Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

…é só uma questão de mecenato!

…é só uma questão de mecenato!

Cinco anos depois, desde quando, em 2007, o célebre artista moçambicano, Xidiminguana, publicou o seu último trabalho discográfico. A sua inércia (?) na edição de novos álbuns preocupanos. Por isso, quando nos vem à mente que o génio da guitarra possui um acervo musical suficiente para, de uma só vez, divulgar três discos – que, infelizmente, podem ser engolidos pela (in)certeza do futuro – o assunto torna-se delicado.

Sereno, dono de um riso que se arranca facilmente com uma piada bem contada, encontrámos Xidiminguana na sua residência algures, no grandioso distrito Ka-Maxaquene, em Maputo.

A conversa será travada em xi-changana, como raramente acontece, em encontros do género. Sobretudo porque a língua portuguesa é a que unifica os moçambicanos, por isso a mais promovida. De qualquer modo, as línguas nacionais, o xi-changana em particular, continuam estruturantes nas nossas famílias. Por essa razão não haveria nenhum sobressalto.

Desde o ano passado que escutámos a indagação que Xidiminguana faz na canção Ni ta muka hi kwini (o mesmo que como regressarei à minha terra natal) tema com o qual engrandeceu o mais recente álbum do musicólogo moçambicano Moreira Chonguiça, Khanimambo.

Muito recentemente, Xidiminguana voltou a gravar uma nova música (que pode ser encontrada num dos discos que compõem o CD duplo, Rádio Marrabenta, publicado no âmbito do Festival Marrabenta recém-terminado) na qual conta a estória das cobaias. Aliás, um conto profundamente misterioso.

{youtube}YvbaY2THz0A{/youtube}

Os netos caçaram o bicho. Degolaram-no para torrá-lo e ofertá-lo ao avô. Sucede, porém, que a carne do animal, de tanto ser fresca e gordurenta, não coze, apenas apaga o lume. Em resultado disso, os miúdos não conseguem confeccionar a referida carne. Mistério ou verdade? Será que este episódio realmente aconteceu? E se tiver acontecido, qual teria sido o motivo da ocorrência?

As perguntas revelam o tipo de reflexão que as composições musicais de Domingos Honwana (Xidiminguana) proporcionam aos seus ouvintes. Aliás, qualquer pessoa que escuta as suas músicas (atentamente) conhece a adrenalina que, às vezes, causam. Felizmente, esse é o nosso caso. Muito mais curiosidades – algumas das quais sérias outras nem tanto – percorriam a nossa mente.

Xidiminguana, o artista cuja falta de relações de parentesco com o público, muitas vezes, não o inibe de considerá- lo carinhosamente avô, tratou imediatamente de nos explicar o seguinte:

“A canção sobre a cobaia foi criada há mais de 60 anos, nos anos de 1950. Na altura, como acontece em qualquer época, a juventude possuía uma dinâmica própria dentro da qual inventava algumas brincadeiras para a diversão nas noites. Isto significa que, naquela época, a referida canção era mais explorada nas diversões joviais. Inicialmente era cantada sem o auxílio dos instrumentos musicais, a guitarra em particular, porque não os tínhamos”.

Então, muito recentemente, “havendo a possibilidade de gravar uma música para a colectânea do disco Rádio Marrabenta, compreendi que devia recuperar esta canção como forma de mostrar à sociedade actual – à juventude em particular – as brincadeiras do passado”.

Na verdade, “nenhuma cobaia foi degolada com a finalidade de ser estofada para o avô, como se conta na canção. Trata-se de uma ficção, uma criação da nossa imaginação para acomodar o nosso entretenimento na época”, esclarece.

Apesar de a estória ser fictícia, o que é que dela se pode aprender como lição de moral? Sobretudo na forma como no passado os conflitos domésticos eram solvidos? Afinal, a mesma música cria condições para se reflectir no espaço doméstico.

Xidiminguana prefere afirmar que “cada época tem as suas características peculiares. Por isso, a nossa forma de resolver os problemas, as difi culdades por que passámos – carências sociais, conflitos familiares, por exemplo – estavam de acordo com os desafios habituais da respectiva época histórica”.

Dito de outras palavras, “para mim, isso equivale a afirmar que os métodos aplicados para enfrentar os entraves da actualidade não são os melhores nem os piores da nossa história, mas estão de acordo com a mentalidade hodierna. Não encontro diferenças enormes. Penso que o rumo que a nossa sociedade está a tomar, agora, não deve deixar-nos apreensivos. Trata-se de um comportamento típico dessa época”.

Como regressarei às origens?

“Como regressarei às origens?”, é a questão que – além do grau de preocupação que o artista traduz, teve a honra de ser registada no novo trabalho discográfi co de Moreira – que Ximinguana coloca aos apreciadores da sua música.

No entanto, antes de explicar as idiossincrasias que lhe valeram uma inspiração para que numa bela combinação melódica registasse esta obra de arte, o nosso interlocutor prefere sublimar a experiência que teve no trabalho com Moreira Chonguiça.

