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Entrevista a mim próprio

Bitonga Blues - Estou em Tete

– Diz lá uma coisa: achas que este jornal para o qual trabalhas neste momento tem pernas para chegar a algum lugar?

– Se não tivesse pernas para chegar a algum lugar eu não estaria aqui.

– Estás a ser muito presunçoso!

– Todos os loucos têm direito a um pouco de vaidade.

– E tu, pessoalmente, tens pernas para chegar a algum lugar?

– Eu já não vou a nenhum lugar, sou o lugar para onde se deve ir.

– Mas tu és inconstante, e por aquilo que é norma, um lugar deve ser sempre fixo. Tu nunca estiveste no mesmo lugar.

– Alguma vez um pirilampo esteve no mesmo lugar?

Eu sou um lugar especial, com a missão de distribuir luz aos pedaços, para todos aqueles que nunca foram escolhidos e também para todos aqueles que foram escolhidos. Sou uma báscula sagrada.

– Nunca foste consequente, porquê?

– Eu vivo de morte em morte e, como todos aqueles que vivem de morte em morte, estou à espera da última morte que, mesmo assim, nunca me tornará consequente. Eu sou a oscilação sustentada pelos sagazes.

– Mas tu já disseste uma vez, nas páginas deste jornal, que não eras nada…

– É isso: muitos serão chamados e poucos escolhidos. Se tu fosses um dos escolhidos terias entendido que eu por vezes visto a pele daqueles que nunca foram nada, que não são nada e nunca serão nada. Ou seja, de pessoas que nem sequer alguma vez existiram. Por vezes visto a pele de nenhumanos, mas continuo a ser uma oscilação, uma báscula, um pirilampo divino.

– Tens fé em Deus?

– Se eu não tivesse fé em Deus não seria este monstro que sou. Se eu não tivesse fé em Deus teria sucumbido em todas as mortes que me têm assolado. Eu sou como David, que será medido pelos palmos, mas que depois de ser assustado pelo Golias, retomará, retumbante, por sobre todas as espadas. Eu também canto, como David, o Salmos, depois de todas as mortes.

– Cantas blues, porquê?

– O blues é a maior celebração da música em toda a existência da humanidade, e a minha mãe nem sabia disso.

– O que é que a tua mãe tem a ver com o blues?

– É que eu canto blues em bitonga e o bitonga é a língua da minha mãe e tornou-se minha língua também. Sinto-me um anjo quando canto blues, em bitonga.

– Dizem que és festejado em vários lugares de Moçambique, por causa da tua coluna Bitonga Blues…

– Eu nasci para ser festejado. Por onde passo deixo sempre uma baba muito forte e, se uma lesma qualquer deixa baba por onde passa, como é que eu, que sou superior a todas as lesmas, não vou deixar baba?

– Estás a ficar velho. Vives intermitentemente com várias mulheres e, pelo que sei, nunca te preocupaste com o teu futuro…

– Primeiro quero corrigir a afirmação que fazes de que estou a ficar velho. Tenho uma capacidade de regeneração que é um fenómeno. A partir deste dia em que me entrevistas, estou a reconstruir-me. Quero mostrar um Alexandre Chaúque que nunca foi visto. Eu sou filho de Deus e a história de viver intermitentemente com várias mulheres também já acabou. O meu futuro está na imensa capacidade de trabalho que eu tenho nas mãos e no espírito. Daqui a nada vou passar a viver no paraíso, aqui na terra. Já estou cansado de viver de morte em morte.

– Qual é a primeira coisa que vais fazer quando te instalares no paraíso?

– Vou publicar o meu livro (Bitonga Blues). – E depois? – Depois vou procurar o Nelton Miranda para gravar um disco de blues, que meta piano acústico, guitarra acústica, percussão, e a minha voz.

– E depois?

– Depois vou-me casar.

– Com quem?

– Com a Mbuli.

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