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Eterno regresso…

Eterno regresso…

Na semana em que o Ministro dos Transportes e Comunicações afirmou que o problema de transporte tem os dias contados, @Verdade acompanhou, no final dum dia de trabalho, o drama dos moçambicanos no regresso às suas residências. Apesar do regresso das carrinhas de caixa aberta, as pessoas levam mais de duas horas no caminho, viagem ensardinhadas e as soluções ainda não deixaram de ser uma miragem.

Quinta-feira à tarde. Estamos no bairro da Polana Cimento, concretamente na paragem museu, que deve o epíteto ao Museu de História Natural, situado na Praça da Travessia de Zambeze. Simultaneamente mercado e terminal de transportes, o local das paragens mais movimentadas da capital.

Aqui, o dia começa e termina relativamente cedo, pelas seis da manhã ou 4 horas da tarde. Oriunda dos bairros periféricos, uma parte dos dois milhões de pessoas que vive a volta de Maputo e trabalha na zona urbana cruza-se debaixo do sol ou da chuva que se faz sentir no local. Uns vêm buscar sustento na venda de bebidas alcoólicas, refeições, calçado, roupa ou lavagem de carros. Outros na rotina e nas formalidades de um emprego no escritório, nas barracas ou como empregados domésticos nas redondezas.

Vicente Abudo, de 32 anos de idade, pai de dois filhos, vigilante de uma empresa de segurança privada e casado com uma mulher desempregada, vive para lá do bairro Albazine há pouco mais de 20 quilómetros do centro da cidade. Veste uma camisa branca, calças castanhas e sapatos pretos. São 15h50 e já está no Museu à espera do autocarro dos Transportes Públicos de Maputo, (TPM).

A fila onde se encontra inserido tem mais de duzentas pessoas e Abudo está entre as últimas quatro. Um agente da polícia camarária tenta manter a ordem e logo aparece uma camioneta de caixa aberta.

Todos correm para entrar na carroçaria, mas Abudo prefere aguardar pelos autocarros dos TPM. São 17h45. A noite espreita e há duas horas que os autocarros não chegam. Abudo perde a paciência e decide procurar um “chapa”.

Desta vez vai arriscar, mesmo sabendo que terá de pagar cinco vezes mais para chegar à sua casa. Passam 30 minutos quando surge um autocarro de 15 lugares licenciado para a rota Xipamanine-Museu. O cobrador exige dinheiro trocado e avisa que vai até a Praça dos Combatentes, vulgarmente conhecida por Xiquelene. Abudo hesita, mas entra.

No “chapa”, os passageiros conversam sobre a situação dramática a que o sector dos transportes urbanos chegou. Uns culpam o ministro de tutela, outros acusam o Executivo. “Não faz sentido, 35 anos depois da independência, continuarmos transportados em camionetas, por sinal já banidas há muito tempo. O ministro devia demitir-se por incompetência”, dizem. “Nos tempos do presidente Chissano não era assim”. Entre desabafos e reclamações, as 19h05 chegámos ao Xiquelene.

Da Praça dos Combatentes, apanhámos outro “chapa”, desta vez com indicação Museu-Magoanine, mas o cobrador anuncia que só vai até Hulene expresso. Já se faz tarde e não há escolhas. Além de arrumador e angariador, aqui o cobrador é uma espécie de autoridade. Dita as regras e decide o rumo das coisas. “Tu vai para o colo daquele senhor. A menina páre de ser arrogante porque isto não é um passeio de namorados. Jovem deixe passar este senhor e não reclame. Se não quer viajar neste carro desça ou alugue um táxi…”, diz Zezito, enquanto tenta arrumar as pessoas, puxa umas e empurra outras.

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Os cobradores são sempre assim. Muitas vezes são confusos, mal-educados, não respeitam os passageiros e nunca se conformam com a lotação dos autocarros até conseguir o impossível. Não importa se as pessoas pisam umas as outras, que toda a gente caia para cima de toda a gente, que muita gente vá de lado, com as costas a entrar pelos tubos de metal, com a cara enfiada nas costas de alguém, com um cotovelo nas costelas, o que lhes importa é ganhar e ganhar mais dinheiro.

