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Toma Que Te Dou: Falando com Mangoba num fim de tarde na Maxixe

Estava sentado na borda de um barco ancorado na areia em maré vaza, com as suas pernas compridas dependuradas, balançando como dois badalos que se vão batendo amorosamente, sem pressa. Tinha os braços compridos, relaxados por sobre a fímbria de uma embarcação cansada por demais, fundeada na areia.

Reconheci-o à distância, e agradeci a Deus por ter colocado aquela baleia estranha no meu circuito, pois, desde que estou novamente na minha terra, tenho perguntado pelo Mangoba, e a resposta que vou encontrar não será de todo surpreendente: Mangoba está cansado, perdeu o vigor nas barbatanas, e as suas guelras puxam com muitas dificuldades o oxigénio para manter vivo o homem que fez história nas baías de Inhambane e Maxixe.

Cheguei perto deste bicho dos dias aziagos e dos mares glaucos e das marés equinociais e dos dias imprevisíveis. Sentei-me também na borda do mesmo barco em que Mangoba se encontrava, provavelmente a comunicar com os seus espíritos.

Olhou para mim com uma cara rude, mais do que entranhada pelas rugas e não articulou palavra, mesmo depois de eu o ter saudado com vigor, para contrariar o seu estado desolador. Parecia um leão exausto. Sem juba. Sem garras. Sem dentes. Dava-me a sensação de que aquele felino dos mares acolhia uma tremenda vontade de me atacar, mas Mangoba era uma fera sem tenacidade.

Fiquei momentaneamente sem saber o que dizer diante do mutismo do homem da Maxixe. Estava ali com ele, lado a lado, perscrutando o silêncio da maré vaza. Virei a minha cabeça por sobre o meu ombro esquerdo e vi a ponte da Maxixe, reabilitada e linda, por cima da qual as pessoas vão e vêm.

Contemplo barcos e barcaças ali ancoradas. Oiço vozes de longe, de gente que fala várias línguas, e o sol já não se vê dali onde estamos, escondeu-se por detrás do imenso coqueiral que se vai tornar, por séculos e séculos, no orgulho dos vatonga.

Mangoba ignorou-me completamente. Absolutamente. Literalmente. E, pior do que isso, estou sentado ao lado de uma figura sinistra, que se vira novamente para mim, agora com palavras constituídas de aço: o quê que você quer?

Era uma pergunta difícil de responder. Na verdade eu não sabia o quê que queria ao lado daquele barómetro humano. Até porque não estou investido de nenhum direito para aborrecer o sossego e a levitação de uma das figuras que eu mais admiro e idolatro nas cidades de Inhambane e Maxixe. Senti-me muito pequenino. Insignificante. Intruso. Mas mesmo assim não podia vacilar. Nunca vacilo, nem diante das piores adversidades. Nem agora que uma força cheia de poder me coloca frente a frente com uma orca.

Mangoba voltou a questionar-me, numa voz esfalfada, roufenha, sem parar de balançar as longas pernas, que se vão bater amorosamente uma à outra como dois badalos.

– O quê que você quer?

– Só vinha saudar-te. Há muito tempo que não te via e, quando te reconheci aqui sentado, vim logo a correr para te dar um abraço.

– Quem é você?

Pensei logo que o meu nome não podia dizer absolutamente nada ao Mangoba, mas enganei-me.

– Chamo-me Alexandre Chaúque.

– Você é que canta aquela música Wagu Khedza Mbeli?

– Sim, sou eu!

Mangabo riu-se a valer. Levantou-se e abraçou-me fortemente.

– Você é maluco!

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