O nuclear é bom? Um ambientalista de nomeada, James Lovelock, diz que a oposição dos Verdes não tem razão de ser, e que talvez a energia nuclear seja a nossa única esperança.
Em toda a minha vida fui «verde». Adoro o mundo natural e dediquei toda a minha carreira científica a compreender como as coisas funcionam. Fui criado no campo e, hoje, a minha mulher e eu vivemos no condado rural de Devon, no Sudoeste de Inglaterra. Os nossos 12 ha de bosque, atravessados por um rio, pertencem a uma reserva natural.
Foi uma invenção minha que desencadeou o movimento ambiental. Enquanto jovem cientista, nos anos de 1950, concebi um instrumento simples destinado a ajudar as pesquisas médicas que realizávamos sobre a pureza do ar. Trata-se do electron capture detector (detector de captura de electrões), o qual acabou por despertar-nos para a grandeza da poluição global. Mostrou, por exemplo, que o DDT se espalhara por todo o Mundo e, mais tarde, que o ozono da atmosfera estava a ser afectado pela acumulação de um tipo de químicos chamados CFC’s.
Dei ao conjunto complexo destas ideias a designação de «Gaia», nome grego para a Mãe Terra. Esta teoria goza hoje de amplo reconhecimento, embora sob o nome de Ciência do Sistema Terra.
A mãe terra tem sérios
O aquecimento global resulta da nossa dependência dos combustíveis carbónicos, como o carvão, o petróleo e o gás natural. Se conseguíssemos evitar queimar esses combustíveis «fósseis», o aquecimento global tornar-se-ia mais lento. Mas como fazer isso?
A nossa tábua de
salvação é a energia nuclear.
Imagine que é ministro de um Governo e está encarregado de decidir qual o combustível a utilizar para uma nova central de energia.
Carvão: Requer o equivalente a uma fila de 1000 km de comprimento de vagões carregados com dispendioso carvão, emite mais de 1000 milhões de metros cúbicos de gás que sobreaquece o Globo, produz poeiras e mais de 600 000 toneladas métricas de cinzas tóxicas.
Petróleo: Requer o equivalente a quatro ou cinco superpetroleiros carregados de petróleo importado de zonas instáveis do Mundo, emite quase tantos gases de estufa como o carvão, além de grandes quantidades de óxidos sulfúricos que são despejados para a atmosfera, transformando-se em chuvas ácidas e outros compostos altamente tóxicos.
Gás natural: É transportado ao longo de grandes distâncias em navios e gasodutos vulneráveis a acidentes e fugas; as emissões são altamente poluentes e o abastecimento de gás pode ser objecto de ataques terroristas.
Nuclear: É alimentado pelo equivalente a dois camiões carregados de urânio, barato e abundante, importado de países estáveis como o Canadá ou a Austrália. Emissões de gases ou ácidos: zero. Cinzas e poeiras tóxicas: zero. Desperdícios altamente radioactivos: alguns baldes.
As vantagens da utilização de energia nuclear em substituição dos combustíveis fósseis são impressionantes. Sabemos que a energia nuclear é segura, limpa e eficaz porque, neste momento, mais de um terço da electricidade da Europa Ocidental é gerado por 137 reactores nucleares. Ao todo, 438 reactores fornecem quase um sétimo das necessidades de electricidade a nível mundial.
No entanto, a maioria dos países que já dispõem de energia nuclear na Europa Ocidental – Bélgica, Alemanha, Holanda, Suécia e Reino Unido – mostram-se decididos a acabar com ela (pelo menos, deixaram de renovar as centrais nucleares envelhecidas), muito embora uma sondagem da Eurobarometer, realizada em 2002, tenha mostrado que dois em cada três europeus são favoráveis à energia nuclear, desde que os desperdícios sejam correctamente tratados.
Mesmo os Estados Unidos revelam uma posição equívoca. Apenas a Finlândia, a França e alguns países da Europa Central, como a Bulgária e a Roménia, propuseram a construção de novas centrais. A Dinamarca, a Itália e a Áustria recusam-se a ter geradores nucleares, custe o que custar, mas utilizam alegremente a energia nuclear importada dos países vizinhos.