Diferentemente das manhãs, ao final do dia a viagem demora mais e as pessoas trocam menos de “chapa” porque já não têm a responsabilidade de chegar a tempo e assim poupam o dinheiro, mas hoje a sorte é diferente, o sofrimento e o sacrifício são iguais aos das primeiras horas. Ao contrário dos outros dias, Abudo e outros pagaram 25 meticais e demoraram seis horas para chegar. Em condições normais nas tardes, gastam cinco ou dez meticais e ficam na estrada durante três horas de tempo.

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Saíram do Museu até a praça dos Combatentes. Foram para Hulene, continuaram até Magoanine, onde pegaram o último carro. Abudo ganha pouco mais de três mil meticais que reparte para pagar água, luz, transporte e escola dos filhos. “Geralmente, até os dias 15 de cada mês fico sem dinheiro. Sobrevivo de empréstimos”, disse. Na véspera, quando entrou de serviço no centro da cidade, apanhou um “chapa” até a P. dos Combatentes e depois outro até ao Museu. Curioso é que o outro era o mesmo, largou-lhe numa rotunda e o apanhou noutra, com o cobrador a gritar por outra paragem.

É sempre assim. Os transportadores fazem meio percurso de cada vez e cobram a dobrar, sob olhar impávido dos agentes da Polícia Municipal, que estão sempre posicionados nas paragens. Há um mês, foram integrados mais homens nas fileiras. “Os 200 agentes vêm reforçar a capacidade do Município em termos de recursos humanos e vão contribuir para melhorar a prestação de serviços aos munícipes”, disse na altura o edil da cidade de Maputo.

“Eles vão atacar o problema do encurtamento de rotas e o comércio informal que cresce desordenadamente na nossa cidade”, acrescentou David Simango.

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O rácio cidadão-polícia municipal continua aquém do desejado. De acordo com o comandante da Policia Municipal de Maputo, António Espada, o ideal seria 250 mil munícipes para um agente. Neste momento, 900 mil munícipes estão para um agente da polícia camarária. De Hulene para Magoanine surge um novo puxa-e-empurra.

As pessoas lançam-se, agarrando-se ao telhado e o “chapa” treme parecendo que vai virar mas não. Ninguém vai com as pernas direitas, na vertical, toda a gente segue torta quase a cair mas não cai, que não tem espaço. Um senhor de aparentemente 50 anos de idade, diz meio a sério: “O sector dos transportes deste país já teve dias melhores do que hoje”. Os adultos corroboram e os mais novos apenas escutam.

Crise com fim à vista?

Consta que já se encontram em Maputo, cerca de 50 autocarros que vão beneficiar o sector privado de transporte, faltando apenas concluir as negociações com a Banca sobre as modalidades de pagamento. Este processo, segundo fontes do Ministério dos Transportes e Comunicações, foi iniciado em meados do ano passado. Sofreu alguma morosidade, dizem, porque houve falhas no pedido de isenção do pagamento dos direitos de importação.

Diz-se igualmente que existe um lote de 150 autocarros de marca Tata, adquiridos na Índia, cuja chegada está prevista para os próximos quatro a cinco meses. Mas será que a solução do problema dos transportes urbanos se resume ao aumento de viaturas que circulam nas cidades? Com certeza que não.

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@Verdade ouviu alguns cidadãos e a opinião generalizada é a de que se garantir a melhoria da actual rede de estradas e multiplicar as vias de acesso. “O aumento da frota sem observar a melhoria das estradas poderá resultar num maior congestionamento do tráfego”.

Actualmente, um autocarro chega a levar cerca de uma a duas horas para percorrer uma distância que, em condições normais, precisaria de levar apenas 20 minutos.

O ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, afirmou existirem várias medidas para minimizar os problemas de trânsito. Algumas delas passam pela redefinição do sentido de algumas estradas durante as horas de ponta.

Por exemplo, das 6h00 até às 8h00 horas da manhã o tráfego na avenida 24 de Julho será feito apenas num sentido e na Avenida Eduardo Mondlane no sentido inverso. Também está em curso um processo para a aquisição de autocarros articulados, com uma capacidade para transportar entre 150 a 170 passageiros.

“Os articulados são muito bons na altura do congestionamento, pois na hora do pico cada um leva 160 a 170 passageiros, porém passado o período do pico tornam-se ineficientes porque depois andam completamente vazios”, explicou Zucula.

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