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Estigma aos doentes, indiferença às medidas de prevenção e incapacidade do Governo prover água condicionam combate à covid-19 na Cidade de Nampula

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A pandemia respiratória causada pelo novo coronavírus trouxe de volta o estima aos doentes em Nampula. “Depois de ficar dias a respirar por aparelhos a minha família abandonou-me, agora chamam-me de corona” conta ao @Verdade um dos sobreviventes. Mas embora tenha sido a região de Moçambique onde ocorreu o primeiro óbito e onde a covid-19 propagou-se cedo pela comunidade o uso da máscara de protecção facial ou a lavagem das mãos ainda é encarada com indiferença. Decorrido 1 ano o Governo tem sido incompetente para prover a necessária água para a higiene, até o covidário tem falta do precioso líquido, “estamos a trabalhar com os nossos parceiros no processo de mobilização de fundos” declarou o Secretário de Estado da província.

“Tive uma forte constipação e na empresa fizeram-me o teste, deu positivo para covid-19. Como não tinha sintomas fiquei em isolamento no acampamento e após 14 dias deram-me como recuperado”, recorda-se o jovem Rafael Amade, funcionário de uma empresa sub-contratada no maior projecto de gás natural em Moçambique, que tendo dias de folga decidiu viajar do Distrito de Palma, na Província de Cabo Delgado, para visitar familiares e amigos na Província de Nampula, sua terra natal.

Chegado à Cidade de Nampula começou a sentir fortes dores de cabeça, o corpo muito dorido e certo dia o ar faltou-lhe, “parecia que alguém estava a asfixiar-me. Fui evacuado de emergência para o hospital, onde fui ligado a aparelhos que pouco posso escrever”.

“Quando acordei vi que outros dois meus colegas de trabalho também estavam internados, um dos quais acabou por perder a vida”, relatou com os olhos lacrimejantes o jovem mecânico de máquinas pesadas que após deixar o covidário teve de enfrentar a ira dos vizinhos que não o queriam no Bairro de Napipine, valeu a intervenção da polícia, “tem existido a falta de sigilo pelos profissionais de saúde que fazem acompanhamento, o que faz com que haja discriminação, porque aqui em Nampula a consciência das pessoas em relação a esta pandemia continua a ser como o vírus de sida”, lamentou.

Entre Abril e Junho de 2020 as instalações da petrolífera Total, que lidera o projecto de exploração de gás natural no Distrito de Palma, foram o epicentro da pandemia em Moçambique, quase um milhar de funcionários ficaram infectados e muitos assintomáticos propagaram o novo coronavírus para quase todas as províncias e além fronteiras.

Curado, Rafael Amade tornou-se num activista da luta contra a covid-19 tendo adquirido com as suas economias mais de duas mil máscaras de protecção facial, meio milhar de baldes de água e grande quantidade de sabão que distribuiu por alguns mercados da Cidade de Nampula.

“Agora fui apelidado de corona”

“Comecei com tosse e febres que não passavam, tomei alguns antibióticos que costumam resultar mas fiquei pior. Decidi ir ao Posto de Saúde de Namicopo, fizeram uns testes, receitaram-me paracetamol e amoxicillina e fui obrigado a deixar o contacto”, puxa pela memória Awade Mirione *, um pai de família de 45 anos de idade, que enquanto via a sua saúde piorar ficou mais preocupado quando recebeu uma chamada do Posto de Saúde informando que estava infectado pelo novo coronavírus.

Não faz ideia de como e onde pode ter apanhado a doença, mas esteve sempre exposto sem máscara e quase nunca lavando as mãos, contou ao @Verdade que os profissionais de Saúde vieram à sua residência, testaram as duas filhas e a esposa e ainda pediram contactos das pessoas com que estivera nos 2 dias anteriores. “Fiquei revoltado com o pessoal de saúde e pus-lhes fora da minha casa que na altura ficou rodeada de pessoas atraídas pela viatura deles”.

Ainda o dia não tinha terminado e este mecânico de profissão que sentiu que a sua dificuldade de respirar piorava, acabou por ser levado ao Hospital Central de Nampula de onde foi encaminhado ao Centro de Isolamento para doentes com covid-19 e só saiu 2 semanas depois, “só respirava graças aos aparelhos”.

Mas a alta hospitalar significou o início de um novo desafio: “o pessoal de saúde trouxe-me para casa, mas mesmo com a presença do secretário do bairro a família toda abandonou-me, diziam que eu trazia consigo o vírus. Foram dias tristes, os vizinhos evitavam-me e até no mercado ninguém me vendia nada, agora fui apelidado de corona”.

“Disseram-nos para fazer copias de alguns testes de apoio mas os meus pais não tinham dinheiro”

Uma das primeiras medidas de prevenção da pandemia foi a suspensão das aulas presenciais, cerca de sete semanas após o início do Ano Lectivo de 2020. “Tivemos pouco tempo em contacto directo com os professores, os textos de apoio eram volumosos e o valor cobrado estava acima das capacidade da minha mãe, que mesmo para nos alimentar, é graças a pequenos negócio”, recorda Sacia Manuel.

