Fátima Mocha, cuja idade desconhece, é um exemplo da hostilização de indivíduos da terceira idade na sociedade moçambicana, que se caracteriza pela rejeição e consequente marginalização. O repúdio a que a idosa está sujeita no seio da sua própria família agravase com as constantes acusações de prática de feitiçaria. A esmola é a única fonte de rendimento para a sua sobrevivência.
Em 2009, a idosa a que nos referimos perdeu o seu marido com o qual vivia. Foi, na verdade, o início de um martírio sem precedentes. Mocha foi abandonada pela própria família. A idosa começou a mendigar nas diferentes artérias da cidade de Nampula. O esposo, ainda em vida, ajudava nos trabalhos da machamba e conseguia produzir alimentos, embora não fosse suficiente para garantir o seu sustento durante todo o ano.
O casal já sofria, em silêncio, de acusações alegadamente porque estava a praticar a bruxaria para prejudicar os demais familiares. Os netos da anciã não têm tido sucesso no mercado de emprego e no processo de candidaturas de ingresso às instituições de ensino superior públicas.
Por isso, a culpa de tudo recai sobre a nossa interlocutora. Não é um caso insólito na sociedade moçambicana. Anualmente, são reportadas milhares de histórias de pessoas da terceira idade que são ignoradas pelos próprios familiares. Mesmo que haja, no país, várias instituições de caridade, apoiando os idosos e pessoas carenciadas, o amor e o carinho prestado no seio familiar são indispensáveis para o bem-estar de qualquer cidadão, porém, o que acontece é o contrário.
As “bibliotecas vivas” vivem agonizadas, principalmente porque os próprios familiares as desprezam. Os produtos, nomeadamente pão, arroz, açúcar, entre outros, oferecidos a cada sexta-feira por pessoas de boa- -fé não são suficientes para suportar as necessidades básicas da casa de Mocha. Há quem ofereça dinheiro, mas não tem sido muito.
A cada sexta-feira, a anciã amealha 100 meticais. Os donativos adquiridos nos estabelecimentos comerciais, confissões religiosas e instituições de caridade não ajudam a suprir as necessidades básicas. Portanto, ela recorre às lixeiras para recolher restos de comida. Mocha é crente da Igreja Católica, cuja comunidade se situa no bairro de Carrupeia.
Os seus “irmãos” são uma parte das pessoas que apoiam a anciã a ultrapassar algumas dificuldades quotidianas. Por exemplo, um grupo de jovens tem disponibilizado dinheiro que é usado na compra de diverso material de construção para melhorar a cobertura da residência de apenas um quarto e uma sala que partilha com uma neta, cuja progenitora morreu em 2011 vítima de um acidente de viação.
O futuro (in) certo da pequena Cátia
A anciã é deficiente visual há mais de quatro anos e tem uma deformidade na perna direita, facto que dificulta a sua locomoção. Foi, por isso, que Mocha começou a viver com a pequena Cátia, uma criança que, igualmente, desconhece a sua idade. A menor é órfã de pais. Graças à petiza a anciã percorre as ruas e as avenidas da cidade em busca de sustento diário.
A menor contou que a tarefa de guiar a idosa é uma missão espinhosa, pois é necessário, antes de mais nada, dominar o perímetro urbano e identificar as zonas onde há pessoas sensíveis e capazes de prestar ajuda ao próximo. A tarefa de acompanhar a idosa às lojas, confessou a pequena Cátia, deixa-a comovida pois considera que é uma grande responsabilidade ajudar quem precisa. “Todas as pessoas deviam sentir-se assim”, anotou.
Entretanto, existe uma questão que para Cátia é um sonho irrealizável: estudar. Desde pequena nunca teve a oportunidade de frequentar uma escola. E o pior é que não alimenta esperanças de um dia vir a estudar devido à falta de condições financeiras para o efeito. O seu dia-a-dia resume-se a acordar e fazer os trabalhos de casa.
Durante as 24 horas do dia, Cátia tem apenas duas para brincar com as suas amigas. Durante a maior parte do tempo ela dedica-se às tarefas domésticas. Quando acorda, a menina deve ir buscar água no poço a escassos metros da casa, lavar pratos, varrer o pátio e depois cozinhar. Apesar de tudo, ela considera-se uma criança feliz.