Primeiramente queremos saudar a todos os trabalhadores da vossa Redacção e desejar-lhes um óptimo dia de trabalho. De seguida, pedimos a vossa atenção para o assunto abaixo apresentado. Igualmente pedimos que se dignem publicar esta informação nos vossos serviços noticiosos.
Como referimos acima, somos estudantes bolseiros moçambicanos na Federação Russa. Viemos por meio desta carta denunciar as más condições que o Instituto Nacional de Bolsas de Estudos (INBE) nos oferece. Várias vezes comunicamos ao INBE sobre este assunto, mas não recebemos nenhuma resposta. Simplesmente o assunto é ignorado. Mas é do conhecimento deles que precisamos de uma ajuda urgente. Ao que passamos aos detalhes da nossa carta.
1. Subsídios. O INBE subsidia-nos com um valor de 150,00USD mensais, que é processado semestralmente. Por semestre recebemos 900,00USD, mas, devido às taxas bancárias do processamento, recebemos 860,00USD. Estamos a receber esta quantia desde 2007, e começou como um processo experimental.
Em 2009 O INBE enviou um trabalhador (dr.a Sofatélia Navingo) que vinha ver as nossas condições de vida e de estudos. Foi uma inspecção que se limitou às três grandes cidades (Moscovo, São Petersburgo e Rostov), onde existem as menores concentrações de estudantes moçambicanos. Mesmo assim, essa inspecção confirmou que o custo de vida na Rússia é muito elevado. Gasta-se cerca de 10,00USD a 15,00USD por dia.
A título de exemplo: um pão custa 25,00rub (aproximadamente a 1,00USD). O transporte público custa 28,00rub (1,00USD), o metro custa 22,00rub. Ambos os preços são só de ida. Um estudante todos dias apanha o metro e depois um transporte público até as engenharias. Por transporte diário gasta-se cerca de 4,00USD.
Alguns estudantes, por falta de dinheiro de transporte, apenas apanham o metro e depois caminham cerca de 30 minutos até as engenharias. E isso traz os seus problemas, sobretudo no Inverno. Na faculdade há brochuras a que não podemos ter acesso, porque fotocopiar custa dinheiro. Nem podemos ter acesso ao material deixado pelos professores no site da universidade, porque a Internet custa exactamente o dinheiro que não temos.
Somos obrigados a “mendigar” nos zambianos, angolanos, swazis, malawianos, para nos permitirem usar os seus computadores. Por mendigar queremos dizer que apenas fazemos amizades com aqueles que nos podem dar os seus computadores e passamos horas e horas nos seus quartos só para ter acesso à Internet.
Com toda a vergonha na cara, admitimos que outras vezes passamos horas nos seus quartos para podermos ter algo para o jantar! Visto que a alimentação é outro problema que temos. Não temos uma alimentação minimamente boa para enfrentar o clima frio deste país. Nem meios para comprar roupa de Inverno, razão pela qual boa parte de nós anda doentia. O estudante moçambicano é o único que não celebra a independência do seu País, às vezes nem o próprio aniversário.
Depois de tudo isto, o moçambicano é visto por todos como o coitado. Embora ainda existam alguns que não se subordinam aos cidadãos de outras nacionalidades. De tudo isto o INBE tem conhecimento. Os estudantes moçambicanos não têm uma vida estável. Vivemos entre apertos e dívidas. Vivemos num ciclo de dívidas.
Quando recebemos, quase metade do valor vai para o saldo das dívidas. Alguns recorrem a grupos de máfia para pedir emprestado dinheiro (penhoram os passaportes por um determinado tempo). E nós ainda esperamos pela solução prometida que tarda a chegar. Importa também referir que uma vez por ano recebemos adicionalmente 200,00USD alegadamente para o pagamento do seguro anual de saúde. Mas, para além do seguro de saúde, anualmente pagamos o alojamento e os seus serviços (água, luz e limpeza).
Adicionam-nos 200,00USD quando temos que gastar 300,00USD! Também importa referir que o Estado russo nos subsidia mensalmente com um valor de 40,00USD. Tudo isto se passa sob o olhar indiferente do director do INBE, Prof. Dr. Octávio de Jesus. Para aliviar este problema temos as seguintes propostas:
– Se o nosso Estado não tem condições para subsidiar esta bolsa, então que pare de enviar jovens para virem perder a sua saúde e o orgulho patriótico nesta terra. Estamos cansados de passar vergonha diante dos outros estudantes (sobretudo de estudantes africanos). E não acreditamos que não haja meios para tal. O nosso País não é pobre para não ter meios de investir na formação adequada de cerca de cem estudantes.
– O mínimo que devíamos receber de subsídio mensal são 300,00USD. Enquanto isso, os outros países, que prestam mais atenção aos seus estudantes, fazem esforços para subsidiar acima de 500,00USD porque conhecem a situação em que os seus estudantes se encontram e tentam aliviar na medida do possível. Estamos a falar de países como Burundi, Angola, Zambia, Swazilândia, Malawi, entre outros.
– Gostaríamos de ter um representante dos estudantes na Embaixada. Porque na Embaixada não tratam os problemas dos estudantes, exceptuando o processamento dos subsídios.
2. Aliada aos subsídios está a nossa incapacidade de ir para casa de férias pelo menos uma vez durante os cinco ou seis anos de estudos. Se mal nos conseguimos alimentar, já não podemos sonhar em economizar para pagar uma passagem para casa. Quem consegue uma, é por meios próprios.