A adolescente de 16 anos de idade, que frequentava a 10ª classe na Escola Secundaria de Namicopo, compartilhou com o @Verdade “não temos televisão para assistir as aulas por lá ministradas” e não tem dúvidas que 2020 é um ano que vai marcar pela negativo toda sua vida.

“As cópias dos testes de apoio estavam à venda, o que não é sustentável para o numero de disciplinas que tenho e nem sempre estávamos disponíveis para os programas de telescola, agradeço porque tivemos a passagem automática”, declarou Natasha Chambiro que estudava a 11ª classe e receia regressa à escola pois “não há condições mínimas para lavar as mãos”.

A adolescente, de 17 anos de idade recorda que ficar em casa trouxe outros custos, principalmente de comida, para a sua família de poucas posses e onde os rendimentos vêm de pequenos negócios informais cada vez mais difíceis devido as limitações para prevenção da covid-19.

Para Maissa Abdala, estudante finalista da 12ª classe na Escola Secundária 12 de Outubro, os meios alternativos introduzidos pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano em nada ajudaram para continuar a estudar.

“Mandaram-nos fazer copias de alguns testes de apoio mas os meus pais não tinham dinheiro. Tentei aproximar alguns colegas porém a falta de explicação afectou muito. Quando retomarmos as aulas presenciais respirei de alívio mas o tempo não foi suficiente aprender todas a matéria”, desabafou a jovem que quer ser médica mas teme que não tenha aprendido o que precisa para concorrer com sucesso à universidade.

“Facilmente podemos ficar contaminados pela doença e transmitir aos nossos familiares”

Na cidade onde foi registada a primeira vítima mortal da pandemia em Moçambique, uma criança de 13 anos de idade em fins de Maio de 2020, funcionam quase sem a observância das medidas básicas de prevenção da covid-19 três cemitérios municipais: não existe água corrente, o sabão aparece e desaparece, não há equipamentos individuais para os coveiros e os familiares dos finados ignoram o número máximo de participantes, não respeitam o distanciamento físico e, casos existem, em que ameaçam que os tenta impedir.

“Agradecemos a Deus quando temos mais um dia de vida, porque nas condições em que trabalhamos facilmente podemos ficar contaminados pela doença e transmitir aos nossos familiares”, relatou Martinho Balão, um dos 20 coveiros da Cidade de Nampula.

Carlos Ussene, outro experiente coveiro, revela “os nossos familiares vivem isolados e descriminados pelos amigos e vizinhos, porque acham que andam infectados” e sabe que trabalha todos dias em risco, porém “nenhum dos nossos colegas fez teste, a cada dia que passa não sabemos o que poderá acontecer-nos”.

“Do município recebemos máscaras faciais que sem chegam a cobrir o mês todo. Nas torneira não sai água, não temos luvas e nem botas”, partilhou Victor Pissaneque que também culpa as lideranças locais por continuarem a deixar que as tradições culturais ancestrais sobreponham-se as medidas de prevenção da covid-19.

Falta de água atinge também o Centro de Isolamento da covid-19

A pandemia expôs a incapacidade de sucessivos governos do partido Frelimo proverem dois Direitos Humanos básicos e que são fundamentais na sua contenção acesso à água e ao saneamento. Uma das razões do Governo ter interditado as aulas presenciais deve-se ao facto das escolas públicas não terem água corrente e em muitas os sanitários não funcionam.

Paradoxalmente em 2020 a crónica crise de acesso ao precioso líquido agravou-se na Cidade de Nampula, o novo argumento são as mudanças climáticas que diminuíram a disponibilidade de água na Albufeira sobre o rio Monapo. A verdade é que mesmo quando está na sua capacidade máxima a água canalizada não é suficiente para os citadinos da chamada capital Norte.

O Secretário de Estado na Província de Nampula, Mety Condola, reconheceu que a crise de água poderá estar na origem dos elevados números de infectados pela covi-19, a capital provincial tem um cumulativo de 2.235 casos positivos, 297 actualmente activos e 19 óbitos.

“Houveram muitos estudos de viabilidade para revolucionar o abastecimento de água na província, são necessários milhões de dólares, estamos a trabalhar com os nossos parceiros no processo de mobilização de fundos”, disse ao @Verdade Mety Gondola.

A falta de água atinge também o Centro de Isolamento da covid-19, instalado numa unidade hospitalar privada, no bairro de Natiquiri, e enquanto se aguardam pelas promessas dos políticos os nampulenses aglomeram-se nos tanques instalados em alguns locais estratégicos da cidade para encherem alguns bidões de água ou acabam por voltar aos poços artesanais, fonte de propagação de diarreias e da cólera.

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