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Em Mahulana educa-se num mar de dificuldades

Em Mahulana educa-se num mar de dificuldades

Numa altura em que se clama por uma educação de qualidade e as estatísticas do Governo transmitem a ideia de que o país está a registar alguns progressos, a cerca de 40 quilómetros do coração da capital moçambicana, Maputo, impera uma outra realidade chocante, que anula o discurso oficial sobre os sucessos na área da instrução, pelo menos no meio rural. Na Escola Primária de Mahulana, no distrito da Moamba, na província de Maputo, onde a pobreza se faz sentir e fere a alma de qualquer visitante, os alunos da 1a classe assistem às aulas sem livros, lápis, calçado e fardamento, por exemplo. O cenário repete-se na 6a classe. Já no ensino secundário, que funciona em salas anexas nas mesmas instalações, no período da tarde, algumas educandas da 8a a 10a classes interrompem os estudos devido à situação de gravidez precoce.

O @Verdade “invadiu” certas turmas da 1ª classe e em algumas delas, coincidentemente, numa altura em que o professor ordenava: “Aquele (aluno) que não tem caderno e lápis pode levantar a mão…”. Contudo, mais de metade dos discentes nas turmas compostas por aproximadamente 80 deles não possuía nenhum material didático. Os pedagogos já estão habituados e lidar com miúdos nesta situação, porém, eles não param de mandar recados para os pais e encarregados de educação com vista a que estes adquiram material didáctico e levem os filhos à escola asseados, o que é pura e simplesmente ignorado…

“Não recebi o livro… a minha avó não compra o lápis…”, explica o pequeno Rafael Nhabete, que não tem também uniforme escolar. Este é um problema comum naquele estabelecimento de ensino público. Um docente assegurou-nos que mais de metade dos alunos do ensino primário na Escola Primária de Mahulana não tem uniforme devido à falta de meios financeiros.

“Já nem exigimos isso (fardamento)…”, disse o nosso interlocutor, com um semblante de tristeza, e esclareceu que tal situação se deve, em parte, ao facto de um número considerável de petizes daquela parcela da província de Maputo estar sob responsabilidade de pessoas idosas, algumas sem recursos para garantirem a instrução dos netos muito menos a sua alimentação.

Segundo apurámos, alguns progenitores dessas crianças fixaram residência na cidade de Maputo e outros abandonaram os filhos, sendo o seu paradeiro desconhecido. Outra dificuldade com que os professores se debatem é a incapacidade da escola de distribuir gratuitamente os livros aos estudantes. Eles queixam-se, também, de sobrecarga de trabalho, uma vez que leccionam os ciclos primário e secundário.

“No ano passado, eu rejeitei as horas extras e deixei de dar aulas aos alunos do nível primário porque não conseguia preparar a matéria devidamente, ficava baralhado e os alunos podiam não aprender nada”, contou à nossa Reportagem um dos docentes que só lecciona apenas o nível secundário no mesmo estabelecimento de ensino.

“Como vê, neste momento estou com os petizes da 1ª classe, mais logo tenho de dar aulas de Matemática numa turma da 9ª classe. Este exercício é desgastante…”, desabafou outro docente que, para além de se queixar do crónico problema relacionado com turmas numerosas, ele está agastado com o facto de o grosso dos educandos do nível secundário não saber escrever e lê com bastante dificuldade. “Continuamos sem moral para dar aulas porque temos uma média de 75 alunos em cada turma”.

Os alunos atrasam-se sempre

Na Escola Primária de Mahulana há vários problemas. Segundo os professores, os estudantes atrasam-se de forma sistemática às aulas e, não raras vezes, desistem de frequentar a escola, sendo as meninas o grupo que maioritário devido aos casamentos precoces. As inquietações dos nossos entrevistados têm, também, a ver com o facto de alguns educandos se apresentarem na salas de aulas sob o efeito de estupefacientes, com desataque para as bebidas alcoólicas, e os pais e encarregados de educação pouco se preocupam com este problema.