“A minha experiência com o jovem músico moçambicano Moreira Chonguiça foi excelente. Penso que ele é um moço que gosta da rectidão porque conseguiu cumprir com as suas promessas. Ele é uma pessoa que possui a verdade nas palavras que profere”. Como tal, “a minha experiência de trabalho colectivo com ele, assim como com os demais artistas envolvidos no projecto do álbum Khanimambo não registou nenhum sobressalto”.

É por essas razões que “a minha admiração por ele é enorme, sobretudo porque Chonguiça se mostra com enorme vontade de trabalhar em prol da evolução da música e da cultura moçambicanas”.

Perseguição infundada

“Mas porque é que Xidiminguana questiona sobre como é regressará à sua terra natal?”, insistimos com a teimosa pergunta ao que o artista nos confidencia o seguinte:

“Recordo-me das peripécias que a governação dos régulos, na época colonial, me pregou”. É que, por várias vezes, “sucedia que sempre que houvesse uma cerimónia festiva na família do régulo, a população era obrigada a contribuir com alguma quantidade de ovos. No entanto, de todas as vezes que eu levasse a minha contribuição, o líder acusava-me de lhe ofertar ovos de uma ave estranha. Ele julgava-os pelo seu tamanho que era menor”.

“Na capoeira da minha casa – na província de Gaza – não havia galinhas de uma espécie grande. Em resultado disso, davam ovos menores. Apenas havia duas espécies de galinhas, ambas de tamanho menor e magras, as quais, em xi-changana, respectivamente se chamam xitchekere e xindzemba.”

De referir que na altura “eu era muito jovem. Isso fez com que os régulos me complicassem bastante. Mas quando analisei o problema profundamente cheguei à conclusão de que o imbróglio em que eles me queriam envolver devia-se à riqueza que o meu falecido pai me legou.”

Ou seja, “tratava-se de uma tentativa de usurpar os meus bens. Por isso fugi para a cidade de Lourenço Marques, no dia 15 de Agosto de 1954, onde assim que cheguei produzi esta canção para replicar a sua perseguição infundada”.

Tenho medo do seu túmulo

Domingos Honwana realça que o régulo de que se refere na canção Ni ta muka hi kwini “era muito déspota de tal sorte que sempre que vou à província de Gaza, muitas vezes, receio ver o seu túmulo”. “Ainda se lembra do seu nome?”, questionámos ao que Ximinguana considera que “o seu nome não importa referir. Estamos a falar daquilo que aconteceu. Já não acontece. Agora há uma boa forma de governação”.

E mais, “felizmente isso já passou. Já visito a minha terra natal sem sobressaltos. E em jeito de ritual, pelo menos, vou quatro vezes por ano. Apesar de os meus progenitores terem falecido há bastante tempo, a nossa família ainda se encontra no mesmo local. Portanto, é importante que eu vá, de vez em quando, para dar alguma assistência ao meu irmão (Fernando Honwana que reside lá) nos cuidados da casa”.

O poder é do povo!

@verdade: Que comparação faz dos primeiros reis ou presidentes que dirigiram o país com os actuais?

Xidiminguana: Penso que os presidentes actuais seguem a lei com profundidade. No passado, os régulos recebiam orientações do Governo. Mas muitas vezes, sucedia que eles (os régulos) não tinham muita instrução. Consequentemente, não seguiam as orientações devidamente.

A falta de instrução dificultava-lhes a interpretação da lei. Contrariamente a isso, os líderes actuais estão mais instruídos. Outros ainda, mesmo que não tenham muita instrução, observam as orientações da Frelimo.

@Verdade: Na mesma música, Xidiminguana afirma que “o poder é do povo”. Sente que em Moçambique o povo tem poder?

Xidiminguana: É verdade. Quando comparo a forma de governação de há 50 anos com o que tem acontecido actualmente, percebo que o Governo tem consultado a opinião do povo sobre os vários problemas que acontecem.

A população participa no processo de governação. Tem havido dirigentes que fazem uma auscultação sobre os vários processos que marcam a vida social no país. Contrariamente a isso, no passado, o povo não tinha direito a opinião. É por essa razão que eu canto que o poder é do povo.

@Verdade: Qual é a sua opinião em relação às actividades culturais no país?

Xidiminguana: Actualmente, nós os músicos moçambicanos somos orientados pelo Ministério da Cultura. O problema é que além da pirataria, o nosso trabalho é obstruído pela falta de editoras. Já não temos editoras.

De qualquer modo, penso que é importante que se mantenha a esperança em relação ao advento de dias melhores. Todos os artistas devem acreditar que a qualquer momento podem surgir novos patrões, pessoas com meios para dinamizar o sector da música. É por essa razão que sou da opinião de que os músicos moçambicanos não devem ficar desesperados.

É importante que, como eu tenho feito, continuem a compor novas canções. Se não me faltasse patrocínio, tenho músicas suficientes para gravar mais de três trabalhos discográficos. Gravar novos discos é uma questão que depende do mecenato!

Quem é Xidiminguana?

Oriundo no distrito de Bilene província de Gaza, Xidiminguana é um dos mais afamados criadores e promotores da Marrabenta, o género de música popular urbana mais explorado no sul de Moçambique.

Nasceu no dia 3 de Agosto de 1936. Possui inúmeras composições e trabalhos discográficos dos quais as canções Delfina ni kombela rivhalelo e Tiba Bem são inquestionavelmente as que o popularizaram.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!