Os grandes receios relacionados com a energia nuclear concentram-se, sobretudo, na radiação. No entanto, a radiação faz parte do nosso ambiente natural e podemos viver com ela. Todos somos continuamente expostos à radioactividade natural, proveniente, sobretudo, das rochas e do solo. O bombardeamento de radiação aumenta em 10% quando dormimos ao lado de outro ser humano. Um fim-de-semana numa praia com rochas graníticas, na Bretanha ou na Cornualha, pode fazê-la duplicar, e uma semana de férias na neve aumenta-a ainda mais.
O que significa a radiação das centrais de energia nuclear em comparação com tudo isto? Segundo o Gabinete de Protecção Radiológica Nacional do Reino Unido, as emissões de toda a indústria nuclear não chegam a constituir 1% da totalidade da radioactividade a que somos expostos. As utilizações clínicas, como as radiografias, constituem 14% desse total; o restante é radioactividade natural. Em comparação com os factores de risco de cancro, como o fumo e uma má alimentação, diz o relatório do Gabinete, os riscos da radiação de origem humana sem utilização clínica correspondem a cerca de um centésimo de 1%.
Porque tanto medo?
Afinal, se a energia nuclear fosse tão perigosa como se crê, não estaria a França, que tem 59 reactores que fornecem 78% da energia gasta pelo país, gravemente poluída e sem hipótese de salvação? Mas não é esse o caso; muito pelo contrário. O campeão mundial da energia nuclear vive em segurança e a sua saúde é uma das melhores do Mundo. Bruno Comby, um cientista nuclear que fundou a organização Ambientalistas Pela Energia Nuclear, com 6000 apoiantes, afirma que a energia nuclear barata utilizada pela França reduziu a poluição de dióxido de carbono de origem industrial em cerca de 90%.
Quando se queima combustível nuclear num reactor, produzem-se desperdícios radioactivos, que têm de ser tratados em segurança. A armazenagem e a eliminação desses desperdícios não têm de ser complicadas. A grande vantagem da energia nuclear é justamente o facto de produzir tão pouco lixo, e os Verdes, que a combatem devido a isso, mostram-se pouco razoáveis.
Todo o lixo altamente radioactivo produzido no Reino Unido ao longo de 50 anos de operações nucleares civis não ocuparia mais do que um cubo de 10 m de lado – aproximadamente o tamanho de uma casa pequena.
Porque nos preocupamos tanto com esse pequeno cubo? Não é nada, em comparação com os 13 700 km3 de dióxido de carbono produzido pela queima de combustíveis fósseis – quantidade suficiente para cobrir mais do que a área total das Ilhas Britânicas com uma camada de 10 m de lixo todos os anos.
Além disso, este material não pode ser verdadeiramente considerado como «lixo», porque apenas foram gastos 3% do seu potencial gerador de energia. Se for reprocessado, pode voltar a ser utilizado como combustível. Diz-se que os desperdícios nucleares espalhados pelo Reino Unido contêm uma energia equivalente a todo o petróleo do mar do Norte. Então, trata-se de lixo ou de energia para o nosso futuro?
O receio de que terroristas tentem um ataque suicida, ao estilo do 11 de Setembro, contra uma central nuclear é compreensível, mas não fundamentado. Os testes provaram que nenhuma aeronave conseguia penetrar o revestimento de betão de um reactor moderno.
Embora a energia nuclear seja muito mais limpa e segura do que os combustíveis fósseis – e também a mais barata, segundo um estudo recente da Comissão Europeia –, permitimos que os Verdes explorem as nossas ansiedades.
A menos que deixemos de nos preocupar com riscos estatísticos ínfimos – ainda que reais – e nos concentremos na protecção do planeta onde vivemos, as nossas perspectivas são más. Neste mundo eléctrico, a energia nuclear é a nossa única esperança.