A onda revolucionária/libertária, que há 15 dias parecia imparável no seu rumo para derrubar, como peças de dominó, os ditadores do Mundo Árabe e não só, poderá agora não atingir a magnitude que se esperava. Depois dos sucessos da Tunísia e do Egipto, onde o povo conseguiu derrubar dois dos mais velhos autocratas da região, na Líbia os manifestantes, que no início nada indicava poderem ser detidos rumo aos seus objectivos, particularmente quando, praticamente sem resistência, conquistaram Bengazi, a segunda cidade e o todo o leste do país, foram na última semana contidos pelas forças leais a Muammar Kadhafi.
Deste modo, a Líbia não está à beira da guerra civil como repetidas vezes ouvi dizer. A Líbia já está em guerra civil, um confl ito que ameaça prolongar-se, quiçá, por tempo indeterminado. As forças no terreno equilibram-se: de um lado está o voluntarismo e a crença na possibilidade única de se verem livres de um ditador sanguinário. O que sobra em querer e vontade falta em organização, em armamento, em estratégia e em experiência de combate.
Do outro, há muito menos gente mas muito mais organização e preparação, bem como meios de combate muito mais evoluídos. Os dois lados possuem uma coisa em comum: a crença que, derrotados, não sobreviverão e isso, numa lógica de ou ele ou eu, transmite-lhes obrigatoriamente uma força suplementar.
Em Angola, a manifestação anti-governamental marcada por SMS para esta segunda-feira redundou num fracasso total e, não fora a publicidade posta a circular uns dias antes, ninguém tinha dado por ela. Parece que estiveram presentes cerca de 20 pessoas com a intenção de declamar poesia mas não chegaram a fazê-lo porque a polícia declarou o ajuntamento ilegal, acabando, provavelmente com uma intenção de dissuadir futuras provocações, por prender todos os ‘desordeiros’, incluindo quatro jornalistas do ‘Novo Jornal’, um dos pouco meios de comunicação social que se habilita a criticar, mesmo que muito ao de leve, o Governo de Eduardo dos Santos. A contra-manifestação organizada pelo MPLA em apoio do regime foi bem mais efi caz, mostrando ao mundo e aos angolanos que quando o partido põe as garras de fora é imbatível.
Estes exemplos de resistência à revolução poderão levar igualmente a um efeito dominó, mas desta vez em sentido contrário. E se há uns dias a Kadhafi , a Saleh do Iémen e ao governo do Bahrein só lhes faltava ser retirado o banco debaixo da forca, hoje, olhando para o exemplo de Kadhafi no Norte e de Eduardo dos Santos no Sul, o élan revolucionário poderá ter perdido muito do seu fulgor inicial. Para este refreamento de liberdade contribuiu também a ordem de prisão que o líder do Irão Aminedjade decretou e efectivou aos líderes da oposição naquele país, entre os quais Moussavi, o candidato derrotado nas eleições fraudulentas de 2009.
Igualmente, o caos que impera nos países que derrubaram as ditaduras poderá estar a desencorajar novos sucessos. Há também um pouco a sensação de que os regimes tunisino e egípcio só caíram porque os seus líderes estavam demasiado velhos e debilitados em termos de saúde para reagirem – correm rumores de que Ben Ali está em coma e que Mubarak padece de um cancro mortal.
Resta saber se a balança irá continuar a pender para o lado da liberdade ou inclinar-se-á para as vetustas ditaduras. Os próximos tempos serão decisivos.