Ao décimo sétimo dia de protestos, quando todos esperavam que Mubarak anunciasse que deixava o poder, o homem à frente dos destinos do Egipto há três décadas afirmou antes comprometer-se com uma “transferência de poderes a quem vencer as eleições de Setembro”.
O ainda Presidente prometeu emendas na Constituição e anunciou a transferência de poderes para o vice-presidente – não ficou claro se Mubarak passou todos ou alguns poderes a Omar Suleiman, nem que poderes foram transferidos. Segundo o embaixador egípcio nos Estados Unidos, Sameh Chukri, Suleiman é agora o “presidente de facto” e “Mubarak um presidente de direito”.
Para terminar, o Presidente lembrou que serviu o Egipto a vida toda e garantiu que não deixará o solo egípcio “até ser enterrado debaixo dele”, enquanto na praça Tahrir, epicentro dos protestos no Cairo desde o primeiro dia, centenas de milhares gritavam “Sai, sai, sai”.
As últimas frases do discurso que chegava à Tahrir projectado numa faixa branca já tinham sido quase inaudíveis. “Vai-te embora”, era a frase cada vez mais repetida. Os manifestantes continuaram a gritar e muitos ergueram na mão os seus sapatos – um sinal de especial falta de respeito entre os muçulmanos.
Muitos permaneceram na praça, outros iniciaram marchas – para a televisão estatal, para o palácio presidencial – enquanto os líderes da oposição e os analistas se mostravam absolutamente surpreendidos com o discurso e temiam antecipar cenários. Insulto à inteligência dos egípcios
“O meu palpite é que veremos manifestações massivas em muitas cidades – não apenas no Cairo – na sexta-feira, dia tradicional de protestos. Na verdade, Mubarak e Suleiman acabaram de insultar a inteligência do povo egípcio – e eles vão responder. O regime conseguiu galvanizar os manifestantes e talvez esteja a cometer um suicídio”, escreveu Nicholas Kristof num blogue do jornal “The New York Times”.
As palavras de Mubarak soaram como inacreditáveis a quem tinha acompanhado as últimas horas no Egipto. Primeiro o Exército anunciara para breve “ordens que vão agradar ao povo”.
Quase em simultâneo, o novo secretário-geral do partido no poder, o Partido Nacional Democrático (PND), Hassan Badrawi, dizia que Mubarak poderá “responder às reivindicações do povo” até sexta-feira. Em declarações à BBC, Badrawi não parecia deixar margem para dúvidas, garantindo que era seu desejo ver Mubarak abandonar o poder e que essa é “a posição de todo o partido”.
Pouco depois, num comunicado, os militares consideravam “legais e legítimas” as reivindicações do povo egípcio, que desde 25 de Janeiro pede nas ruas a saída do Presidente Mubarak. O Exército afirmava ainda “o seu compromisso e a responsabilidade pela salvaguarda do povo e pela protecção dos interesses da nação, e o seu dever em proteger as riquezas do povo e do Egipto”.
Seguiram-se especulações sobre a possibilidade de estar em curso um golpe militar – num cenário em que Mubarak tivesse tentado transferir os seus poderes para Suleiman e o Exército recusasse esta transferência. Apanhado numa audiência no Congresso, o director da CIA, Leon Panetta, afirmava ser “muito provável que Mubarak abandone o poder esta noite”.
Pouco antes do discurso de Mubarak, já depois das 19h00, o Presidente Barack Obama afirmava que “estamos a testemunhar história à medida que ela acontece”. Entretanto, na praça Tahrir cantava-se, dançava-se e assobiava-se. Através do Twitter, Wael Ghonim, o executivo da Google que se tornou uma poderosa figura de liderança dos jovens que pedem a saída de Mubarak, escrevia “Missão cumprida. Obrigado a todos os corajosos egípcios”.
“Não foi isto que disseram à Administração norte-americana que o Presidente Mubarak ia fazer”, comentava na CNN o jornalista John King quando era quase uma da manhã no Cairo. “Liberdade ou morte”, gritava-se à mesma hora na praça Tahrir.