A Escola Primária de Mahulana conta com oito salas de aula e no presente ano lectivo foram matriculados 555 estudantes do nível secundário. Inês Magaia, de 17 anos de idade, frequenta a 10ª classe. No seu ventre transporta um feto de sete meses. Quanto ao seu futuro, ela alimenta o sonho de ser enfermeira. A adolescente faz parte das poucas meninas que, apesar de terem engravidado, não abdicaram da instrução.

Na outra turma entrevistámos um docente que, de longe, nos olhava de soslaio, o qual disse: “Infelizmente muitas alunas seguem o mesmo percurso da Inês; temos como exemplo a Margarida Valente e a Clara João, que engravidaram do mesmo rapaz, um analfabeto e desempregado. As duas meninas abandonaram os estudos para assumirem o lar”.

A mãe está sempre a viajar

Na mesma escola a que nos referimos, encontrámos uma menor que disse ter 13 anos de idade e frequenta a 8ª classe. Ela está, também, grávida de três meses e confidenciou-nos que vive praticamente sozinha porque a sua mãe viaja constantemente para a vizinha África do Sul. “Não sabia que podia engravidar… O meu namorado não quer assumir a gravidez…”.

O estudante pastor

Sebastião Madjaia, de 13 anos de idade, frequenta a 3ª classe na Escola Primária de Mahulana, mas reside em Marilane, que dista aproximadamente 10 quilómetros do seu estabelecimento de ensino. Da sua casa para o local vai a pé e durante o percurso atravessa um riacho. As suas aulas iniciam às 07h:00 mas tem de sair às 05h:00 para deixar 16 cabeças de gado na pastagem.

De calções sujos, pés descalços, sem uniforme, ele irrompe na sala de aulas numa altura em que já perdeu metade das aulas, mas os seus pais parecem estar indiferentes em relação a este aspecto. Revoltado, o seu professor disse num tom de condenação: “O Sebastião atrasa-se regularmente porque, para além de aluno, é pastor de gado, vem sempre assim…”. O menino almeja ser mineiro como o seu tio.

Atendimento insatisfatório no centro de saúde

A Escola Primária de Mahulana conta com 18 professores, dos quais sete vivem na própria escola: “Nós que vivemos aqui (nas instalações) enfrentamos muitas dificuldades: a rede de comunicação é má, não temos energia eléctrica, a água que bebemos é um pouco salgada, sofremos de malária e quando vamos ao centro de saúde nunca há medicamentos”.

No Centro de Saúde de Mahulana encontrámos apenas um jovem à espera de ser atendido. Depois de meia hora, ele foi observado mas saiu da sala a murmurar, talvez porque o processo tenha sido bastante rápido. À nossa Reportagem, o jovem disse: “É sempre assim, nunca acusa nada, os medicamentos são escassos e não há paracetamol”, queixou-se Armando Nhanombe, de 28 anos de idade.

Anastácia Marques, directora daquela unidade sanitária, disse ao @Verdade que não podia tecer quaisquer comentários porque se encontrava doente. Contudo, ela explicou que o Centro de Saúde de Mahulana conta com quatro funcionários, nomeadamente dois técnicos e dois serventes. “O hospital regista maior afluência de pacientes nas primeiras horas do dia, mas o atendimento não é satisfatório”, comentou um professor que servia de guia dos nossos repórteres.

Viajar nos “my love“

“O sofrimento por causa do transporte está minimizado porque os “chapas” param defronte da escola, mas nem sempre foi assim; há dois anos, desembarcávamos na paragem Mukathine e caminhávamos até Mahulana. São cerca de nove quilómetros.”

Todavia, os alunos são transportados em carrinhas de caixa aberta, vulgo “my love”, sobretudo os que vivem longe da escola. Clarência Dimande, de 15 anos de idade, mora em Boquisso e frequenta a 9ª classe.

Para chegar à localidade de Mahulana, ela despende por dia 30 meticais, quantia que considera ser exorbitante porque nem sempre a sua mãe dispõe do valor. Enquanto isso, os alunos que vivem na cidade de Maputo são os mais sacrificados, pois tomam o seu “chapa” no terminal dos transportes rodoviários do Zimpeto, com destino a Tissenguene, uma viagem que custa 25 meticais.

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