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Filme do moçambicano João Ribeiro estreia no Festival de Cannes

Filme do moçambicano João Ribeiro estreia no Festival de Cannes

“O Último Voo do Flamingo” teve estreia mundial nesta quarta-feira no Festival de Cannes 2010 e João Ribeiro apresentou em pessoa o filme no Pavilhão de Cinema do Mundo, uma organização da Culturfrance (do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês) em parceria com várias organizações e que se destina a promover o cinema e a diversidade cultural.

“O Último Voo do Flamingo”, foi rodado em Marracuene há um ano, e conta a história de uma investigação à volta de misteriosas explosões de soldados das Nações Unidas dos quais apenas resta o capacete e o pénis. Esta película é adaptada de um romance homónimo de Mia Couto. Aos 48 anos, João Ribeiro concretiza o sonho do rapaz que em Quelimane começou o amor pela imagem e que aprendeu a fazer cinema em Cuba, tendo como um dos seus professores o célebre escritor Gabriel Garcia Marquez. @Verdade entrevistou-o em Cannes, ainda a viver as emoções da estreia da sua primeira longa-metragem:

@Verdade – João quando começaste as filmagens disseste-nos que era a realização de um sonho. Estar em Cannes a presenciar a estreia do teu filme o que é?

João Ribeiro(JR) – É outro momento, outra fase. Uma continuidade do sonho mas numa outra dimensão. Nunca esperei que o filme, mesmo fora da competição ou da selecção oficial, pudesse ser exibido num dos “Palais” e fosse referido em catálogos que por aqui circulam.

@Verdade – O que representa para ti estar em Cannes?

JR- A dimensão do meu trabalho não é esta nem estou à espera de que este momento transforme a minha vida. É muito controverso estar ali, subir aquelas escadas e receber centenas de flashs sabendo que a sua atenção não está voltada para ti mas para quem está a teu lado ou à tua frente e que amanhã não estarás em nenhuma das fotos.

É o sistema. Somos nós mesmo (os realizadores e o público) que o fazemos. É bom ir na limusina, entrar no Magestic pela “porta da frente”, entrar na fila dos “ilustres e dos VIPs”, sentir o glamour, o frenesim do público que estende os braços e grita. Estar ali foi uma experiência única e especial mas que tem de ser conservada dentro desse framework, dentro desse espaço-tempo.

@Verdade – O que representa para o cinema moçambicano ter um filme exibido em Cannes?

JR – Tal como para mim, significa que há quem veja o que fazemos e que reconheça uma certa qualidade, uma certa visão que distingue este filme e esta cinematografia. Há centenas, milhares de filmes produzidos por todo o mundo a cada ano. Há centenas de filmes submetidos e analisados em Cannes. Alguma razão haverá para estarem estes em exibição nos seus diferentes formatos e nos diferentes tipos de exibição que existem neste festival. Há que perceber que “O Último Voo do Flamingo” não está em competição. Está a ser exibido no âmbito de uma mostra organizada pelo Pavilhão do Mundo no Festival de Cannes.

É exibido na estrutura e na orgânica deste importante festival mas não está em competição nem na selecção oficial. É uma oportunidade de promoção, de valorização e difusão sobre as luzes destes holofotes. Uma oportunidade especial sim, mas uma oportunidade.

@Verdade – Tens ideia de que outros filmes moçambicanos já foram exibidos em Cannes?

JR – Eu já tive há alguns anos atrás uma curta-metragem “Tatana” rodada em película que recebeu uma distinção no âmbito dos “Ecrans Juniors” que é uma outra secção do Festival de Cannes (filmes com temas ou actores e abordagens juvenis) mas não fui convidado nem fui referenciado. O Orlando Mesquita e o Licínio Azevedo também tiveram uma curta-metragem “A Bola” um filme de 4-5 minutos exibidos no âmbito do festival e que também recebeu um prémio. Esse filme estava integrado numa série de filmes para TV sobre o SIDA produzidos na África Austral.

@Verdade – A seguir estás a pensar em voltar a Cannes para concorrer à Palma de Ouro? Ou vais concorrer aos Óscares?

