Três dias após mais um confronto militar no centro de Moçambique continuamos a não saber quem deu o primeiro tiro. Se está claro que na Estrada Nacional nº6 estava à guarda pessoal do presidente do partido Renamo, e alguns civis, não foi possível ainda apurar quem eram os homens armados que dispararam das matas. Também é desconhecido o paradeiro de Afonso Dhlakama e não se sabe ao certo quantas pessoas morreram. O Presidente da República e Comandante em Chefe, Filipe Nyusi, está nos Estados Unidos da América onde declarou que politicamente o país está estável, apesar de focos de ameaças. O que é certo é que um menino de apenas um ano de idade jamais esquecerá o tiro que lhe feriu o braço, independentemente de quem o tenha disparado.
“No decurso das negociações de paz em Moçambique, nenhuma das partes manifestou a necessidade de criar algum tipo de processo independente para investigar e esclarecer as verdades sobre os crimes cometidos durante a primeira guerra civil”, escreve o professor de Antropologia Victor Igreja, no livro “Desafios para Moçambique 2015”, e acrescenta “Uma investigação e um eventual esclarecimento por uma comissão de verdade poderiam ajudar a Frelimo e a Renamo a abandonar a prática de acusações mútuas de violações e crimes graves e a negação da legitimidade política.”
Segundo Victor Igreja, que ensina diversos campos da Antropologia e estudos de paz e conflitos em duas Universidades na Austrália, “Ao evitar esse passo importante para tentar esclarecer as verdades dos abusos e crimes da guerra, ficamos perante uma realidade tripartida em Moçambique: a violência vai continuar a ser um instrumento político tanto para A desordem como para A transformação das instituições democráticas incipientes;” conclui.
As versões sobre o que aconteceu
No sábado Armando Canhenze, o comandante da Polícia da República de Moçambique (PRM) na província de Manica, afirmou que do tiroteio resultaram “20 óbitos, um civil morto e 19 militares da Renamo, além de dez viaturas incendiadas”.
Antes o partido Renamo, através do seu porta-voz, confirmou apenas a morte de sete pessoas entre a comitiva do seu líder, quatro civis do seu “staff” e três militares da sua segurança. “A Polícia tem de indicar onde estão os feridos, o que aconteceu com eles” declarou António Muchanga, num breve contacto telefónico com o @Verdade e apelou à PRM para que faça “a mesma coisa em relação às viaturas (…). Quando eles vieram rebocar a viatura do presidente Dhlakama comprometeram-se a proteger todos os bens (da Renamo) mas a viatura não foi ainda devolvida”.
Essas viaturas da comitiva do líder do partido Renamo terão sido incendiadas, segundo a PRM, por cidadãos alegadamente enfurecidos; porém, um jornalista do semanário Domingo que esteve no local afirmou que as viaturas pegaram fogo depois de serem atingidas por roquetes e quase todas ficaram reduzidas a cinzas.
Ficou também reduzida a cinzas o minibus de transporte semicolectivo de passageiros que fazia o trajecto Inchope – Chimoio e cujo motorista, identificado pelo nome de Carlos Guihole, foi baleado mortalmente na cabeça, de acordo com o semanário estatal, e a viatura foi embater num camião que também se incendiou foi consumido pelas chamas.
De acordo com a PRM em Manica Carlos Guihole foi assassinado pela guarda de Dhlakama, contudo, o porta-voz do maior partido da oposição afastou a autoria de disparos contra o “chapa”, salientando que “não é prática da Renamo atacar civis”, afirmando que o seu líder foi alvo de uma emboscada.
Um repórter da agência portuguesa Lusa, que se dirigiu na sexta-feira ao local, viu um “chapa” e no seu interior estava o motorista e alguns passageiros mortos.
O jornal Domingo, que afirma também ter estado no local horas depois do confronto armado, apurou de testemunhas que Afonso Dhlakama abandonou a sua viatura protocolar durante o fogo cruzado e desapareceu a par de os outros ocupantes do seu carro, mas António Muchanga diz que o presidente do seu partido permaneceu no local até às 18 horas de sexta-feira e referiu a existência de dezenas de baixas entre os atacantes e que “maioritariamente não traziam uniformes, estavam vestidos à civil, mas tinham coletes (à prova) de balas” e deixaram no terreno armas ligeiras e uma bazuca.
Este é o segundo confronto armado em menos de duas semanas que envolve o líder da Renamo, depois de no passado dia 12 de Setembro, a comitiva de Dhlakama ter sido emboscada perto da cidade do Chimoio, presenciado também por jornalistas e que foi atribuído às forças governamentais que se apressaram a desmentir a sua participação.
A verdade sobre o que se passou no final da manhã, e tarde, do dia 25 de Setembro na EN6, entre Amatongas e Gondola, na província de Manica, é um mistério que parece interessar tanto ao Governo como também ao partido Renamo.
Dhlakama volta a estar em parte incerta
Quando se registou este tiroteio o líder do maior partido da oposição dirigia-se à província de Nampula onde deveria ter chegado durante o fim-de-semana mas não chegou e nem foi visto publicamente em nenhum outro centro urbano desde sexta-feira (25).
Do lugar incerto onde se afirma estar, Dhlakama tem falado com os membros do seu partido e nesta segunda-feira (28) falou para os moçambicanos, em entrevista ao boletim informativo oficial da Renamo, disse que está vivo, saudável e seguro e repudiou a guerra, que reiterou estar a ser movida pelo partido no poder contra si, contra o partido Renamo e contra o povo.
“Não quero legitimar os roubos de dinheiro público e das riquezas de Moçambique protagonizados pela Frelimo e pelos seus dirigentes corruptos” afirmou o líder do partido Renamo que acrescentou que o partido do Governo pensa que com a sua morte a democracia será silenciada.
“Eu não quero ser responsabilizado pela sociedade moçambicana como quem compactua com a Frelimo, levando o país para o caos. Sei que a Frelimo quer destruir Moçambique com a guerra para não responder pelos seus actos” declarou ainda Afonso Dhlakama ao boletim “A Perdiz”.
Ainda através da sua publicação oficial o partido Renamo afirma que está a ser “empurrada para uma guerra com a Frelimo. Uma guerra que ameaça dividir o país inevitavelmente” e esclarece que matar Afonso Dhlakama não significa o fim do problema pois a formação política “está preparada para qualquer eventualidade e para continuar com a luta”.
O partido Renamo afirma não poder continuar “a tolerar abusos” e “apela os jovens, membros, simpatizantes e apoiantes a prepararem-se para novos tempos”.