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Em Moçambique a agricultura não alimenta o povo mas enriquece governantes e investidores estrangeiro

Em Moçambique a agricultura não alimenta o povo mas enriquece governantes e investidores estrangeiro

Os camponeses do norte de Moçambique têm vindo a travar batalhas para manter as suas terras perante a apetência de governos e empresas estrangeiras que, agressivamente, criam projectos de agro-negócio em larga escala, supostamente para o benefício daquela camada. Mas, até agora, a experiência com os países que investem na agricultura é desastrosa. Na realidade, notam-se novas formas de imperialismo, exploração e, acima de tudo, o regresso de plantações coloniais na célebre “Pérola do Índico”, um cenário espevitado pela nossa elite política, da qual faz parte gente que não passa de aventureira na agricultura, pois não tem formação.

O quadro negro deste sector no país, que à luz da Constituição é a “base do desenvolvimento nacional”, mas na prática acontece o contrário, tem como epicentro o Corredor de Nacala. Sem surpresas, o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e a sua família são alguns que não passam despercebidos na usurpação subtil da terra para benefícios próprios. Guebuza é, por exemplo, um dos investidores na AgroMoz, uma firma bastante activa na transformação em curso no Corredor de Nacala e que opera no coração da zona produtora de soja da região. O seu filho, Mussumbuluko Guebuza, tem ligações com a Agro Alfa.

“A AgroMoz não cumpriu a promessa que fez à comunidade de construir uma clínica e uma escola” e “já está a afectar gravemente a saúde das populações locais. Na época passada, a empresa começou a pulverização aérea de agro-tóxicos sobre as lavouras de soja”, alude o relatório da GRAIN, uma organização internacional sem fins lucrativos que apoia os pequenos agricultores, movimentos sociais na sua luta para que se implementem sistemas alimentares baseados na biodiversidade controlada pela comunidade, e a União Nacional de Camponeses de Moçambique (UNAC).

“Na campanha agrícola de 2013/2014, um grupo de trabalhadores da AgroMoz veio informar-nos que durante a pulverização, realizada por um avião de pequeno porte, as pessoas tinham de abandonar as suas casas, de forma a evitar possíveis danos causados pelo produto químico. Depois de alguns dias, quase todos os moradores começaram a apanhar gripe e as colheitas morreram”, indica a GRAIN. A lista dos mentores da usurpação da terra, com o beneplácito do Governo, é extensa e inclui o Corredor Agro, a Mozambique Agriculture Corporation (Mozaco), a JFS Holding, a Agro Alfa, a Rural Consult Lda, e a Tsemba Sociedade de Desenvolvimento Lda.

A Corredor Agro é uma empresa moçambicana controlada por duas famílias ricas da Europa: a Von Pezold, da Alemanha e da Áustria, e a dinastia de transporte marítimo, Hoegh, da Noruega. A firma começou recentemente a explorar duas farmas em Nampula: a Meserepane, de 2.200 hectares, onde cultiva culturas extensivas, e a Metocheria, de 6.000 hectares, onde produz banana. Também explora projectos de produção por contrato, nomeadamente para a produção de mandioca com base num acordo com a empresa de cerveja SAB Miller, de acordo com a GRAIN.

“Hoje, 40 anos após a independência, a visão revolucionária do movimento de libertação nacional está em frangalhos e o Governo de Moçambique está completamente dominado por uma ideologia neoliberal que depende estritamente do investimento estrangeiro para o desenvolvimento de todos os sectores económicos, sejam estes a agricultura, infra-estrutura, pesca, o turismo, a extracção de recursos, ou ainda os sectores sociais como a saúde e a educação”.

Aquela organização indica que a Lei da Terras de Moçambique dá às comunidades posse sobre terras que já cultivam há mais de 10 anos, o que significa que as antigas fazendas coloniais já deviam formalmente ter revertido para os camponeses. “Mas como a área voltou a ser alvo de investimento estrangeiro na agricultura, o Governo moçambicano conspira com os investidores estrangeiros para lhes poder oferecer concessões a longo prazo destas mesmas terras.

“Este eco dos tempos coloniais é mais forte pelo facto de que alguns dos investidores são famílias portuguesas que enriqueceram durante o período colonial e estão agora a voltar para Moçambique para começar a fazer plantações exactamente nas mesmas terras de onde colonialistas portugueses fugiram há 40 anos. Poucos destes têm formação em agricultura, mas muitos têm ligações a membros influentes do partido no poder, a Frelimo, que os ajudam a adquirir as terras e a gerir qualquer oposição das comunidades locais”.

A GRAIN indica que muitas vezes as comunidades nem sequer sabem quem é que está a usurpar as suas terras. As empresas que tomam posse das terras estão geralmente registadas em paraísos fiscais como as Ilhas Maurícias, onde a identidade dos proprietários das empresas e os registos financeiros são mantidos em segredo. Isto deixa às autoridades moçambicanas e às comunidades afectadas poucas opções para exigirem uma prestação de contas destas empresas relativa às suas actividades ou para garantir que uma fracção mínima dos lucros permaneça no país.

O investimento estrangeiro no país tem aumentado rapidamente nos últimos anos. Com base nos dados do Banco de Moçambique, a GRAIN refere que a entrada líquida de Investimento Estrangeiro Directo (IED) em 2013 atingiu os 5,9 mil milhões de dólares norte-americanos, um aumento de 15,8% comparado com 2012, tornando Moçambique o terceiro maior destino de IDE em África.

“Grande parte deste capital foi canalizada para a extracção de recursos naturais, como a mineração e a exploração de hidrocarbonetos. Mas a agricultura também começa a emergir como um alvo importante de empresas estrangeiras, especialmente no Corredor de Nacala, uma vasta extensão de terras férteis que cobrem o norte de Moçambique, onde milhões de famílias de camponeses vivem e praticam a agricultura”.

Outrossim, estes investimentos resultam de uma aliança muito forte entre o capital internacional por via das grandes corporações multinacionais com o apoio dos governos dos seus países de origem, e da elite político-económica local com vista à exploração das principais regiões agro-ecológicas locais e o potencial mineiro e de hidrocarbonetos.

“O crescente interesse estrangeiro por terras agrícolas não é exclusivo a Moçambique. Todo o continente Africano foi tomado pela corrida a terras agrícolas. Desde 2008, empresas estrangeiras andam a vasculhar o continente em busca de terras férteis para a produção de commodities agrícolas para exportação. Centenas de acordos já foram assinados, abrangendo milhões de hectares”.

Segundo a organização que temos vindo a citar, o Governo de moçambicano tem descaradamente procurado atrair esta onda de investimento agrícola estrangeiro, particularmente para o Corredor de Nacala, em parceria com governos de outros países e doadores internacionais, com destaque para o Japão e o Brasil, num programa de grande escala conhecido como ProSavana, que visa explorar cerca de 14 milhões de hectares de terras actualmente cultivadas pelos camponeses que abastecem os mercados locais da região do Corredor de Nacala (…).

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