JR – Essa é uma questão para descontrairmos, não é?.. Essa não é a minha dimensão. Claro que gostava muito que isso acontecesse mas não é isso que me move. Para já contentava-me em fazer uma segunda longa- metragem com uma história bem nossa onde pudesse explorar outras coisas, pois agora com esta experiência que consegui acumular, posso ser mais arriscado e ousar um pouco mais.

@Verdade – Planos a seguir no cinema… Tens algum projecto para filmar, sobre o quê?

JR – Sim, claro. Tenho, mas nenhum aindaformatado para ser apresentado. Este filme que agora entra no circuito ainda necessita de muita atenção e muito trabalho. Na nossa estrutura, com os meios que temos, não me posso dar ao luxo de começar outra coisa imediatamente.

Tenho de “empurrar” este por muitas salas, por vários lugares… Daqui a alguns meses talvez seja então a altura de começar a largá-lo e a desenvolver outro projecto, outra história que poderá chegar a ser filme. Um novo sonho!

@Verdade – Com este reconhecimento ficará mais fácil conseguir financiar os teus filmes seguintes?

JR – Não sei. É muito difícil. O filme “The Bodyguard” ficou 20 anos à espera de financiamento. Este meu levou seis anos a ser financiado e nove até ficar concluído. Acho que a luta… continua!

@Verdade – Já há data de estreia do filme em Moçambique?

JR – Não. Infelizmente. Isso é uma matéria que não depende apenas da nossa vontade, que é enorme. Por mim já o teria feito há dois meses atrás. Mas não me interessa apenas uma estreia ou uma mostra do filme a um público convidado. Interessa-me que o filme entre nas poucas salas que temos e que circule pelo país nem que seja em formato de vídeo. E isso é o que se está a tentar.

@Verdade – O cinema em Moçambique é visto, nas salas que existem, por muito poucos moçambicanos. A estreia do teu filme vai ser no Xenon ou preferes fazer num cinema mais na periferia que possibilite que mais moçambicanos o assistam?

JR – Faz parte do que respondi antes. Para mim é importante o Xénon sim, mas é mais importante que o filme passe em escolas, na TV, pelos bairros tal como já o fizemos antes com outros filmes. Não há cinemas na periferia. Temos de criar os espaços, uma tela, um DVD, o público, uma projecção. Quantas mais pessoas virem, melhor.

@Verdade – Como começaste a fazer cinema?

JR – Comecei a fazer imagens em câmaras fotográficas a preto e branco e a revelá-las desde os 14 anos. Tinha um laboratório no quintal de casa. Via filmes todos os dias na minha cidade. Na altura, logo após a independência, passámos em Moçambique o melhor que se fazia de cinema no mundo. Cinema francês, italiano, jugoslavo, soviético, sueco, e alemão.

O melhor do mundo. Íamos ao cinema e discutíamos os filmes, os actores, os temas. Discutíamos a sério. Defendíamos pontos de vista e formas. Mais tarde fiz vídeo. Gravava e editava em casa, em Quelimane, e mandava para a então TVE em Maputo que as exibia. Fiz reportagens sobre as cheias, sobre a visita da Princesa Diana e do Cardeal Itchegary, por exemplo. Foi o princípio da imagem.

Depois fiz de tudo, exibi filmes, distribuí filmes, geri salas de cinema, trabalhei no arquivo de filmes, fui assistente de produção, coordenador de produção, estudei mais tarde numa das melhores escolas de cinema do mundo. Muito me orgulho de ter um diploma assinado por Gabriel Garcia Marques, meu professor de guião. Regressado da escola tive o privilégio de trabalhar com Licínio Azevedo e Pedro Pimenta, de formar equipa com Orlando Mesquita, com Sol de Carvalho.

Todos eles professores com quem aprendi um pouco. E depois, de novo uma escala, apoiando o desenvolvimento de projectos, trabalhando neles como chefe de produção, produtor e realizador. Um percurso que hoje muita gente já não faz. O tempo é outro. Passam-se etapas…

@Verdade – Quão difícil é fazer cinema em Moçambique?

JR – Muito difícil.

@Verdade – O cinema em Moçambique dá dinheiro?

JR – Essa pergunta é de novo um momento de descontracção, não é?

