Na sua última edição este jornal denunciou a situação dramática de oito pescadores moçambicanos, cidadãos deste país que, um dia, aliciados por um empresário chinês, embarcaram numa aventura que possibilitaria melhorar as suas condições de vida.
É sabido que a vida do mar é árdua mas quando em causa estão valores de defesa da vida e sustento da família, tudo vale e tudo se aceita na procura desses dias melhores. E foi, por isso, que esses oito chefes de família se lançaram numa aventura que teria por cenário a imensidão dos oceanos, longe da pátria.
Os contratos celebrados contemplavam maravilhas e prometiam o milagre mais desejado: uma boa remuneração salarial, mais prémios e outras benesses que se destinavam a vencer o isolamento e a solidão a que iriam estar sujeitos, durante dois anos.
E sobre eles se fechou qualquer ponto de localização quando, um dia, partiram do aeroporto com destino à África do Sul e daí a caminho das lhas Maurícias onde embarcariam rumo ao oceano infinito. A história agora relatada por nós é muito mais do que uma denúncia veemente, destinada a chegar aos responsáveis deste país.
A história contada por dois desses oito marinheiros que conseguiram escapar daquele inferno chinês é dramática demais para que o Ministério Público, por exemplo, possa continuar a ter um sono tranquilo sabendo agora como foram (e estarão ainda a ser) maltratados, enxovalhados, agredidos e até sexualmente violados, cidadãos moçambicanos aqui recrutados sob os olhares das autoridades locais.
Dois deles conseguiram fugir e regressar a casa com as mãos cheias de nada. Um outro, porém, teve o mesmo destino de muitos piratas que cruzavam os mares: morreu e foi jogado ao mar. E é aqui que a situação se torna mais grave e mais dramática ainda. Será que as autoridades moçambicanas foram informadas de que um cidadão seu, aqui recrutado, morreu e foi “enterrado” no mar?
Será que os seus familiares foram disso informados ou temos que há por aí uma família que desconhece que o marido, pai ou irmão, que um dia partiu para ganhar-lhes o sustento jaz, há muito, no fundo do mar? Algures nos mares da China ou em alguma latitude entre a Índia, Indonésia e Singapura, entregues à sua sorte, andarão ainda três pescadores, filhos de Moçambique, que não conseguiram ser lestos na tentativa de fugir e abandonar o calvário porque que estarão a passar.
Entretanto, à Redacção deste jornal vieram já pessoas procurar saber se o seu familiar de quem nunca mais tiveram notícias não será o que foi lançado ao mar. “Marinheiros Moçambicanos no inferno chinês” constitui, por isso, o relato audacioso e a denúncia necessária para alertar quem de direito para as muitas formas de escravidão ainda usadas, mas sempre encobertas, por pessoas sem escrúpulos.
Mas, se isso nos repugna, que pensar então da correspondência trocada entre a Navemar – Agência de Representações Marítimas, por quem terá corrido a contratação, e David Ho, o engajador, a propósito dos salários devidos a um dos marinheiros que escapou desse inferno?
A missiva que temos em nosso poder é mais do que suficiente para provar quanto abandonados estão (ou sempre estiveram) estes e todos quantos possam vir a cair no mesmo logro. Em abono d’@ Verdade, a história destes marinheiros precisa de um final feliz e os seus familiares merecem a tranquilidade que um dia desejaram quando aceitaram a mágoa de se separarem dos seus ente queridos que partiam em busca de melhor vida.
O pescador moçambicano, em particular, ou o trabalhador moçambicano, no seu todo, não é moeda de troca, não é escravo da ganância nem, tão-pouco, instrumento humano, que outros aproveitem para alcançar, com o seu suor e sofrimento, lucros ou despojos chorudos. Em abono d’@ Verdade, que tenha a palavra o Ministério Público.