Rosa Amoche, de 79 anos de idade, foi brutalmente agredida e escorraçada da sua residência pelo filho, identificado pelo nome de Beto, de 29 anos de idade, em resultado de a mãe ter descoberto que ele havia escondido uma porção de soruma e haxixe no seu quarto. O caso deu-se na madrugada de 18 de Março em curso, no bairro do Aeroporto, na cidade de Maputo.
Segundo a vítima, não é a primeira vez que isso acontece. Após a morte do seu marido, o filho passou a consumir bebidas alcoólicas de forma indiscriminada e excessiva, apodera-se de bens alheios, droga-se e interrompeu os estudos para fazer parte de numa gangue que se dedica ao roubo de viaturas e ao tráfico de droga.
Rosa Amoche considera que o filho se transformou numa pessoa rebelde, temível e que não tem vergonha de “medir forças” com a sua mãe que, para além de estar debilitada devido à sua idade avançada, o criou com bastante sacrifício. A senhora conta ainda que o jovem instalou no bairro um lugar para o comércio de estupefacientes, recrutando crianças e jovens de pouca idade para o mesmo efeito.
Devido a esse problema e aos maus-tratos a que é constantemente submetida, a anciã recorreu, várias vezes, à Polícia para pedir o desmantelamento da quadrilha. Entretanto, o seu esforço está a ser em vão porque tanto ela como os agentes da Lei e Ordem não conseguem travar o consumo de drogas. No bairro, o rapaz tem a má fama de não respeitar a mãe e ser dependente de drogas.
“Estou cansada de viver com um bandido”, desabafa a idosa cuja dor de ser violentada por alguém que a devia proteger faz com que ela almeje a morte do próprio descendente: “Se Deus tivesse tirado a vida dele (Beto) e não a do meu marido talvez não estivesse a sofrer desta maneira.”
Maria Tembe é vizinha de Rosa Amoche. A senhora diz que com a morte do esposo da vítima, tudo mudou naquela família: há mais de cinco anos que Beto consume e traficava drogas. De há uns tempos para cá, a situação piorou na medida em que o jovem agride fisicamente a progenitora. Na zona há rumores de que o visado possui uma pistola; por isso, Rosa teme pela sua vida. Neste momento, o agressor está foragido e a vítima voltou para casa com o apoio de parentes e pessoas mais próximas.
Em Moçambique, todos os dias ouvem-se relatos de idosos que são vítimas de violência doméstica, acusadas de feitiçaria e são supostamente culpados dos diferentes males que apoquentam as suas famílias. Os números de anciãos expulsos do convívio dos seus aparentes, o que degenera em pobreza para as vítimas, tende a subir anualmente, apesar das políticas de protecção desta camada social.
Mães feiticeiras
Conde Fernandes, coordenador do Fórum da 3ª idade, indica que 1.800.000 idosos vivem em condições precárias no país em virtude de terem sido abandonados pelas pessoas que deviam cuidar deles. O grosso desses anciãos deambula pelas ruas e é acusado de prática de feitiçaria, sobretudo nas províncias da Zambézia, de Manica, Sofala, Inhambane e Maputo.
Neste momento, aquele organismo necessita de fundos para executar diversos trabalhos de sensibilização da sociedade com vista a refrear a violência contra os anciãos e construir mais associações para socorrê-las.
“O Fórum não tem o apoio de Governo mas sim de alguns doadores. O que recebemos não chega para beneficiar pelo menos metade dos 80 porcento de idosos em situação de pobreza em todo o país. A falta de recursos financeiros é o nosso maior problema, o que torna difícil levar adiante o projecto de luta contra a violência de que a pessoa idosa é vítima”, segundo Conde Fernandes.
Dezenas de mortes
Só no ano passado, uma associação de promoção dos direitos do idoso na vila de Marromeu, em Sofala, registou 23 mortes de indivíduos da terceira idade à catana, alegadamente por prática de bruxaria. No distrito de Inhassoro, na província de Inhambane, mais de 400 foram ostracizadas e outras assassinadas devido ao mesmo problema.
Para Luísa Manjate, oficial de Lobby e Advocacia, em Moçambique atingir a terceira idade significa estar sujeito aos maus-tratos e à violação dos Direitos Humanos. “Ter essa idade é automaticamente passar da vida para a morte. Muitos idosos são expulsos de suas residências sem justa causa e incriminados de prática de feitiçaria”.
Aquela funcionária sénior espera que com a promulgação da Lei nº 3/2014, de 05 de Fevereiro, a sociedade esteja consciente de que é preciso respeitar e preservar os anciãos. “A nossa maior luta é promover e proteger os direitos da pessoa idosa nos termos definidos na Constituição e demais legislação nacional e internacional de protecção desta classe social.”
A expectativa de Luísa Manjate é que as famílias assegurem, defendam e promovam o direito à vida para os idosos, liberdade, saúde, habitação, vestuário, dignidade, personalidade, privacidade, segurança, bem-estar, lazer, propriedade privada e a protecção social, independentemente da cor, raça, sexo, origem, étnica, religião, grau de instrução, posição social, condição física e psicológica.
Disposições da Lei
Segundo o número 1 do artigo 17, da norma a que nos referimos acima, “cabe à família, à comunidade, à sociedade e ao Estado assegurar à pessoa idosa a efectivação de todos os direitos humanos, em caso de viuvez, incluindo o direito à herança nos termos previstos no direito das sucessões.”
O artigo 21 realça que “verificada qualquer das situações que atentem contra os direitos da pessoa idosa, os serviços da acção social, a requerimento do mesmo ou de qualquer pessoa, providencia o encaminhamento à família ou tutor mediante termo de responsabilidade.”
Para as entidades que desenvolvem programas de acolhimento de longa permanência do idoso, a Lei determina os seguintes procedimentos: “preservação dos vínculos de familiaridade, atendimento personalizado e em pequenos grupos”, dentre outras acções que garantam uma vida digna à pessoa visada.