@Verdade – Obviamente que existe futuro para o cinema em Moçambique mas muita coisa precisa de ser feita. Se pudesses fazer três coisas para melhorar a área de cinema no país o que farias?

JR – Faria estas três acções abaixo, porém, tenhamos consciência de que não seriam suficientes para fazer a mudança:

• Uma legislação que proteja o património, promova o arquivo de imagem e facilite a produção.

• A criação de uma rede de exibição alternativa de filmes nacionais.

• Uma maior união no sector (entre produtores e realizadores) que permitisse uma maior conjugação de ideias e concentração de objectivos.

BIO

Nascido em 1962, João Ribeiro sente desde muito novo uma paixão pela fotografia e o cinema era um divertimento de todos os dias. Com o surgimento do vídeo e das câmaras VHS começa em 1982 a fazer reportagens para a então TVE (Televisão Experimental de Moçambique). Mais tarde é convidado para Delegado Provincial do INC (Instituto Nacional de Cinema) onde fazia a gestão das Salas de Cinema em algumas cidades da sua província sem nunca deixar de produzir pequenos trabalhos experimentais em vídeo. Em 1987 vai para Maputo onde fica afecto ao Arquivo de Filmes ao mesmo tempo que realiza um programa musical para a TVE.

Um ano depois passa a Coordenador de Produção do INC onde tem a seu cargo a produção dos ainda existentes Kuxa-Kanema (news reels) e documentários que se produziam na altura. Em 1990 parte para Cuba onde se forma em Realização e Produção Cinematográfica e de Televisão na importante Escola Internacional de Cinema e Televisão de San António de Los Baños (EICTV) e onde tem a oportunidade de ter como professores Gabriel Garcia Marquez (Colômbia), Ronda Heynes (EUA), Orlando Senna (Brasil) e Santiago Gutierrez Álea (Cuba) entre outros nomes importantes da cinematografia mundial.

Regressado a Moçambique em 1992 produz a sua primeira curta-metragem de ficção “FOGATA” e posteriormente junta-se à EBANO MULTIMÉDIA onde começa a trabalhar como Produtor e Realizador com Licínio Azevedo e Pedro Pimenta. Já na EBANO realiza mais uma curta-metragem “O OLHAR DAS ESTRELAS” na sequência do seu objectivo de produzir uma série de 5 adaptações cinematográficas de histórias do escritor Moçambicano Mia Couto.

De 1992 a esta parte tem desenvolvido vários projectos de produção com realizadores nacionais e estrangeiros e diversos projectos de co-produção com países da Europa e de África Austral e tem também efectuado alguns filmes como Produtor Executivo e Director de Produção para Angola, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal e Suíça. J. Ribeiro é membro fundador da AMOCINE (Associação Moçambicana da Cineastas) e da SACOD (Southern Africa Communications for Development).

É também membro da INCD (Rede Internacional para a Diversificação Cultural) entre outras associações. Tem sido convidado e participa muitas vezes em diversas conferências para a promoção da produção cinematográfica em África e em várias acções de formação dentro e fora de Moçambique.

REALIZAÇÃO

O Desenhador de Palavras 52 min., 2006 / IR / Lx Filmes Moçambique / Portugal Documentário sobre um dos maiores escritores contemporâneos de língua portuguesa, Mia Couto. Tatana IR / Fado Filmes, 35mm, 18 min., 2005 Moçambique / Portugal Adaptação de um conto inédito de Mia Couto baseado numa história tradicional Makonde O Olhar das Estrelas EBANO / SABC, 26’, 1997 Moçambique / África do Sul Fogata EICTV / INC / KANEMO,1993 Moçambique / Cuba O Comboio da Canhoca DigiBeta, 90’, 2002 1º Assistente Realização Realização de Orlando Fortunato (Angola) O Último Vôo do Flamingo [em desenvolvimento] 35mm, 90’ Adapatação para cinema do romance homónimo de Mia Couto Eleições Moçambique Ebano / CNE, 13×10’, 1994 TV / mobilização da juventude ao voto Produtor e Realizador Uma Ponte para a Democracia Ebano / USAID (Moçambique) Produtor e realizador 73º de Latitude Ebano / Poin De Vue, 45’, 1993 Produtor e Realizador (Moçambique/ Suiça)

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