Os presos de Guantánamo que receberam refúgio no Uruguai foram convertidos quase em vegetais depois de terem sido submetidos ao isolamento na prisão norte-americana em Cuba, disse, esta quarta-feira (25), o presidente uruguaio, José Mujica.
O Uruguai recebeu em Dezembro quatro sírios, um palestino e um tunisiano como parte do plano do presidente norte-americano, Barack Obama, de distribuir os prisioneiros na tentativa de fechar a penitenciária onde centenas de suspeitos de terem ligação com a Al Qaeda ficaram presos, muitos deles sem processo legal.
Os seis ex-presos muçulmanos foram alojados numa casa num bairro popular de Montevidéu, receberam dezenas de ofertas de emprego e aulas de espanhol, mas todos concordam que ainda não estão em condições de trabalhar e outro exige uma compensação dos Estados Unidos.
“São pessoas que estão destruídas”, disse Mujica, um ex-guerrilheiro de 79 anos que gosta de quebrar o protocolo, em entrevista à Reuters. “Pegaram-lhes numa etapa jovem da vida e mataram mantendo-os presos.”
Com a ajuda de uma entidade internacional, Mujica, que entregará o cargo ao colega de partido Tabaré Vázquez no domingo, garantiu que o Uruguai dará apoio económico aos ex-presos. Contudo, acredita que mesmo sendo instruídos durante anos, os esforços não vão dar muitos frutos.
“Falta neles o fogo interior, o afã de lutar pela vida, transformaram-lhes meio que em vegetais”, disse Mujica. Um dos ex-réus que já tem passaporte pediu, inclusive, para deixar o país sul-americano. “Estamos a ver em alguma embaixada de algum país árabe que o receba”, afirmou.
A presença dos ex-presos deixou muitos uruguaios preocupados, no princípio, com a segurança, assim como aconteceu também com a controversa iniciativa de Mujica de legalizar a produção, venda e consumo de soruma.
O seu sucessor tem se mostrado cauteloso com a iniciativa sobre a soruma e disse que tomará todas as precauções para que o projecto não afecte a segurança pública. A proposta, que pretende tornar-se uma alternativa para combater o tráfico de drogas, ganhou as páginas dos jornais em todo o mundo, mas ainda não foi totalmente implementada pela falta de precedentes, o que tem complicado colocar as ideias em prática.
Mujica disse que o maior desafio para o sucesso da iniciativa de legalização pioneira é estabelecer um preço de venda de soruma que seja justo e menor ao do mercado negro. “O obstáculo pode estar na relação de preços, para que chegue ao consumidor a um preço aceitável e que seja bom”, disse ele à Reuters no seu modesto sítio localizado na periferia de Montevidéu. “Os produtores vão tentar ganhar mais dinheiro, como em qualquer negócio.”
A experiência do Uruguai é acompanhada de perto por diferentes países do mundo e da própria região, que procuram novas alternativas para lutar contra as drogas depois de anos de combates frontais que não acabaram com o flagelo.
Mujica fez um balanço do seu governo e não se considerou um bom presidente. Apesar de conseguir estabilizar a economia e reduzir a pobreza com programas sociais, não freou a deterioração da educação, nem o avanço da insegurança. “É provável que seja um agitador. Outros virão e o farão melhor”, disse.
Vizinhos
Mujica garante que a região conseguiu uma ampla integração em termos políticos, mas nem sempre nos comerciais. E neste sentido destacou a vizinha Argentina, um dos seus principais países parceiros. “A Argentina teria que se preocupar com seus problemas internos, mas também para o bairro.
Não pode tratar o bairro como trata o resto do mundo, essa é a diferença”, disse o presidente, referindo-se às restrições comerciais argentinas que reduziram as exportações uruguaias ao país em 15 por cento nos últimos anos.
“Tem todo o direito de priorizar a sua visão interna. Agora, considero que a visão interna é o Mercosul”, acrescentou ele sobre o bloco comercial integrado também por Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela. Mujica disse estar muito atento à crise na Venezuela e o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que enfrenta uma queda na popularidade no meio de uma recessão económica.