396,25 milhões de meticais), transporte públicos urbanos (405,00 milhões de meticais) e infra-estruturas (1.742,57 mil milhões de meticais).
MCA foi mantido
A revisão do Orçamento do Estado visa dar cobertura às despesas adicionais resultantes da alteração do pacote eleitoral no valor de 1.809, 2 mil milhões de meticais; dívida acumulada relativa ao pagamento dos reembolsos do IVA (rubrica retirada), transferências correntes às Autárquicas; e financiamento das obras do projecto de Millennium Challenge Account (628,6 mil milhões de meticais.
Este último aspecto criou também divergências durante o debate do Orçamento. É que apesar de se ter retirado o aspecto relativo ao IVA, as bancadas da oposição continuavam a não concordar com o Orçamento Rectificativo. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) contesta o facto de o Governo não ter tornado público os gastos com a logística criada com a tensão política.
“Achamos que o desvio de fundos que foram alocados ao MCA é da inteira responsabilidade do Governo do dia que não se preocupa em proceder ao acompanhamento da execução das obras a tempo. Portanto, não cabe a esta magna casa aprovar fundos para a cobertura de lacunas orçamentais derivados da falta de responsabilidade do Governo,” disse José Manuel de Sousa.
Por sua vez, a Renamo diz que a inclusão do MCA tira mérito ao projecto. “Solicitar fundos para terminar as obras do Millennium Challenge Account é uma brincadeira. O financiador deu na totalidade os fundos para o projecto e o Executivo moçambicano, como nos habituou, usou esse dinheiro para fins duvidosos,” referiu António Timba.