Consequentemente, para quem não consegue nenhuma, os últimos anos de estudos são os mais improdutivos. Sentimo-nos presos na Rússia. Quando ganhámos a bolsa há anos atrás, tudo parecia uma aventura. Era a nossa ingenuidade de adolescentes a tomar conta das nossas emoções. Mas o INBE já sabia de antemão o que nos esperava.
Esta bolsa já foi um prestígio, na época da União Soviética – quando o governo russo tomava todas as responsabilidades sob os estudantes estrangeiros e pagava todas as suas contas. Nos dias de hoje as coisas mudaram, esta bolsa já não tem mais nada além do seu significado histórico. Todas as responsabilidades estão a cargo dos países que enviam os estudantes.
E está a ser confirmado que o nosso País não tem vontade de continuar a financiá-la! Não pedimos uma passagem directamente, mas um subsídio que nos permita economizar o suficiente para pagar uma. Mas também não seria o único país africano a dar uma passagem aos seus estudantes. Pelo menos uma passagem durante esses cinco ou seis anos de estudos.
3. Terminados os estudos, o Instituto Nacional de Bolsas de Estudos compra-nos uma passagem na qual apenas temos o direito de levar os mesmos 30Kg que levámos quando viemos à Rússia. Como se os cinco ou seis anos de estudos não significassem muita mudança.
Ou, como se o Instituto Nacional de Bolsas de Estudo promovesse o mercenarismo entre os seus estudantes: “vendam tudo o que têm, levem apenas a vossa roupa e apareçam no aeroporto”. Porque na verdade é isso o que acontece.
Os poucos objectos simbólicos que adquirimos, ou que nos são oferecidos, acabam ficando para trás. Incluindo o material académico que seria a base da nossa futura actividade. Connosco levamos de volta a Moçambique apenas as lembranças de uma vida árdua e um diploma.
De todos nós, apenas costumam merecer atenção os recém-chegados na Rússia. Mas assim que termina o curso preparatório, acaba tudo. Sentimos que os bolseiros que estão na Rússia não beneficiam dos mesmos privilégios que os bolseiros que estão nos outros países.
Tendo dito, agradecemos a vossa atenção. Mais uma vez, pedimos a vossa colaboração para o melhoramento das condições da nossa bolsa. Estamos cansados de passar vergonha e de acreditar em falsas promessas. Sabemos que o nosso País pode oferecer melhores condições que as actuais. Igualmente sabemos que pode haver vontade por parte do Ministério da Educação. Mas o órgão intermediário entre nós e o referido Ministério não dá a devida seriedade ao assunto.
E assim encerramos a nossa carta.
Sinceramente
Os estudantes
Resposta do INBE em relação aos estudantes da Rússia
Segundo o director do Instituto Nacional de Bolsas de Estudo, Prof. Doutor Octávio Manuel de Jesus, o INBE tem tido contacto permanente com todos os estudantes bolseiros que se encontram na Rússia, assim como a Embaixada também tem atendido prontamente a todas as preocupações dos bolseiros que se encontram naquele país.
No que ao pagamento de subsídio diz respeito, o INBE dá primazia aos estudantes que estão no estrangeiro. Outrossim, o que o INBE paga é um subsídio de reforço (subsídio adicional) porque a Rússia se responsabiliza, ou seja, dá um subsídio em dinheiro para as necessidades básicas.
Segundo Jesus, os bolseiros da Rússia, Argélia e Tanzânia são os que têm um subsídio de 150 USD, enquanto os bolseiros de outros países, como são os casos de China, Brasil, só para citar alguns, têm um subsídio de 100USD.
De salientar que os estudantes antes de viajarem são informados das condições que vão encontrar no país de destino. Portanto, eles saem do país com informação suficiente das dificuldades que vão enfrentar. “Ninguém é obrigado a ir ao exterior, os estudantes de antemão já têm conhecimento das condições que vão encontrar no terreno, e o que o Governo lhes vai dar para garantir a sua subsistência, bem assim os seus estudos” afirmou Jesus.
No que concerne às visitas que o INBE efectuou a algumas cidades russas (Moscovo, São Petersburgo e Rostov) “ não é verdade que são as cidades onde há menos estudantes, visto que antes de se efectuar a viagem o INBE entra em contacto com a Embaixada para poder dar o parecer em relação aos locais onde deve decorrer a visita, dando-se primazia onde haja mais estudantes, como também se dá um informe a todos os estudantes da vinda da visita” esclareceu a chefe do Departamento de Bolsas de Estudo, Dra. Sofatélia Navingo.
Para Navingo, não se pode fazer comparações entre estudantes angolanos e moçambicanos porque cada país tem as suas especificidades. Os bolseiros devem perceber que não são os únicos que estão a beneficiar de bolsas de estudo. O INBE faz apenas a gestão dos fundos que lhe são alocados. Quem decide em termos de aumento dos subsídios não é o INBE, é uma medida do Governo que é decidida a nível central. E a vir a aumentar-se, não se vai olhar apenas para os estudantes que estão na Rússia, mas sim para todos os estudantes tendo em conta a sua especificidade.
Em suma, as informações que vieram parar a imprensa, enviadas por um suposto grupo de estudantes bolseiros moçambicanos que se encontram na Rússia não tem nenhum fundamento, porque não são legítimas. Se de facto se tratasse de estudantes, o INBE já teria conhecimento por meio dos mecanismos de comunicação existentes na Rússia, assim como em Moçambique.
Actualmente, existem 103 estudantes bolseiros na Rússia.